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"A pressão da sociedade é imprescindível nesse momento"

Para Nuno Coimbra, resultado da votação do projeto de lei sobre abuso de autoridade depende da mobilização popular

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Publicado em 25 de abril de 2017 às 17h50.

Última atualização em 5 de maio de 2017 às 17h53.

Está marcada para esta quarta-feira (26) a reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal que terá como pauta a votação do substitutivo do senador Roberto Requião (PMDB-PR) para a Projeto de Lei do Senado 280/16, que redefine os crimes de abuso de autoridade. O texto tem dividido opiniões: enquanto a legislação original de 1965 que pune os excessos cometidos pelos agentes públicos é considerada defasada, a ação do Legislativo para levar o debate adiante pode ser encarada como o interesse de prejudicar as investigações que têm parlamentares como alvo, a exemplo da Operação Lava-Jato.

O cientista político Nuno Coimbra Mesquita, pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) e especialista do Instituto Millenium, avalia que este não é o momento oportuno para discutir a proposta, tendo em vista a grave crise política que atinge o país e a possibilidade de a lei frear a atuação dos membros do Judiciário. Ele ressalta ainda que a participação da sociedade civil é fundamental para influenciar os rumos dessa votação.

O abuso de autoridade está na pauta da CCJ para ser votado na próxima quarta-feira (26). Na sua opinião, quais são as expectativas em relação a essa votação?
A possibilidade de o projeto ser aprovado ou não vai depender muito da mobilização da sociedade civil. Existe um claro conflito de interesses na votação e na discussão desse projeto, considerando que ele é motivado pelo fato de muitos políticos estarem envolvidos em investigações da Lava-Jato. Só no Senado, 28 dos 81 parlamentares são citados em delações. Assim, a opinião pública tem a sensação de que esse projeto não está realmente sendo votado com o objetivo de discutir um problema importante, que é o abuso de autoridade, mas, sim, para que haja alguma mudança no sistema que alivie as investigações sobre os políticos. É lógico que os políticos, na medida do possível, vão tentar fazer obstruções ao processo de investigação, mudanças na legislação que de alguma maneira comprometam as investigações, mas a possibilidade de o projeto ser aprovado nesse estágio vai depender da correlação de forças de mobilização da população.

Apesar de a legislação ser de 1965, não seria um momento inoportuno para a votação do projeto? O foro privilegiado, por exemplo, não deveria ser uma prioridade?
Um dos principais problemas que o Brasil enfrenta hoje é uma grave crise política, em especial agora com a proporção atingida pelas investigações da Lava Jato e o envolvimento de um elevado número de políticos dos principais partidos. Logo, esse não é o contexto adequado para se fazer qualquer discussão a respeito desse tipo de lei, porque isso passa para a população a impressão de que se trata de um casuísmo, de que se está produzindo uma legislação em causa própria. Na pior das hipóteses, pode-se, de fato, produzir uma legislação casuística que proteja os políticos de eventuais persecuções penais. Acho que é importante lembrar que, até pouco tempo atrás, não era comum haver julgamento e condenação de políticos importantes. Houve uma mudança na postura do Judiciário, em especial com as condenações que ocorreram a partir do processo de julgamento do Mensalão. Discutir o abuso de autoridade nesse momento dá a impressão de que sempre se teve um Judiciário que abusava da autoridade, que perseguia políticos, e isso não corresponde à realidade. Então houve uma mudança mais recente e os políticos de certa forma estão tentando reagir a isso.

Na sua avaliação, afinal, o projeto de abuso de autoridade que será votado na CCJ pune o crime ou a atividade investigatória?
Existe o risco de punir a atividade investigatória. Um dos pontos mais polêmicos do projeto, que gera a preocupação do Ministério Público e do Judiciário, de maneira geral, é o que prevê que um membro do Judiciário pode ser punido simplesmente por ter uma interpretação diferente de alguma instância superior. É claro que isso tem o potencial de inibir a ação do Judiciário, porque um juiz terá em mente de que, ao invés de interpretar a lei conforme a vê, ele pode tender a interpretar essa lei de maneira que beneficie mais a classe política, porque ele tem medo de que isso eventualmente tenha uma interpretação divergente em uma instância superior e ele possa ser punido por isso. Então isso pode afetar a autonomia do juiz e sua maneira de julgar porque ele terá em mente que corre o risco de ser punido, dependendo de quem está sendo julgado.

Há dois pontos bastante polêmicos no texto do relator Roberto Requião. No substitutivo anterior, no primeiro artigo, o Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, percebeu que havia margem para que interpretações diferentes da legislação fossem criminalizadas. Então ele propôs que não configuraria abuso de autoridade “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentadas; o exercício regular das funções, pelos agentes políticos; o cumprimento regular do dever de ofício”. O senador não aceitou a alteração, mas estabeleceu que a prática só será considerada criminosa se houver a intenção específica por parte do agente público de prejudicar o acusado ou de tirar algum tipo de vantagem. Na sua opinião, essa alteração é suficiente para dar fim à polêmica?
O problema é quem define a intenção. Com essa alteração, você continuaria deixando o julgador em uma posição altamente insegura. Quem vai definir se a intenção dele era prejudicar ou se simplesmente houve alguma divergência na interpretação da lei? Desse modo, deixa-se uma margem de incerteza para o julgador. Na verdade, o que está em jogo nesse projeto é: se uma série dessas medidas mais rigorosas em relação à interpretação do que é abuso de autoridade for aprovada, haverá uma inibição da atividade da Justiça, ou seja, juízes que, para não correrem o risco de bater de frente com pessoas que detêm maior poder político e que podem futuramente causar problemas na carreira desses membros do Judiciário, terão seu comportamento modificado.

O 3º artigo diz que serão permitidas ações penais privadas por parte dos ofendidos contra a autoridade que está conduzindo um processo. Não bastaria um recurso caso haja discordância da sentença? Não seria uma intimidação ao trabalho das autoridades?
Do meu ponto de vista, partindo-se do pressuposto de que existe um sistema judicial baseado na possibilidade do réu recorrer caso ele considere que alguma injustiça foi praticada, isso seria o suficiente. Aliás, a Justiça brasileira sempre foi criticada — principalmente nos casos que envolvem pessoas que possuem maior poder econômico ou político — por permitir um número muito grande de instâncias em que se pode recorrer, e que isso acaba resultando em impunidade. Houve algumas mudanças de interpretação nesse sentido, por exemplo, de que agora condenados a partir de segunda instância já podem começar a cumprir pena, mas são coisas mais recentes. Portanto, as críticas à Justiça sempre foram no sentido oposto. Agora, com essas novas mudanças de interpretação da lei e de postura da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário, em que a classe política está se vendo com sérios riscos de ser condenada, de ter seus processos julgados, é que há essa resistência. Eu acho que permitir que os membros do Judiciário possam ser processados por esse tipo de conduta é mais uma pressão sobre o julgador e uma maior carga sobre o Judiciário, que já está sobrecarregado de ações para serem julgadas.

Os procuradores da Lava-Jato gravaram dois vídeos nas redes sociais em que acusam o projeto como vingança. Como o senhor vê isso? O processo pode atrapalhar a operação?
Parte dessa reação poderia ser desmerecida e considerada corporativista, enfim, um modo de defender a própria categoria. No entanto, essa reação também pode ser interpretada como uma consciência por parte dos membros do Ministério Público e da Polícia Federal de que a pressão da sociedade é imprescindível nesse momento. O panorama geral da crise do sistema político até agora mostra que todos os principais partidos e um número muito grande de políticos são citados e estão claramente envolvidos em atos ilícitos que vão dos mais simples, desde caixa 2 até outros tipos mais graves de corrupção. É evidente que essa classe política vai tentar colocar um freio nessas investigações. Existe um jogo de pressão dos procuradores, da Polícia Federal e do Judiciário de forma geral — eles sabem do papel da opinião pública, que já se mostrou efetiva em outros momentos com a população em geral, seja nas redes sociais ou por meio da imprensa. A opinião pública já está a favor da Lava Jato e o objetivo é fazer com que ela continue atenta, pressionando o sistema político.

Está marcada para esta quarta-feira (26) a reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal que terá como pauta a votação do substitutivo do senador Roberto Requião (PMDB-PR) para a Projeto de Lei do Senado 280/16, que redefine os crimes de abuso de autoridade. O texto tem dividido opiniões: enquanto a legislação original de 1965 que pune os excessos cometidos pelos agentes públicos é considerada defasada, a ação do Legislativo para levar o debate adiante pode ser encarada como o interesse de prejudicar as investigações que têm parlamentares como alvo, a exemplo da Operação Lava-Jato.

O cientista político Nuno Coimbra Mesquita, pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) e especialista do Instituto Millenium, avalia que este não é o momento oportuno para discutir a proposta, tendo em vista a grave crise política que atinge o país e a possibilidade de a lei frear a atuação dos membros do Judiciário. Ele ressalta ainda que a participação da sociedade civil é fundamental para influenciar os rumos dessa votação.

O abuso de autoridade está na pauta da CCJ para ser votado na próxima quarta-feira (26). Na sua opinião, quais são as expectativas em relação a essa votação?
A possibilidade de o projeto ser aprovado ou não vai depender muito da mobilização da sociedade civil. Existe um claro conflito de interesses na votação e na discussão desse projeto, considerando que ele é motivado pelo fato de muitos políticos estarem envolvidos em investigações da Lava-Jato. Só no Senado, 28 dos 81 parlamentares são citados em delações. Assim, a opinião pública tem a sensação de que esse projeto não está realmente sendo votado com o objetivo de discutir um problema importante, que é o abuso de autoridade, mas, sim, para que haja alguma mudança no sistema que alivie as investigações sobre os políticos. É lógico que os políticos, na medida do possível, vão tentar fazer obstruções ao processo de investigação, mudanças na legislação que de alguma maneira comprometam as investigações, mas a possibilidade de o projeto ser aprovado nesse estágio vai depender da correlação de forças de mobilização da população.

Apesar de a legislação ser de 1965, não seria um momento inoportuno para a votação do projeto? O foro privilegiado, por exemplo, não deveria ser uma prioridade?
Um dos principais problemas que o Brasil enfrenta hoje é uma grave crise política, em especial agora com a proporção atingida pelas investigações da Lava Jato e o envolvimento de um elevado número de políticos dos principais partidos. Logo, esse não é o contexto adequado para se fazer qualquer discussão a respeito desse tipo de lei, porque isso passa para a população a impressão de que se trata de um casuísmo, de que se está produzindo uma legislação em causa própria. Na pior das hipóteses, pode-se, de fato, produzir uma legislação casuística que proteja os políticos de eventuais persecuções penais. Acho que é importante lembrar que, até pouco tempo atrás, não era comum haver julgamento e condenação de políticos importantes. Houve uma mudança na postura do Judiciário, em especial com as condenações que ocorreram a partir do processo de julgamento do Mensalão. Discutir o abuso de autoridade nesse momento dá a impressão de que sempre se teve um Judiciário que abusava da autoridade, que perseguia políticos, e isso não corresponde à realidade. Então houve uma mudança mais recente e os políticos de certa forma estão tentando reagir a isso.

Na sua avaliação, afinal, o projeto de abuso de autoridade que será votado na CCJ pune o crime ou a atividade investigatória?
Existe o risco de punir a atividade investigatória. Um dos pontos mais polêmicos do projeto, que gera a preocupação do Ministério Público e do Judiciário, de maneira geral, é o que prevê que um membro do Judiciário pode ser punido simplesmente por ter uma interpretação diferente de alguma instância superior. É claro que isso tem o potencial de inibir a ação do Judiciário, porque um juiz terá em mente de que, ao invés de interpretar a lei conforme a vê, ele pode tender a interpretar essa lei de maneira que beneficie mais a classe política, porque ele tem medo de que isso eventualmente tenha uma interpretação divergente em uma instância superior e ele possa ser punido por isso. Então isso pode afetar a autonomia do juiz e sua maneira de julgar porque ele terá em mente que corre o risco de ser punido, dependendo de quem está sendo julgado.

Há dois pontos bastante polêmicos no texto do relator Roberto Requião. No substitutivo anterior, no primeiro artigo, o Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, percebeu que havia margem para que interpretações diferentes da legislação fossem criminalizadas. Então ele propôs que não configuraria abuso de autoridade “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentadas; o exercício regular das funções, pelos agentes políticos; o cumprimento regular do dever de ofício”. O senador não aceitou a alteração, mas estabeleceu que a prática só será considerada criminosa se houver a intenção específica por parte do agente público de prejudicar o acusado ou de tirar algum tipo de vantagem. Na sua opinião, essa alteração é suficiente para dar fim à polêmica?
O problema é quem define a intenção. Com essa alteração, você continuaria deixando o julgador em uma posição altamente insegura. Quem vai definir se a intenção dele era prejudicar ou se simplesmente houve alguma divergência na interpretação da lei? Desse modo, deixa-se uma margem de incerteza para o julgador. Na verdade, o que está em jogo nesse projeto é: se uma série dessas medidas mais rigorosas em relação à interpretação do que é abuso de autoridade for aprovada, haverá uma inibição da atividade da Justiça, ou seja, juízes que, para não correrem o risco de bater de frente com pessoas que detêm maior poder político e que podem futuramente causar problemas na carreira desses membros do Judiciário, terão seu comportamento modificado.

O 3º artigo diz que serão permitidas ações penais privadas por parte dos ofendidos contra a autoridade que está conduzindo um processo. Não bastaria um recurso caso haja discordância da sentença? Não seria uma intimidação ao trabalho das autoridades?
Do meu ponto de vista, partindo-se do pressuposto de que existe um sistema judicial baseado na possibilidade do réu recorrer caso ele considere que alguma injustiça foi praticada, isso seria o suficiente. Aliás, a Justiça brasileira sempre foi criticada — principalmente nos casos que envolvem pessoas que possuem maior poder econômico ou político — por permitir um número muito grande de instâncias em que se pode recorrer, e que isso acaba resultando em impunidade. Houve algumas mudanças de interpretação nesse sentido, por exemplo, de que agora condenados a partir de segunda instância já podem começar a cumprir pena, mas são coisas mais recentes. Portanto, as críticas à Justiça sempre foram no sentido oposto. Agora, com essas novas mudanças de interpretação da lei e de postura da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário, em que a classe política está se vendo com sérios riscos de ser condenada, de ter seus processos julgados, é que há essa resistência. Eu acho que permitir que os membros do Judiciário possam ser processados por esse tipo de conduta é mais uma pressão sobre o julgador e uma maior carga sobre o Judiciário, que já está sobrecarregado de ações para serem julgadas.

Os procuradores da Lava-Jato gravaram dois vídeos nas redes sociais em que acusam o projeto como vingança. Como o senhor vê isso? O processo pode atrapalhar a operação?
Parte dessa reação poderia ser desmerecida e considerada corporativista, enfim, um modo de defender a própria categoria. No entanto, essa reação também pode ser interpretada como uma consciência por parte dos membros do Ministério Público e da Polícia Federal de que a pressão da sociedade é imprescindível nesse momento. O panorama geral da crise do sistema político até agora mostra que todos os principais partidos e um número muito grande de políticos são citados e estão claramente envolvidos em atos ilícitos que vão dos mais simples, desde caixa 2 até outros tipos mais graves de corrupção. É evidente que essa classe política vai tentar colocar um freio nessas investigações. Existe um jogo de pressão dos procuradores, da Polícia Federal e do Judiciário de forma geral — eles sabem do papel da opinião pública, que já se mostrou efetiva em outros momentos com a população em geral, seja nas redes sociais ou por meio da imprensa. A opinião pública já está a favor da Lava Jato e o objetivo é fazer com que ela continue atenta, pressionando o sistema político.

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