"Apenas com liberdade podemos corrigir os abusos da liberdade"
Políticos tentam censurar a internet com texto da reforma política. Eugenio Bucci comenta o assunto
laizmartins1
Publicado em 6 de outubro de 2017 às 17h35.
O presidente Michel Temer decidiu vetar nesta sexta-feira a emenda que previa censura à internet inserida no projeto de reforma política. O texto, aprovado pela Câmara e pelo Senado, permitia que candidatos a cargos eletivos solicitassem aos provedores e plataformas, como Facebook e Twitter, a remoção de conteúdo que os mesmos considerassem impróprios, sem haver necessidade de decisão judicial.
A reação da sociedade civil e de entidades especializadas fez com que o redator do texto, deputado Áureo (SD-RJ), voltasse atrás na proposta.
Antes do veto de Temer, o Instituto Millenium conversou com o professor de comunicação da USP Eugênio Bucci sobre a questão que, para ele, representa uma clara ameaça à liberdade de expressão:
“O que aconteceu agora representa um mal muito grande na nossa cultura política. Em momentos como este, vemos com clareza ofuscante e triste o significado da expressão ‘legislar em causa própria’. É preciso explicar que isso é censura. Por trás dessa alegação de discurso de ódio e informação falsa, com as quais todo mundo concordaria, está uma tentativa de proteger os políticos que lá estão. É uma medida obscurantista que não pode prosperar”.
Bucci acrescenta que a disseminação de boatos e das chamadas “fake news” sempre esteve presente ao longo da história da sociedade, no entanto, os efeitos do cerceamento dessa liberdade, por meio de medidas que buscam um caminho de censura, quase sempre resultam em tragédias piores.
“Apenas com liberdade podemos corrigir os abusos da liberdade. Para impedir que as notícias falsas prosperem, dependemos de debates e atividades específicas das reportagens e redações profissionais para desmontar essas alegações mentirosas. A checagem permanente de fatos tem sido corrigida pela imprensa de qualidade e vem dado certo”, acrescentou o jornalista.
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A pesquisadora de políticas públicas Margaret Tse, ex-CEO do Instituto Liberdade, também é contra a emenda:
“Se a intenção era de impedir as agressões sem provas, a medida propiciará denúncias vazias por parte de militantes de partidos e políticos aéticos. Outro fator é que, como a proposta proíbe o uso de fakes, não existirá possibilidade para discutir e comentar a política ou fazer argumentação usando algum pseudônimo. Também ocorrerá a manipulação dos eleitores nas redes, especialmente no Facebook, onde uma das fontes de receita é a venda ou leilão de “likes”. Isso direcionaria a uma maior exposição e visibilidade dos candidatos mais privilegiados”, analisa.
Em artigo publicado nesta sexta-feira, o jornalista Helio Gurovitz também se manifestou contrário à emenda. “É certo o próprio candidato avaliar se uma informação é falsa ou ofensiva? Não há outra palavra para descrever isso: é censura, vetada pelo artigo 220 da Constituição”, escreveu.
Notas de repúdio
Mais cedo, a decisão do Congresso foi amplamente criticada pela opinião pública e entidades que defendem a liberdade de expressão. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou nota criticando o dispositivo. Segundo a Abraji, obrigar que o conteúdo seja suspenso em no máximo 24 horas até que o provedor se certifique da identificação pessoal do usuário que a publicou é uma ameaça ao regime democrático.
“O Brasil não vive o fantasma de práticas tão explícitas de censura desde o fim da ditadura militar. É factível imaginar dezenas de milhares de simpatizantes e apoiadores de uma candidatura denunciando todas as postagens dos partidários de outra. E vice-versa. Sites como o Facebook não teriam escolha senão suspender as postagens. O resultado seria um deserto informativo”, diz a nota.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) também consideraram censura a emenda. As entidades lembram que “o Marco Civil da Internet estabelece que, somente mediante decisão judicial, é possível essa suspensão ou retirada de informações e opiniões”. A nota divulgada condena o discurso de ódio e a disseminação de falsas informações, mas lembra que o “combate a esses males só pode acontecer dentro da legalidade”.
O presidente Michel Temer decidiu vetar nesta sexta-feira a emenda que previa censura à internet inserida no projeto de reforma política. O texto, aprovado pela Câmara e pelo Senado, permitia que candidatos a cargos eletivos solicitassem aos provedores e plataformas, como Facebook e Twitter, a remoção de conteúdo que os mesmos considerassem impróprios, sem haver necessidade de decisão judicial.
A reação da sociedade civil e de entidades especializadas fez com que o redator do texto, deputado Áureo (SD-RJ), voltasse atrás na proposta.
Antes do veto de Temer, o Instituto Millenium conversou com o professor de comunicação da USP Eugênio Bucci sobre a questão que, para ele, representa uma clara ameaça à liberdade de expressão:
“O que aconteceu agora representa um mal muito grande na nossa cultura política. Em momentos como este, vemos com clareza ofuscante e triste o significado da expressão ‘legislar em causa própria’. É preciso explicar que isso é censura. Por trás dessa alegação de discurso de ódio e informação falsa, com as quais todo mundo concordaria, está uma tentativa de proteger os políticos que lá estão. É uma medida obscurantista que não pode prosperar”.
Bucci acrescenta que a disseminação de boatos e das chamadas “fake news” sempre esteve presente ao longo da história da sociedade, no entanto, os efeitos do cerceamento dessa liberdade, por meio de medidas que buscam um caminho de censura, quase sempre resultam em tragédias piores.
“Apenas com liberdade podemos corrigir os abusos da liberdade. Para impedir que as notícias falsas prosperem, dependemos de debates e atividades específicas das reportagens e redações profissionais para desmontar essas alegações mentirosas. A checagem permanente de fatos tem sido corrigida pela imprensa de qualidade e vem dado certo”, acrescentou o jornalista.
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A pesquisadora de políticas públicas Margaret Tse, ex-CEO do Instituto Liberdade, também é contra a emenda:
“Se a intenção era de impedir as agressões sem provas, a medida propiciará denúncias vazias por parte de militantes de partidos e políticos aéticos. Outro fator é que, como a proposta proíbe o uso de fakes, não existirá possibilidade para discutir e comentar a política ou fazer argumentação usando algum pseudônimo. Também ocorrerá a manipulação dos eleitores nas redes, especialmente no Facebook, onde uma das fontes de receita é a venda ou leilão de “likes”. Isso direcionaria a uma maior exposição e visibilidade dos candidatos mais privilegiados”, analisa.
Em artigo publicado nesta sexta-feira, o jornalista Helio Gurovitz também se manifestou contrário à emenda. “É certo o próprio candidato avaliar se uma informação é falsa ou ofensiva? Não há outra palavra para descrever isso: é censura, vetada pelo artigo 220 da Constituição”, escreveu.
Notas de repúdio
Mais cedo, a decisão do Congresso foi amplamente criticada pela opinião pública e entidades que defendem a liberdade de expressão. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou nota criticando o dispositivo. Segundo a Abraji, obrigar que o conteúdo seja suspenso em no máximo 24 horas até que o provedor se certifique da identificação pessoal do usuário que a publicou é uma ameaça ao regime democrático.
“O Brasil não vive o fantasma de práticas tão explícitas de censura desde o fim da ditadura militar. É factível imaginar dezenas de milhares de simpatizantes e apoiadores de uma candidatura denunciando todas as postagens dos partidários de outra. E vice-versa. Sites como o Facebook não teriam escolha senão suspender as postagens. O resultado seria um deserto informativo”, diz a nota.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) também consideraram censura a emenda. As entidades lembram que “o Marco Civil da Internet estabelece que, somente mediante decisão judicial, é possível essa suspensão ou retirada de informações e opiniões”. A nota divulgada condena o discurso de ódio e a disseminação de falsas informações, mas lembra que o “combate a esses males só pode acontecer dentro da legalidade”.