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A reforma da Lei de Falências e Recuperação de Empresas

Considerando que “a política é a arte do possível” – na célebre frase atribuída a Otto von Bismarck –, a reforma parece boa

É preciso enaltecer quatro relevantes pontos da reforma, inéditos no Brasil e que devem melhorar o ambiente de negócios (Jirapong Manustrong/ Getty Images/Divulgação)
É preciso enaltecer quatro relevantes pontos da reforma, inéditos no Brasil e que devem melhorar o ambiente de negócios (Jirapong Manustrong/ Getty Images/Divulgação)
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Instituto Millenium

Publicado em 18 de junho de 2021 às, 13h13.

Por Bruno Valladão

A tentativa e erro é inerente ao livre mercado e seu incentivo é fundamental para geração de riquezas na sociedade. No Brasil, a lei que trata das relações entre o devedor empresário insolvente e seus credores é a 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação de Empresas, “LFRE”), significativamente reformada pela lei nº 14.112/2020, que entrou em vigor em janeiro deste ano.

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Por um lado, a reforma: (i) trouxe a polêmica possibilidade de o Fisco pedir a falência da sociedade empresária em recuperação judicial que deixar de honrar com o parcelamento ou transação tributária (um absurdo, dado que o Fisco já possui uma série de instrumentos diretos e indiretos de cobrança, sem mencionar o tamanho da carga); (ii) institui a possibilidade de o devedor tentar acordo em mediação prévia à recuperação judicial com seus maiores credores (o que, se virar moda, atrasará ainda mais o tempo do processo de recuperação judicial, ao invés de se conseguir, de fato, solucionar o problema do devedor nessas mediações); (iii) e inseriu alguns artigos que suscitarão debate para se ter clareza sobre seu conteúdo (nada excepcional em se tratando de Brasil).

Por outro lado, é preciso enaltecer quatro relevantes pontos da reforma, inéditos no Brasil e que devem melhorar o ambiente de negócios.

O primeiro é a regulação da insolvência transnacional, incorporando regras semelhantes a de países desenvolvidos. Em síntese, permitem, que, numa falência ou recuperação de uma sociedade empresária multinacional, o juiz da cidade do país em que esteja seu principal centro de interesses seja o único a decidir sobre as medidas de renegociação das dívidas e dos pagamentos aos credores, agindo em coordenação com os demais juízes do planeta dos locais em que essa multinacional tenha negócios, para que estes limitam-se a executar as ordens do juiz principal e comuniquem-se de maneira célere. Assim, em casos como o da Oi, cuja sede administrativa é o Rio de Janeiro/RJ e que emitiu títulos na Holanda, o juiz holandês atuaria em coordenação com o carioca e não proferiria decisões conflitantes com as dele (por exemplo, decretando a falência na Holanda enquanto a recuperação judicial fosse concedida no Brasil).

O segundo tema é a aceleração de venda de bens do falido. A histórica lentidão, decorrente de regras rígidas e de excessivos atos até que se conseguisse finalmente liquidar o bem, parece estar com os dias contados. Agora, há flexibilidade até para se criar um planejamento de procedimento caso a caso, a ser autorizado pelo juiz, cuja prioridade é vender os bens, mesmo que se corra o risco de arrecadar-se um pouco menos do que se arrecadaria se se seguisse os atos costumeiros para os leilões.

O terceiro é a redução do prazo do fim das obrigações do falido. Antes, o empresário individual e, dependendo da interpretação da obscura lei, os sócios e administradores somente poderiam voltar a ser sócios e diretores de sociedades empresárias basicamente em, no mínimo, 5 anos do encerramento do moroso processo de falência, o que lhes dava um castigo de mais de década, na prática – algo completamente desestimulante do empreendedorismo. Agora, o limite é de 3 anos do início do processo de falência.

Por fim, a quarta boa novidade é a regulação do financiamento ao devedor em recuperação judicial (“dip financing”). Antes, sequer havia regras, então, cada caso era decidido de um modo: desde o juiz simplesmente autorizar, até a realização de assembleia de credores para deliberar sobre o financiamento, causando insegurança jurídica aos envolvidos. Além disso, caso a falência viesse a ser decretada, o emprestador ocuparia uma posição na fila de pagamentos que dificilmente lhe permitirá receber algo. Agora, além de o financiamento conter regras e procedimentos claros (óbvio que não são perfeitos, porém, parecem satisfatórios), o emprestador ocupa posição privilegiada na fila da falência, fatores esses que estimularão o recebimento de dinheiro novo e imediato às recuperandas, algo fundamental para o sucesso de reestruturações.

Considerando que “a política é a arte do possível” – na célebre frase atribuída a Otto von Bismarck –, a reforma parece boa. Resta, agora, torcer para que o mínimo de malabarismos interpretativos seja realizado e o que está escrito na lei seja aplicado e obedecido, afinal, um dos aspectos mais importantes para qualquer mercado é o da existência de regras claras – mesmo que não sejam perfeitas – para que se consiga prever e investir.

Bruno Valladão é bacharel em Direito pela PUC-Rio e mestre em Direito Comercial pela PUC-SP. Sócio do escritório de advocacia Motta Fernandes Advogados, nas áreas de Insolvência e Contencioso Empresarial. Professor de Falência e Recuperação de Empresas, e de Títulos de Crédito, da pós-graduação lato sensu da PUC-Rio. Autor de artigos sobre Direito Falimentar, publicados em jornal