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A produtividade total dos fatores e a falta de eficácia governamental

O leitor acostumado com debates sobre a economia brasileira já deve ter ouvido falar do tema

Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro: prosperidade de uma sociedade é função de sua capacidade produtiva e esta é obtida por meio do uso eficaz dos insumos na produção da riqueza de um país (FLORIAN PLAUCHEUR/AFP/Getty Images)
Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro: prosperidade de uma sociedade é função de sua capacidade produtiva e esta é obtida por meio do uso eficaz dos insumos na produção da riqueza de um país (FLORIAN PLAUCHEUR/AFP/Getty Images)

A prosperidade de uma sociedade é função de sua capacidade produtiva e esta é obtida por meio do uso eficaz dos insumos na produção da riqueza de um país. Por sua vez, o uso mais ou menos eficaz dos insumos é, pelo menos em parte, determinado pela qualidade das instituições da sociedade, o que inclui, obviamente, seu governo. Governos ágeis (menos hesitocráticos) potencializam as forças produtivas da sociedade.  

Esta teoria pode, no espaço de uma coluna, ser ilustrada com alguns dados. Um conceito útil, para esta discussão é a Produtividade Total dos Fatores (PTF). A PTF mede o quão eficiente é o uso dos insumos na produção. Nos dados usados aqui, que cobrem o período 1954-2019, a PTF brasileira é comparada com a produtividade norte-americana (que representa a chamada ‘fronteira tecnológica’). Assim, valores mais próximos de 1 (um) significam que o Brasil se aproximou dos EUA e valores próximos de 0 (zero), o oposto. Os dados são oriundos da base de dados Penn World Tables 10.1, mantida e atualizada pelo Groningen Growth and Development Centre.  

O leitor acostumado com debates sobre a economia brasileira já deve ter ouvido falar do tema. Existem duas medidas de PTF. A tradicional e a ajustada para o bem-estar. Na Figura 1 a seguir, elas estão representadas, respectivamente, como uma linha cheia em cor laranja e outra, pontilhada, em cor verde. É fácil ver que ambas têm, de modo geral, a mesma trajetória e portanto vou tratá-las indistintamente. 

O que o gráfico da Figura 1 mostra? Percebe-se um avanço da PTF de meados dos anos 50 até os anos 70 quando, então, a tendência se reverte para uma trajetória de queda até 1992. Em seguida, há um aumento marcante, mas de fôlego curto, da PTF de 1993 a 1996 com posterior retorno à trajetória de queda. Conclusão? O Brasil chega em 2019 com, basicamente, o mesmo nível de PTF de 1954! 

Pode-se argumentar, a favor deste lamentável desempenho, que a economia brasileira sofreu choques externos (choque do petróleo de 1973, de 1979, crise de 2008 etc.), mas o fato é que outros países se saíram melhor do que nós no mesmo período.  

Uma possível interpretação deste gráfico é a de que planos ambiciosos, mas nem sempre consistentes com a saúde fiscal e a manutenção do poder de compra da moeda nacional podem até iludir os pagadores de impostos (a.k.a. cidadãos-eleitores) por um tempo, mas a conta vem no longo prazo.  

Outra interpretação muito divulgada, mas errada, é a de que um suposto ‘neoliberalismo’ (ou mesmo de um ‘liberalismo clássico’) seria o ‘culpado’ pelo pífio desempenho da PTF brasileira. Entretanto, a história mostra que políticas liberais nunca foram implementadas no país sem o acompanhamento de (muitas) políticas (bem) intervencionistas. O leitor pode fazer um exercício simples: elaborar uma lista de políticas públicas (econômicas ou não) para verificar um alto grau de intervenção governamental neste longo período. Sim, a figura que emerge é bem menos simples do que sugerem os argumentos populares, barulhentos, mas pouco científicos que se vê em redes sociais. 

Uma outra forma de se analisar a evolução da PTF é pensar em sua relação com a eficácia do governo. Como sabemos, governos podem potencializar ou destruir a prosperidade de uma nação. Infelizmente, não há dados para um índice de eficácia governamental desde 1954, mas podemos prosseguir com a análise usando o Government Effectiveness Index (Índice de Efetividade Governamental (IEG)) do Banco Mundial, medido regularmente desde 2003. Este índice varia de -2.5 (pouco efetivo) a 2.5 (muito efetivo).  

Dadas as diferenças de escala, a comparabilidade das séries é melhor se as séries forem normalizadas. É o que se mostra na figura a seguir, para o período 2003-2022 (note que não temos dados da PTF para 2020-2022). 

O leitor pode notar que o IEG e as duas medidas de PTF caminham de forma muito próxima, o que é um indício de que um governo pouco efetivo deve ter algum impacto negativo na produtividade de um país. Pode-se perceber que, desde 2013, o IEG vem em trajetória de queda. Como tenho destacado nesta coluna, dois grandes problemas das democracias liberais são a vetocracia e a hesitocracia. O excesso de agentes com poder de veto e a falta de agilidade governamental são duas características que tornam o governo disfuncional, prejudicando a prosperidade potencial que uma sociedade pode gerar.  

Entre 1954 e 2019 passamos por vários experimentos de políticas públicas, seja de modo ativo, ou como reação a mudanças na economia mundial…e o fato é que a sensação de que não saímos do lugar não é, infelizmente, de todo descabida.