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As transformações no setor de aviação após a pandemia

Segmento foi um dos mais impactados pela crise sanitária global; em entrevista exclusiva ao Millenium, Paulo César de Souza e Silva analisa o cenário

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Instituto Millenium

Publicado em 16 de junho de 2020 às, 14h51.

Um dos primeiros efeitos da crise do novo Coronavírus, antes mesmo de a pandemia chegar ao Brasil, foi a redução drástica dos vôos internacionais. Os aviões pararam de decolar e, por conta das restrições impostas pela crise sanitária, o setor aéreo sofre com uma das maiores crises da sua história. Diante deste cenário e das incertezas de um futuro totalmente diferente do que já se viu para o segmento, o Instituto Millenium conversou com Paulo Cesar de Souza e Silva, que foi CEO da Embraer e teve passagem marcante pela empresa, liderando processos como a parceria com a Boeing. Ouça o podcast!

Paulo César destacou a dimensão da crise. Atualmente, 92% da frota das aeronaves está parada, após três meses de pandemia. O número de passageiros deve cair pela metade da estimativa prevista inicialmente: 2 bilhões de pessoas devem viajar; antes, a estimativa era de 4 bilhões de pessoas. “O setor de transporte aéreo é intensivo de caixa. Há uma despesa operacional fixa e semifixa bastante elevada, e avião precisa voar. Avião no chão é prejuízo, e, neste caso, há um consumo de caixa e um prejuízo enorme, a ponto dos governos de quase todos os países apoiarem financeiramente, ou com redução de impostos, ou com garantias de empréstimo para que as empresas possam sobreviver neste momento”, destacou.

De acordo com a visão do ex-CEO da Embraer, a persistir essa situação, nenhuma empresa aérea vai resistir à crise. Isso porque há uma série de compromissos e obrigações com bancos, empresas de leasing, fornecedores e funcionários – ou seja, uma despesa operacional e financeira – ao mesmo tempo em que não há nenhuma receita.

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Como não poderia deixar de ser, a crise chegou com força também no Brasil. O maior sinal foi o recente pedido de recuperação judicial da Latam. Outras companhias aéreas, como a Gol e a Azul, estão operando com apenas 8% da capacidade, em função das restrições impostas pela crise sanitária. Paulo César destacou que o suporte governamental não é o suficiente para a recuperação das empresas aéreas, representando 1% das despesas. O especialista em aviação apontou, ainda, outro fator agravante: não há um sinal claro de retomada da economia.

Transporte aéreo é indutor do desenvolvimento

O impacto não é só para empresas aéreas: como o deslocamento entre longas distâncias é feito majoritariamente pelo transporte aéreo, a crise da aviação resulta em uma série de problemas para diversas atividades econômicas. A aviação, por si só, representa 1% do PIB mundial, mas envolve uma cadeia que inclui o turismo, incluindo a área de negócios. Por conta disso, Paulo César de Souza e Silva defende o suporte governamental neste momento de grave crise.

“O transporte aéreo é indutor do desenvolvimento econômico, e, quando o setor para, coloca uma cadeia de desenvolvimento econômico em risco. Há setores altamente dependentes ou complementares do transporte aéreo. Um país que tem a aviação mais desenvolvida se recupera mais rápido. É assim nos EUA, é assim na Europa e em outros países. Na China, por exemplo, o transporte aéreo cresce 12% por ano e está levando desenvolvimento para outros setores da economia”, lembrou. Outro ponto destacado por Paulo César é a questão conjuntural: não se trata apenas de uma falha provocada por má gestão em alguma companhia aérea em específico, mas uma crise global que inviabilizou o setor. “É um problema sistêmico e inesperado, de uma duração ainda não muito conhecida”, disse.

O futuro

Enquanto a crise da pandemia não passa, a grande dúvida é como será o futuro da aviação – que, assim como diversos setores, também terá que se adaptar para estes novos tempos. Paulo César destacou que a primeira medida é segurar o caixa, ou seja, não deixar que os recursos se percam. Isso requer negociação com empresas de leasing, responsáveis por quase 50% dos aviões que saem das fábricas. “As partes precisam negociar, entender o novo fluxo e realizar as adequações necessárias, seja com bancos ou investidores, para alongar o perfil, para dar tempo e condições para que o caixa volte”, disse.

+ Home office ganha força como alternativa durante a pandemia

Quando se fala nas mudanças para o consumidor, mais visíveis, o ex-CEO da Embraer disse que ainda é cedo para opinar, principalmente com relação à demanda. No entanto, Paulo César abordou algumas questões que podem ser adotadas daqui pra frente. “No começo, é possível que haja distanciamento um pouco maior nas aeronaves, mas isso é inviável no médio e longo prazo. Nenhuma companhia aérea vai se viabilizar se houver distanciamento social nos vôos. Isso pode ser feito no retorno por uma semana, 15 dias, até que os passageiros vejam que os aviões estão bens, limpos, sanitizados, com passageiros usando máscara e, com isso, conseguem ter conforto maior. Com relação à demanda, acho que volta gradativamente, mas vai ser algo diferente. Temos que saber o impacto da descoberta do home office, uma nova forma de trabalhar”, disse.