O custo de vida no Brasil está atrelado ao comportamento do dólar, em função dos produtos que o país importa e exporta. (Ricardo Moraes/Reuters)
Colunista
Publicado em 4 de dezembro de 2025 às 21h03.
Há algum tempo, enquanto navegava pelo feed de notícias do meu smartphone, deparei-me com uma matéria de título, no mínimo, instigante em um desses portais de negócios: “Stealthy Wealthy”, que chamaremos aqui de “Riqueza Silenciosa”. A reportagem revelava que, no chamado topo da pirâmide de riqueza nacional americana, os donos das empresas com atividades consideradas "boring" (negócios "tediosos”), termo usualmente empregado para se referir a empresas de médio porte, como lavanderias, lojas de conveniência e escritórios de contabilidade, entre outros, na verdade, ocupam a maioria das posições de destaque. Essa foi a constatação dos economistas Owen Zidar e Eric Zwick, acadêmicos de Princeton e Chicago, respectivamente.
A título de esclarecimento, os autores definiram que, para integrar o 0,1% do topo da pirâmide de renda, seria necessário auferir, em 2022, pelo menos US$ 2,3 milhões anuais. A pesquisa, que examinou microdados tributários e de renda entre 2000 e 2022, revelou que esses empreendedores, que vivem dos lucros e dividendos de negócios geralmente invisíveis ao radar dos grandes conglomerados e das mídias especializadas, possuem empresas com faturamento médio de cerca de US$ 20 milhões por ano e empregam, em média, 100 funcionários.
Ao fim e ao cabo, a principal conclusão do artigo é que a maior parte dos milionários americanos são empreendedores de cidades do interior, que prosperam por meio da engenhosidade, resiliência e determinação ao buscarem abrir seus próprios negócios. Em si, o estudo é apenas uma corroboração natural daquilo que nós, liberais, compreendemos desde os tempos da própria formulação do campo das ciências econômicas. Para nós, é a condição natural do esforço daqueles que optam por arriscar, inovar, criar, crescer e expandir, sendo a riqueza gerada o seu resultado natural.
No entanto, parece curiosa a reação de surpresa que a matéria sugere com os resultados que, por óbvio, não seriam difíceis de inferir. Em uma nação predominantemente empreendedora por natureza, institucionalmente sólida, com regras jurídicas e tributárias claras, existem os incentivos corretos para fomentar a abertura de novos negócios que não sejam motivados pela necessidade de subsistência. O desenvolvimento ocorre sem sobressaltos de origem governamental que poderiam inviabilizar o crescimento dessas empresas. Em última análise, é uma questão de incentivos corretos que, moldados ao longo de mais de 250 anos, desde antes da independência americana e do compromisso constitucional formulado pelos pais fundadores, permeiam a mentalidade americana.
Mas, como não poderia deixar de ser, em determinado momento, o entrevistador do portal, no contexto das conclusões do estudo, questiona acerca das implicações do trabalho acadêmico para as políticas públicas de distribuição de renda, e a resposta dos economistas surpreendeu o próprio interlocutor. Os economistas não sugerem dificultar a vida dos mais ricos, mas sim incentivar que haja mais empreendedores e mais competição, em mercados onde hoje há barreiras regulatórias e reservas de mercado.
Imagino que dentro do mundo acadêmico, a surpresa por esse tipo de resposta seja compreensível. Ainda mais curioso seria imaginar se viesse por parte de acadêmicos em território brasileiro. No entanto, assim como ainda não há pesquisas semelhantes aplicadas ao contexto do brasileiro, é de se supor que dada as discrepâncias institucionais entre as nações, a burocracia sufocante, o manicômio tributário, o nível de escolaridade baixo e o gigantismo estatal que acaba por se retroalimentar dessas mazelas, não poderíamos esperar um resultado elevado semelhante. No Brasil, o empreendedor que é bem-sucedido, é bem-sucedido apesar do Custo Brasil.
De acordo com o Movimento Brasil Competitivo (MBC), instituição dedicada a fortalecer a competitividade do país, essa expressão se refere ao conjunto de barreiras estruturais, entraves burocráticos e distorções econômicas que encarecem significativamente a operação das empresas. Esses obstáculos comprometem diretamente o dinamismo do ambiente de negócios, tornando o ato de empreender e expandir atividades muito mais oneroso e complexo do que em economias desenvolvidas. Segundo estimativas divulgadas pelo próprio MBC, produzir e operar no território brasileiro custa R$ 1,7 trilhão a mais por ano em comparação aos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Se, por um lado, é alentador depararmo-nos com dados que confirmam que existem sociedades onde a livre iniciativa é, de fato, livre para criar e prosperar, por outro, é inevitável a sensação de impotência diante dos inúmeros obstáculos que precisamos superar para simplesmente sobreviver como empreendedores no Brasil. Não deveria ser natural que, ao elaborar um plano de negócios, calcular o retorno de um investimento ou precificar um ativo, sejamos obrigados a incorporar o Custo Brasil como se fosse um elemento intrínseco à atividade econômica. Trata-se de uma discussão que precisa ser enfrentada com a seriedade necessária, envolvendo atores relevantes das esferas pública e privada, a fim de buscarmos soluções efetivas para um problema que, lamentavelmente, insiste em impedir que o país realize seu verdadeiro potencial de desenvolvimento. Afinal, também não deveria ser surpresa que, por estas terras tropicais, tivéssemos a nossa própria versão de uma Stealthy Wealthy.