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A voz do agro moderno: derrubando mitos sobre o agronegócio brasileiro

Instituto Millenium entrevista Camila Telles, influenciadora que luta contra as fake news sobre o agro brasileiro

Camila Telles: influenciadora faz vídeos sobre o agronegócio brasileiro (Camila Telles/Reprodução)
Camila Telles: influenciadora faz vídeos sobre o agronegócio brasileiro (Camila Telles/Reprodução)

Na mais recente edição do Millenium Talks, realizada dia 25 de outubro pelo Instituto Millenium e em parceria com a Liga Agro do Ibmec, duas grandes referências do agro brasileira, Camila Telles e Maria Stella Damha, discutiram o papel e desafios do setor. O evento ocorreu no Auditório do Ibmec-SP, campus Paulista. No próximo dia 9, ela estará no evento Brasil, Acesso Liberado, do Líderes do Amanhã. Para se inscrever, acesse este link.

Camila Telles, conhecida como uma agroinfluencer que luta contra as fake news sobre o agro brasileiro, compartilhou conosco sua avaliação sobre os desafios do setor. Formada em Relações Públicas, Camila é uma voz reconhecida do agronegócio e suas redes sociais são referência para muitos, tornando-a uma das principais influenciadoras do segmento.

Nesta entrevista, o Instituto Millenium abordou temas como desinformação, ideologia, cultura e a relação entre Estado e mercado. Camila destacou a importância da comunicação eficaz e da integração entre iniciativa privada e apoio estatal para o desenvolvimento contínuo do setor. Também enfatizou a necessidade de combater equívocos e de valorizar a verdadeira essência do agro brasileiro. Confira!

Instituto Millenium (IM): Camila, a sua jornada de desmistificação sobre o agro nas redes sociais foi impulsionada ao perceber a desinformação que circulava no Brasil. De onde você acredita que surge essa desinformação? Por que há tanta predisposição negativa em relação ao setor? Na sua opinião, quais são os principais desafios e soluções para mudar essa visão distorcida e melhorar a percepção pública?

Camila Telles (CT): Acredito que a origem dessa desinformação no agronegócio surge muito por uma questão ideológica. Há quem veja o agronegócio como algo negativo e, por exemplo, a agricultura familiar como algo positivo, sendo que esta também faz parte do agronegócio. As pessoas têm dificuldade de entender que o agro é uma cadeia produtiva que envolve diversos segmentos, antes, durante e após a produção. Existe essa desinformação porque o setor ficou em silêncio por muito tempo. Em apenas 40 anos, o agro brasileiro foi de importador a exportador de alimentos, tornando-se uma potência mundial. Desenvolvemos muitas tecnologias e inovações, mas esquecemos de comunicar bem. E com a ascensão das redes sociais, muitos influenciadores adotam discursos ativistas baseados em informações incorretas e disseminam mitos, como o leite sendo pus ou que a Amazônia está sendo destruída pelo agro. Minha missão é rebater esses mitos e mostrar que o agro possui profissionais responsáveis que se dedicam ao meio ambiente. O produtor rural, por exemplo, é um dos maiores ambientalistas do Brasil.

IM: Você acredita que existe uma predisposição ideológica contra o agro simplesmente porque ele é bem-sucedido? Ou seria por uma questão eleitoral?

CT: Muitas vezes o agronegócio foi associado à oposição à esquerda, por diversos motivos, incluindo questões de segurança rural. Temos problemas com movimentos como o MST, que promove invasões de terras. O agro, em grande parte, apoiou o presidente Bolsonaro na última eleição. Mas vale destacar que grandes produtores, até mesmo os maiores, também apoiaram o Lula. Acredito que o que vemos é uma radicalização ideológica nas redes sociais, mais do que uma postura alinhada com a realidade. O agro vai além da política e da ideologia. Independente do governo, continuaremos produzindo, pois as pessoas precisam comer.

IM: E sobre a relação entre influência econômica e cultural do agro. O desenvolvimento do setor tem contribuído para a economia e para a ascensão de novas classes médias, especialmente no Centro-Oeste. Há também uma crescente influência cultural, como a música sertaneja nas rádios e jovens dessa elite estudando nas grandes cidades. Como você vê essa relação entre economia, cultura e agro?

CT: É evidente que nas regiões onde o agro é mais desenvolvido, há um crescimento econômico. Nessas áreas, as pessoas têm acesso a empregos dignos, estabelecem suas famílias, adquirem suas casas e veículos, e muitos prosseguem para o ensino superior. O agro incentiva muito essa evolução, especialmente pelos grandes produtores nas regiões Centro-Sul e Sudeste.

As críticas ao agro colocaram o setor em evidência. Há aquele ditado: "fale bem ou fale mal, mas fale de mim". E o agro, por sua relevância, passou a ser mais discutido e observado. Quando falamos de sertanejo, considero que essa música é a raiz do Brasil. A música sertaneja reflete a história do nosso país, a produção de alimentos e a vida no campo. É fundamental valorizar isso. Artistas como Ana Castella trazem essa essência, e é importante que o agro esteja presente em diversos ambientes culturais.

A influência do sertanejo é tão grande que artistas internacionais, como Bruno Mars, incorporaram clássicos sertanejos, como "Evidências", em seus shows. É uma demonstração do poder dessa música em nosso país.

A imagem estereotipada do "agroboy" ou a representação distorcida do agro em novelas não condiz com a realidade. O agro não é perfeito, mas também não é como muitos pintam. Prova disso são regiões como Sorriso e Sinop, em Mato Grosso, que prosperaram com o avanço do agro.

A história do agricultor brasileiro e os desafios que enfrenta merecem ser mais contadas em filmes, séries e novelas. O Brasil é visto lá fora como o país do futebol, carnaval, entre outras coisas, mas muitos esquecem da nossa essência: a produção de alimentos. Somos uma potência agrícola. Não exportamos apenas soja ou carne; somos o maior exportador de suco de laranja do mundo. Cada bioma brasileiro tem seu próprio conjunto de desafios e riquezas, e isso precisa ser mais valorizado e contado.

As novas gerações devem ouvir e valorizar as histórias dos que vieram antes, aqueles que construíram o setor com muito esforço e dedicação. A desinformação é um problema, e é essencial combater equívocos sobre o setor.

IM: No contexto da relação entre Estado e mercado, seu trabalho destaca dados oriundos de instituições renomadas, como a Embrapa. Todos nós reconhecemos que a trajetória vitoriosa do agro-brasileiro é fruto dessa harmonia entre a iniciativa privada e o apoio estatal. Em sua visão, como podemos aprimorar ainda mais essa sinergia entre o setor público e o privado?

CT: De fato, essa relação precisa de um aprimoramento contínuo. Durante minhas visitas à Embrapa, por exemplo, deparei-me com diversos pesquisadores cujos trabalhos promissores foram interrompidos por falta de recursos. Essa é uma realidade que não podemos aceitar, sobretudo em centros de pesquisa da envergadura da Embrapa. Nesse cenário, vejo que o papel do governo é fundamental para incentivar e apoiar mais ainda. Muitas vezes sugiro: ao invés de direcionar investimentos apenas para ONGs, por que não fortalecer ainda mais a Embrapa e outros centros de pesquisa? É de lá que surgem soluções para muitos dos desafios que enfrentamos. E, claro, o setor privado, sobretudo o agronegócio, tem mostrado sua proatividade, com produtores buscando soluções inovadoras, criando até startups para otimizar a gestão de suas fazendas. É essencial ampliar os incentivos, pois a pesquisa e a ciência são pilares. Além disso, muitos jovens, mesmo fora do setor, enxergam o agro como uma oportunidade valiosa, e isso é extremamente positivo.

IM: Ao discutir sobre o agro e a atual agenda climática, vemos que o agro moderno tem evidenciado que é viável harmonizar produção agrícola com sustentabilidade. Contudo, percebe-se que o setor enfrenta críticas recorrentes quando o tema é meio ambiente. Como podemos valorizar mais o agro moderno e desfazer certas concepções equivocadas?

CT: É um desafio imenso. Confrontar grandes veículos de mídia, que por vezes têm uma postura crítica, não é tarefa simples. Mas vejo que a solução está em levar a informação diretamente às bases: escolas, universidades e por meio de eventos informativos como o que temos aqui. Os jovens, sobretudo, necessitam de uma visão ampla. Ao terem contato apenas com um lado da história, sua percepção fica limitada. Precisamos apresentar a outra face, o agro que é sustentável e comprometido. Afinal, o agronegócio brasileiro está muito distante de ser o vilão que alguns pintam. Pelo contrário, é parte da solução. A sustentabilidade, por exemplo, é uma pauta antiga no setor. E com as atuais tecnologias, podemos produzir mais, preservando o meio ambiente. Se conseguíssemos trazer esses jovens para vivenciar um dia em uma fazenda, estou certa de que muitos teriam suas perspectivas transformadas.

IM: Em uma recente visita à Alemanha, você abordou o quão próxima está a agricultura do futuro. Na sua avaliação, quais inovações têm o potencial de revolucionar o agro brasileiro nos próximos anos?

CT: Quando abordamos inovação e tecnologia, a imagem que muitos têm é de robôs e processos automatizados. E, sim, eles já são realidade no agro, com drones, softwares avançados e práticas de agricultura de precisão. Porém, desejo ressaltar um ponto crucial: não teremos evolução tecnológica sem profissionais qualificados. Por trás de cada inovação, há pessoas. E o agro brasileiro clama por mão de obra especializada. Precisamos desfazer o mito de que trabalhar no agro é sinônimo de trabalho braçal sob o sol. Estamos falando de um dos setores mais tecnológicos do planeta. E temos tecnologia desenvolvida aqui sendo aplicada no exterior. O grande questionamento é: por que muitos de nossos jovens não percebem esse potencial? Temos tantas oportunidades e possibilidades no Brasil! Precisamos atraí-los, mostrando que o agro é, sem dúvida, um dos setores que mais demanda por profissionais qualificados e inovação.