A receita da ilusão
Governo tem tentado equilibrar o orçamento de 2024 utilizando várias fontes de receita
Publicado em 25 de setembro de 2024 às, 16h32.
Imagine o governo como uma criança indisciplinada, com uma vontade incontrolável de gastar. E, claro, como toda criança, não esperamos que pensem muito nas consequências: a ideia é manter a aquisição de brinquedos a todo vapor, mesmo que depois a mesada – ou melhor, o orçamento – acabe ficando no vermelho. Só que, assim como toda criança esperta, ele já quebrou vários porquinhos para sustentar seus gastos. De repente, não há mais tantos porquinhos assim no armário, mas ela segue correndo pela casa à procura de um novo cofrinho cheio de moedas. Talvez aquele esquecido na prateleira, ou quem sabe até um que pertencia ao irmão mais velho, que foi embora e nem se lembra mais daquele dinheiro.
Assim como essa criança indisciplinada, o governo tem tentado equilibrar o orçamento de 2024 utilizando várias fontes de receita. Contudo, algumas receitas administradas pela Receita Federal caíram, em relação à última previsão, principalmente por conta de expectativas frustradas na recuperação de créditos tributários em litígio, especialmente aqueles ligados ao Voto de Qualidade no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). O governo contava com a recuperação desses créditos para impulsionar sua arrecadação, mas os resultados ficaram abaixo do esperado, impactando a previsão orçamentária. Para surpresa total de zero pessoas que entendem minimamente como o Conselho funciona.
Dar uma roupagem arrecadatória a um conselho técnico, além de temerário, é fiscalmente irresponsável. O governo estimava arrecadar 37 bilhões de reais apenas em 2024 e conseguiu menos de 1 bilhão de reais. Óbvio. Em um cenário de incerteza econômica, muitas empresas preferiram continuar as discussões na esfera judicial a aderir, neste momento, às propagadas vantagens que, sejamos sinceros, nem são tão vantajosas assim. A situação ficou de tal forma distópica, que o Tribunal de Contas da União (TCU) terminou por alertar o governo sobre o risco de não cumprir a meta fiscal este ano devido à possível frustração destas receitas esperadas com o CARF. O TCU entendeu, corretamente, que a previsão destas receitas estaria otimista demais.
Diante do fiasco concretizado, durante a apresentação do último relatório bimestral, a equipe econômica reduziu as estimativas de arrecadação com o CARF praticamente a zero, sob o argumento de tratar-se de posição conservadora. Mas nem isso parece corresponder à realidade.
Se para 2024 o governo desistiu das receitas do CARF, para o projeto de lei que estima a receita e fixa a despesa da União (PLOA) para 2025, o mesmo Conselho aparece novamente com um papel importantíssimo na persecução das receitas necessárias para zerar o déficit fiscal. Dos R$166,2 bilhões de receitas extraordinárias estimadas, o CARF responde por R$28,5 bilhões apenas através do voto de qualidade favorável ao governo nos processos administrativos. Ao estipular isso no PLOA, o governo parece, mais uma vez, encarar demandas administrativas e discussões tecnicamente densas como uma simples fonte de arrecadação, ignorando fatores básicos como, por exemplo, a simples falta de interesse que as empresas possam ter em encerrar a demanda ainda na fase administrativa. As contas do país seguem sendo fechadas apenas no campo ilusório das receitas que podem nunca se concretizar.
Manter as contas públicas equilibradas é fundamental para garantir a estabilidade econômica de um país. Quando o governo gasta de forma sustentável, ele consegue reduzir o risco de inflação, evitar o aumento excessivo da dívida pública e preservar a confiança dos investidores. Além disso, uma correta estimativa das receitas é essencial para planejar políticas públicas e investimentos. Quando as previsões de arrecadação são superestimadas, o governo pode enfrentar déficits maiores que o esperado, forçando cortes bruscos em áreas essenciais ou aumentando tributos, o que pode prejudicar o crescimento econômico e o bem-estar social. Por isso, a precisão nas projeções e o equilíbrio nas contas são pilares de uma gestão fiscal responsável.
Assim como uma criança que, empolgada, vai quebrando seus porquinhos para obter moedas e gastar em brinquedos, mas logo se dá conta de que não restam mais porquinhos intactos, um governo que preza apenas pela sanha arrecadatória invariavelmente se encontrará na posição de não conseguir mais operar milagres nas receitas extraordinárias. Ao não encontrar mais os tais porquinhos intactos que sustentem seus gastos desenfreados, o equilibro das contas públicas passa a ser questionado e, com ele, a seriedade com que o país encara o cenário econômico. Ancorar quase 20% das receitas extraordinárias previstas para o ano que vem a um evento incerto e que ainda depende da anuência e - por que não? – da boa vontade das empresas, parece ser mais um daqueles cantos da sereia que ninguém acredita mais. E com todos os motivos para isso.