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A importância e os desafios da Saúde Suplementar no Brasil

Fronteira entre o SUS e a saúde suplementar é facilmente demarcada, e os números escancararam a situação

Vacinação contra covid-19. (Eduardo Frazão/Exame)
Vacinação contra covid-19. (Eduardo Frazão/Exame)

Existem muitos países dentro do Brasil. Na saúde, a fronteira entre o SUS e a saúde suplementar é facilmente demarcada. Os números escancararam. Em 2018, o SUS realizou 7,5 ressonâncias nucleares magnéticas, 32,9 tomografias computadorizadas a cada mil habitantes e 3,3 consultas per capita. Já a saúde suplementar, no mesmo período, somou 167,4 ressonâncias, 156,4 tomografias por mil beneficiários e 5,8 consultas per capita. 

Antes que algum defensor acrítico do nosso sistema de saúde público se precipite a interpretar esses números como positivos, lembro que no SUS o percentual de casos de cânceres avançados vem aumentando em relação aos iniciais, mostrando a falha no diagnóstico precoce da doença. Vivenciamos os menores números de cobertura de mamografias e exames de papanicolau já realizados. E a tendência vem desde há muitos anos. Não é exclusiva de um ou outro governo. Em termos de gestão em saúde ineficiente, somos ambidestros. Importante lembrar que o câncer em estádios mais avançados é, além de pior prognóstico, mais caro para se tratar. No câncer de mama o valor pode ultrapassar dez vezes comparando o estádio clínico IV (metastático) com o estádio inicial. 

Apesar do nosso desejo e da utópica ideia constitucional, à saúde universal, “gratuita” e de qualidade dificilmente se concretizará. Países mais ricos e cuja administração é muito mais técnica e organizada, como no Reino Unido, não atingiram esse estágio de desenvolvimento. E se o SUS é um doente crônico moribundo, a saúde suplementar, que representa 5% do PIB brasileiro e 50 milhões de usuários, apresenta sinais e sintomas agudos de insuficiência orgânica. Um terço de nossas operadoras está em risco financeiro. 

Ao observarmos países como os EUA, que têm um sistema de saúde semelhante à nossa saúde suplementar, constatamos que a inflação do setor ultrapassa em muito a geração de riqueza da sociedade. Nos últimos 20 anos, a média do custo de um seguro premium aumentou quase 250%. O tratamento do câncer é um dos principais fatores que contribuem para essa inflação. 

Há maneiras de lutar contra o aumento exponencial do custo do tratamento oncológico e da saúde como um todo. Menciono algumas: 

Revisar o obsoleto e insustentável fee for service. Um modelo de remuneração onde maior é o repasse quanto mais caro for o serviço prestado. Vejam as empresas de capital aberto que tornam seus números públicos. Basta uma visita ao site de RI da Oncoclínicas ou da Rede D´or para ver que o faturamento por infusão de quimioterapia dobra a cada poucos anos. Até quando irão suportar as fontes pagadoras? Por que não iniciar discussões com pagamento baseado em desfecho clínico, ou valor? 

Prevenção de doenças e programas de detecção precoce. Uma obviedade, por certo, mas o modelo de remuneração ineficiente descrito acima inverte a lógica de prevenir em vez de remediar. Sem falar na oncogenética que é amplamente ignorada em nosso país é uma ferramenta valiosa para selecionar melhor as famílias que deveriam receber um acompanhamento mais intensivo ou tratamentos preventivos. 

Livre ambiente para inovação e busca por implementação de tecnologias já desenvolvidas. Não é necessário quebra de patentes ou outras medidas radicais, mas estabelecer parâmetros mais assertivos para biossimilares e meios de validação mais custo-efetivos de drogas para mesmos alvos terapêuticos. Além de parar com o contraproducente protecionismo de instituições públicas como vimos o recente exemplo da vacina da dengue japonesa negada pelo governo federal em prol do produto do Butantan que ainda nem existe. Quem se atreveria, no Brasil, a investir em uma solução para esse problema sabendo que o país voltaria as costas? 

Amadurecer para além de agendas populistas e determinações irreais de cobertura universal, com o que rege a lei 9656/98. Se o Estado não oferta o mínimo em saúde de qualidade, como exigir que a saúde suplementar seja universal e irrestrita? Talvez testar um modelo onde as operadoras poderiam discriminar os tratamentos ofertados e não cobrir outros. E também estabelecer os parâmetros financeiros de farmacoeconomia para incorporação de tecnologias. 

Esse texto foi escrito com objetivo de refletirmos sobre o assunto e porque se assanha e avulta em alguns de nossos parlamentares a ideia de controlar a livre negociação de preços entre os planos de saúde e as empresas contratantes. Hoje a ANS o faz apenas para os menos de 20% dos usuários de planos individuais e familiares. O controle artificial de preços pode ser a pá de cal para o sistema de saúde brasileiro, ocasionando um efeito dominó em muitas e muitas empresas que estão na fronteira da insolvência. Parafraseando Mencken, para todo problema complexo há uma solução simples, mas errada.