''Acredito que educação política seja a solução'', afirma Ricardo Stella
Ricardo Stella, especialista em Direito Eleitoral, destaca a importância da educação política para um processo eleitoral mais transparente no Brasil
Instituto Millenium
Publicado em 27 de agosto de 2024 às 12h12.
A legislação eleitoral brasileira enfrenta desafios constantes para acompanhar a evolução do processo democrático e garantir igualdade de oportunidades para todos os candidatos. Apesar de regras rígidas, como a proibição de doações de pessoas jurídicas, e o estabelecimento de tetos de gastos, ainda há brechas que favorecem aqueles com maior poder econômico ou influência política. Além disso, o período de pré-campanha, menos regulamentado, torna-se terreno fértil para estratégias criativas que podem distorcer a equidade entre os concorrentes.
O Instituto Millenium entrevistou Ricardo Stella, advogado e especialista em Direito Eleitoral, que oferece uma análise profunda sobre as nuances desse cenário. Ele discute o impacto das regras atuais e sugere possíveis aprimoramentos na legislação para equilibrar as condições de disputa.
Com uma visão crítica, Stella destaca a importância da educação política e da regulamentação do período pré-campanha como pilares para um processo eleitoral mais justo e transparente no Brasil.
Instituto Millenium: Ricardo, para iniciarmos. A lei eleitoral visa prevenir o abuso de poder econômico e político durante as campanhas, mas ainda existem desigualdades, como no caso dos servidores públicos que recebem licença remunerada para se candidatar a cargos eletivos. Quais medidas poderiam ser implementadas ou reforçadas para assegurar que todos os candidatos, independentemente de partido ou influência, tenham condições de competir de maneira justa?
Ricardo Stella: Veja, na minha visão, inicialmente vale relembrar que não são só os funcionários públicos que supostamente têm essa vantagem, entendo que os que concorrem à reeleição também tem certa vantagem, assim como celebridades, pois já possuem notoriedade. A verdade é que as pessoas são diferentes, circulam por nichos diferentes e por óbvio ninguém é igual, e isso não necessariamente tem a ver com cargos públicos, o que leva a diferentes oportunidades. Voltando à questão da legislação, acredito que os avanços foram significativos ao longo do tempo, porém por óbvio uma melhor distribuição de recursos deveria ser implementada. Acredito que os tetos de gastos, ou seja o máximo que cada candidato pode gastar, já ajuda a limitar um pouco a força econômica, mas, sem dúvida, um maior diálogo em relação ao montante distribuído a título de fundo eleitoral, ou mesmo regras mínimas de distribuição, ou seja, cada candidato deverá receber no mínimo um cota estabelecida em lei para sua campanha, deveria ser colocada em pauta.
IM: Em sua opinião, as regras eleitorais atuais são suficientes para garantir a equidade entre os candidatos, ou ainda existem lacunas que beneficiam aqueles com maior acesso às cúpulas partidárias? A proibição das doações de pessoas jurídicas trouxe mais igualdade ao sistema de financiamento eleitoral, ou há efeitos colaterais que precisam ser revistos?
RS: As regras são bem rígidas e entendo que ajudaram a melhorar o ambiente político. Penso que a proibição de doações de pessoas jurídicas não trouxe mais igualdade não, ainda acredito que um sistema misto de doações de empresas e pessoas físicas juntamente com os recursos públicos possam ser a melhor saída nesse sentido. Existem efeitos colaterais sem dúvida, mas acredito que a educação política seja a grande resposta para esse anseio. Uma maior participação na vida partidária da população como um todo melhoraria muito esse contexto .
IM: O impulsionamento de conteúdo nas redes sociais durante as campanhas eleitorais tem gerado debates acalorados. Como equilibrar a liberdade de expressão e as estratégias econômicas com a necessidade de evitar que candidatos com maior poder financeiro distorçam o alcance de suas mensagens em comparação a seus adversários menos favorecidos economicamente?
RS: A Liberdade de expressão e mesmo as estratégias econômicas são limitadas a um regramento que está extremamente rígido no período eleitoral. Entendo que o curto período de campanha está bem regulamentado e resguardado o que vejo ser diferente no período de pré-campanha, que tem poucas regras definidas. Óbvio que pessoas com menor poder econômico têm menos oportunidades, porém vejo muitos casos onde a campanha gastou muito e não foi bem sucedida. Por incrível que pareça, não necessariamente gastar muito significa muito voto. Gastar certo sim. Volto a dizer que falta uma preparação dos candidatos ainda no período anterior a campanha.
IM: Embora as normas eleitorais brasileiras limitem a propaganda antes do início oficial da campanha, observamos o uso crescente de estratégias criativas para contornar essas restrições, especialmente online. Como a legislação pode evoluir para enfrentar essas novas realidades, garantindo que todos os candidatos tenham as mesmas oportunidades de comunicação com os eleitores?
RS: Esse é, no meu ponto de vista, o maior desafio em relação às campanhas. Hoje a campanha é feita muito fortemente no período da pré campanha. Que não é tão regulamentado. Primeiramente entendo que deveríamos adiantar o período de registro de candidatura, para termos a segurança de que quando começar o período eleitoral todos são de fato candidatos já deferidos e que podem concorrer tranquilamente. Entendo que uma revisão da legislação, em especial desse período que antecede o período de campanha, seja crucial para garantia de melhor exposição de todos os candidatos, criando até mesmo canais oficiais de divulgação, tanto dos partidos quanto dos candidatos.
IM: O senhor acredita que a legislação eleitoral no Brasil acompanha adequadamente a evolução do processo democrático e as mudanças na sociedade, ou estamos enfrentando um descompasso entre as normas legais e a prática política? Como o senhor avalia a adaptação das leis às novas formas de comunicação, como o uso massivo das redes sociais em comparação à relevância decrescente do rádio e da TV?
RS: Eu vejo que a legislação eleitoral acompanha dentro do possível, em minhas palestras e aulas eu brinco que o brasileiro tem que ser estudado pela NASA pela criatividade, porém a NASA não dá conta da criatividade do CANDIDATO brasileiro. Digo isso pois somos um povo extremamente criativo e é impossível que a legislação acompanhe simultaneamente tudo. Eu avalio de forma positiva porém entendo que devemos focar não tanto nos pequenos detalhes formais da campanha e sim na finalidade de trazer transparência e igualdade para as eleições. Entendo que a educação política da população como um todo é o único caminho. A maior participação popular, inclusive em questões de normas eleitorais, seria a única forma da legislação eleitoral acompanhar a prática política.
A legislação eleitoral brasileira enfrenta desafios constantes para acompanhar a evolução do processo democrático e garantir igualdade de oportunidades para todos os candidatos. Apesar de regras rígidas, como a proibição de doações de pessoas jurídicas, e o estabelecimento de tetos de gastos, ainda há brechas que favorecem aqueles com maior poder econômico ou influência política. Além disso, o período de pré-campanha, menos regulamentado, torna-se terreno fértil para estratégias criativas que podem distorcer a equidade entre os concorrentes.
O Instituto Millenium entrevistou Ricardo Stella, advogado e especialista em Direito Eleitoral, que oferece uma análise profunda sobre as nuances desse cenário. Ele discute o impacto das regras atuais e sugere possíveis aprimoramentos na legislação para equilibrar as condições de disputa.
Com uma visão crítica, Stella destaca a importância da educação política e da regulamentação do período pré-campanha como pilares para um processo eleitoral mais justo e transparente no Brasil.
Instituto Millenium: Ricardo, para iniciarmos. A lei eleitoral visa prevenir o abuso de poder econômico e político durante as campanhas, mas ainda existem desigualdades, como no caso dos servidores públicos que recebem licença remunerada para se candidatar a cargos eletivos. Quais medidas poderiam ser implementadas ou reforçadas para assegurar que todos os candidatos, independentemente de partido ou influência, tenham condições de competir de maneira justa?
Ricardo Stella: Veja, na minha visão, inicialmente vale relembrar que não são só os funcionários públicos que supostamente têm essa vantagem, entendo que os que concorrem à reeleição também tem certa vantagem, assim como celebridades, pois já possuem notoriedade. A verdade é que as pessoas são diferentes, circulam por nichos diferentes e por óbvio ninguém é igual, e isso não necessariamente tem a ver com cargos públicos, o que leva a diferentes oportunidades. Voltando à questão da legislação, acredito que os avanços foram significativos ao longo do tempo, porém por óbvio uma melhor distribuição de recursos deveria ser implementada. Acredito que os tetos de gastos, ou seja o máximo que cada candidato pode gastar, já ajuda a limitar um pouco a força econômica, mas, sem dúvida, um maior diálogo em relação ao montante distribuído a título de fundo eleitoral, ou mesmo regras mínimas de distribuição, ou seja, cada candidato deverá receber no mínimo um cota estabelecida em lei para sua campanha, deveria ser colocada em pauta.
IM: Em sua opinião, as regras eleitorais atuais são suficientes para garantir a equidade entre os candidatos, ou ainda existem lacunas que beneficiam aqueles com maior acesso às cúpulas partidárias? A proibição das doações de pessoas jurídicas trouxe mais igualdade ao sistema de financiamento eleitoral, ou há efeitos colaterais que precisam ser revistos?
RS: As regras são bem rígidas e entendo que ajudaram a melhorar o ambiente político. Penso que a proibição de doações de pessoas jurídicas não trouxe mais igualdade não, ainda acredito que um sistema misto de doações de empresas e pessoas físicas juntamente com os recursos públicos possam ser a melhor saída nesse sentido. Existem efeitos colaterais sem dúvida, mas acredito que a educação política seja a grande resposta para esse anseio. Uma maior participação na vida partidária da população como um todo melhoraria muito esse contexto .
IM: O impulsionamento de conteúdo nas redes sociais durante as campanhas eleitorais tem gerado debates acalorados. Como equilibrar a liberdade de expressão e as estratégias econômicas com a necessidade de evitar que candidatos com maior poder financeiro distorçam o alcance de suas mensagens em comparação a seus adversários menos favorecidos economicamente?
RS: A Liberdade de expressão e mesmo as estratégias econômicas são limitadas a um regramento que está extremamente rígido no período eleitoral. Entendo que o curto período de campanha está bem regulamentado e resguardado o que vejo ser diferente no período de pré-campanha, que tem poucas regras definidas. Óbvio que pessoas com menor poder econômico têm menos oportunidades, porém vejo muitos casos onde a campanha gastou muito e não foi bem sucedida. Por incrível que pareça, não necessariamente gastar muito significa muito voto. Gastar certo sim. Volto a dizer que falta uma preparação dos candidatos ainda no período anterior a campanha.
IM: Embora as normas eleitorais brasileiras limitem a propaganda antes do início oficial da campanha, observamos o uso crescente de estratégias criativas para contornar essas restrições, especialmente online. Como a legislação pode evoluir para enfrentar essas novas realidades, garantindo que todos os candidatos tenham as mesmas oportunidades de comunicação com os eleitores?
RS: Esse é, no meu ponto de vista, o maior desafio em relação às campanhas. Hoje a campanha é feita muito fortemente no período da pré campanha. Que não é tão regulamentado. Primeiramente entendo que deveríamos adiantar o período de registro de candidatura, para termos a segurança de que quando começar o período eleitoral todos são de fato candidatos já deferidos e que podem concorrer tranquilamente. Entendo que uma revisão da legislação, em especial desse período que antecede o período de campanha, seja crucial para garantia de melhor exposição de todos os candidatos, criando até mesmo canais oficiais de divulgação, tanto dos partidos quanto dos candidatos.
IM: O senhor acredita que a legislação eleitoral no Brasil acompanha adequadamente a evolução do processo democrático e as mudanças na sociedade, ou estamos enfrentando um descompasso entre as normas legais e a prática política? Como o senhor avalia a adaptação das leis às novas formas de comunicação, como o uso massivo das redes sociais em comparação à relevância decrescente do rádio e da TV?
RS: Eu vejo que a legislação eleitoral acompanha dentro do possível, em minhas palestras e aulas eu brinco que o brasileiro tem que ser estudado pela NASA pela criatividade, porém a NASA não dá conta da criatividade do CANDIDATO brasileiro. Digo isso pois somos um povo extremamente criativo e é impossível que a legislação acompanhe simultaneamente tudo. Eu avalio de forma positiva porém entendo que devemos focar não tanto nos pequenos detalhes formais da campanha e sim na finalidade de trazer transparência e igualdade para as eleições. Entendo que a educação política da população como um todo é o único caminho. A maior participação popular, inclusive em questões de normas eleitorais, seria a única forma da legislação eleitoral acompanhar a prática política.