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A reforma tributária e a carne na cesta básica: bom para os ricos

O argumento de que desonerar a cesta básica é bom para o pobre não é verdade; entenda

 (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
(Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Interessante notar como o Brasil, um país de elevada desigualdade social, está sempre atento em como piorar ainda mais a sua distribuição de renda, implementando políticas que, comprovadamente, não fazem sentido para tornar uma sociedade mais justa. É o caso da atual discussão no Congresso Nacional acerca da inclusão da carne na cesta básica no PLP 108/2024, um dos projetos que regulamenta a EC 132 (reforma tributária do consumo). 

Se o objetivo da inclusão é privilegiar as classes ricas do país, então o caminho está correto, pois são os maiores consumidores de carne. Se a meta, por sua vez, é proteger o orçamento do mais vulnerável, é uma medida completamente equivocada. 

Em primeiro lugar, vale explicar (mais uma vez) o que é o cashback no âmbito da reforma tributária, que, até meados de 2023, era uma palavra desconhecida pela maior parte da sociedade e dos congressistas. Chama-se cashback, no contexto tributário, a devolução do imposto pago em uma dada compra pela população mais pobre. Esta política é adotada em diversos países e, também, no Rio Grande do Sul, com sucesso. O cashback está presente na EC 132, e o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal seria a fonte para a escolha daqueles que seriam beneficiados pela política da devolução do imposto, como ocorre com o Bolsa Família. 

No Uruguai, por exemplo, devolve-se o imposto quando o indivíduo faz a sua compra e apresenta o seu número de identificação (tipo CPF). Há outras formas de devolução do imposto ao consumidor, mas esta é interessante, pois incentiva a formalização dos estabelecimentos, ao ter que emitir nota fiscal (eletrônica) para que o comprador possa ser ressarcido do imposto pago. Isso gera uma concorrência mais justa com aqueles que pagam corretamente o seu imposto. 

Após amplo processo de explicações e convencimento sobre o cashback – o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chamaria de “pedagogia democrática” –, o que antes era um tema estranho passou a ser percebido como um excelente mecanismo para trazer maior justiça social sobre um tributo de natureza regressiva, em que ricos e pobres pagam o mesmo percentual do tributo. 

Aqueles que seguem defendendo a cesta básica como uma política para aliviar o bolso do pobre – majoritariamente os lobistas de plantão – sabem que parte do imposto não pago pelo empresário vira lucro para ele próprio. Isto quer dizer que uma política que deveria ser exclusivamente “social” é “socializada” com todos, inclusive com os próprios empresários. Por isso observa-se uma defesa efusiva por parte deles. 

O ideal, por sua vez, seria onerar todos os bens e serviços (B&S), não contemplar nenhuma exceção (nem para a cesta básica), ter uma alíquota média baixa para todos (ao redor de 20% ou até menor), inclusive para o mais pobre, e inserir o mecanismo do cashback para a população mais vulnerável, seja sobre uma determinada cesta de alimentos e produtos de limpeza, seja sobre o consumo de utilities (saneamento, energia elétrica e telecom). 

Vale dizer que o Banco Mundial publicou um documento, didático e educativo, avaliando a política da cesta básica x cashback e ainda elaborou um simulador, mostrando que, quando mais exceções – no caso, adicionando mais B&S na cesta básica –, maior é a alíquota média paga para todos, inclusive para os menos afortunados, sendo, assim, um sistema muito mais injusto para estes. 

O argumento de que desonerar a cesta básica é bom para o pobre é falso. Ainda que ele pague menos imposto (ou zero) em um determinado bem, a alíquota média do IVA, que incidirá sobre todos os demais B&S não isentos que estão presentes na sua cesta de consumo, será maior. O Banco Mundial mostrou este fato no estudo mencionado acima. Desonerar, destarte, favorece o rico, que consome proporcionalmente mais do que o pobre e que podia estar pagando imposto cheio, ajudando a ter mais receitas para a devolução via cashback para o pobre. 

Alguns seguem sendo contra o cashback, mecanismo que matematicamente favorece os pobres. É, assim, um fato incontroverso. Uns, porque são os vendedores ou consultores (advogados/contadores/economistas) dos vendedores daqueles B&S; outros, todavia, provavelmente porque querem ver a reforma dar errado. O que não é possível alegar atualmente é incompreensão sobre os benefícios do cashback como uma boa política para os pobres, que terá o imposto pago devolvido e ainda se defrontará com uma alíquota média menor. 

Parlamentares, sabe-se que ignorar os lobbies é uma árdua tarefa, mas os pobres pedem a sua ajuda. Que tenhamos um país menos desigual e mais justo.