(Getty Images)
Instituto Millenium
Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 21h05.
*Roberto Castello Branco, economista e ex-presidente da Petrobras
Estatais tendem a desperdiçar recursos da sociedade. Dado que o objetivo de suas ações é político, criação de valor para o acionista é algo inexistente nos planos. O governo atual é estatista, proibiu privatizações e prioriza a expansão de dispêndios públicos como suposta alavanca de crescimento econômico.
Hoje, tudo parece funcionar perfeitamente: a economia tem crescido, o governo não tem superavit fiscal, mas o déficit primário é pequeno, o desemprego e a inflação gradualmente se reduzem, esta última acossada pela política monetária do - felizmente - independente Banco Central.
Entretanto, podemos até ignorar a teoria econômica, mas ela jamais nos ignorará. A economia começa a dar sinais claros de desaceleração, e a dívida pública, igual. Em outubro estava a 78,6%, e prossegue em trajetória de alta, se aproximando perigosamente dos 80% do PIB.
Por seu turno, com o afrouxamento da governança, as empresas estatais passaram a apresentar costumeiras fissuras. O caso mais evidente é o dos Correios, cuja privatização foi discutida no governo passado sob forte oposição de militares que, lamentavelmente, acabaram prevalecendo. Os militares no Brasil são adversários ideológicos históricos da esquerda, porém, curiosamente, suas ideias se convergem na economia.
Durante o governo Bolsonaro, a privatização da Casa da Moeda do Brasil (CMB) também foi impedida por militares, que defenderam sua importância como empresa “estratégica”. O argumento, aliás, era incorreto: a CMB é uma gráfica que imprime papel pintado, aceito como moeda corrente, e produz selos e passaportes. Nada que uma empresa privada não possa fazer. Verdadeiramente estratégico é o Banco Central do Brasil, o guardião da moeda nacional.
Como era previsível, a CMB aparece citada no Relatório de Riscos Fiscais da União de novembro de 2025, entre as empresas a demandar capitalização. Da mesma forma, as companhias Docas, cuja privatização foi também alvo de oposição no governo passado, consta da lista de preocupações do Ministério da Fazenda.
Mesmo com a resistência de setores do governo passado, a Eletrobras (Axia), subsidiárias e ativos da Petrobras foram privatizados. No governo atual, a ideologia não permite sequer a discussão da venda de uma companhia.
Estatais possuem uma cultura especial, que implica elevados custos do pessoal, ausência de meritocracia e de incentivos para trabalhar com eficiência. Outra característica comportamental de funcionários públicos é a prática de buscar na Justiça a obtenção de ganhos do tipo dos “penduricalhos”, abundantes no Judiciário.
Não é então mero acaso que as finanças dos Correios estejam sufocadas por altos custos administrativos e considerável volume de pendências trabalhistas.
As operações dos Correios dependem fundamentalmente de serviços de logística, atividade que se transformou num setor dinâmico, com inovações e foco crescente em eficiência. Uma estatal não reúne condições para prosperar nesse ambiente, onde meritocracia e produtividade são ingredientes essenciais. Não é com menor número de funcionários e agências que será suprida essa importante carência.
Portanto, não será com um empréstimo de R$ 20 bilhões que se resolverá o problema dos Correios, estrutural, e não temporário. Serão apenas mais R$ 20 bilhões de dívida pública. A única solução viável para os Correios é a privatização. Nossa sugestão é que seja realizada através de uma oferta pública de ações, para criar uma companhia com o capital democratizado e bons padrões de governança, em condições de competir com os grandes players do mercado.
O moribundo serviço postal não se constitui em barreira à privatização, existindo várias maneiras de lidar com ele, inclusive via terceirização.
Angra 3 e Banco Master
Angra 3, um dos ativos da Eletronuclear, usina nuclear cuja construção foi iniciada em 1984, teve sua obra sido paralisada e reiniciada várias vezes. Trata-se de um zumbi que há tempos vaga pelas contas publicas. É estimado que somente a manutenção de seus equipamentos, baseados em tecnologia de meio século atrás na era pré-digital, custa R$ 1 bilhão por ano.
Não obstante os méritos da energia nuclear, estima-se que o custo da energia gerada por Angra 3 seja da ordem de R$ 700-800 por kwh, ou seja, extremamente elevado, cerca do dobro da geração por plantas hidrelétricas e maior do que outras fontes de energia.
Decisões econômicas consideram o futuro e não o passado. São prospectivas, não retrospectivas. O presente e o futuro são relevantes, o passado pertence à história.
Não fazer nada com Angra 3 já é um erro, insistir na continuidade da construção porque já se gastou muito será um desastre econômico semelhante ao do Concorde. Será mais barato encerrar o projeto do que insistir em sua continuação.
Finalmente, gostaríamos de abordar o caso do Banco Master. Apesar de privado, a derrocada dessa instituição financeira tem tudo a ver com entidades estatais, o BRB e fundos de pensão de estados e municípios, grandes parceiros para viabilizar o agressivo crescimento do banco.
A própria existência do BRB como banco estatal, décadas após a privatização da grande maioria dos bancos estaduais, é algo bastante questionável. Que benefícios trazem um banco estatal para o Brasil e sua capital Brasília?
A nosso ver, a privatização do BRB é medida óbvia que deve ser executada sem prejuízo das investigações do Banco Central e Polícia Federal, e eventuais processos judiciais.
É hora de expor à luz do sol o que tem sido mantido na escuridão. A administração das carteiras dos fundos de pensão de estados e municípios deve ser transferida obrigatoriamente para gestores privados sob regime de concorrência.
É lamentável, porém, estamos assistindo novamente à dilapidação de recursos da sociedade, repetindo um passado que só deixou más recordações. O Brasil tem que reagir.