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A escala 6x1 e o mito do empresário bonzinho

Precisamos aceitar a dura realidade das consequências da redução de jornada

Brazilian work card (Carteira de Trabalho). It is the document that guarantees access to worker rights in Brazil (CLT) (RafaPress/Getty Images)
Gabriel Prado

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 26 de novembro de 2024 às 09h00.

Em tempos recentes, liberais brasileiros colocaram empreendedores em posições de quase idolatria, como heróis bonzinhos trabalhando em prol da sociedade. Como argumentei anteriormente nesta coluna, a posição é um contrassenso: é justamente porque empresários não são benevolentes que precisamos do livre-mercado, colocando-os para competir uns contra os outros.

No entanto, em alguns debates, parece ser a esquerda que acredita no mito do empresário bonzinho. É o caso da discussão em torno da PEC que propõe o fim da escala de trabalho 6x1. A ideia é reduzir a jornada de trabalho de seis dias para cinco ou até mesmo quatro, como sugere o texto original da proposta. Mas a defesa é sempre acompanhada de uma ressalva: de que a mudança ocorra “sem redução salarial”.

Por que acreditar que empresários estariam dispostos a pagar o mesmo salário para funcionários trabalhando menos dias?

A primeira resposta é legal. A lei brasileira não permite a redução salarial de uma pessoa empregada. O problema é que isso só funciona no curto prazo: na hora de contratar um próximo funcionário ou de dar aumento aos existentes, o empresário já terá em mente a jornada reduzida para definir quanto está disposto a pagar. A economia é fluida: funcionários são demitidos e novos contratados, empresas fecham seus negócios e novas aparecem. A restrição à redução salarial não resiste muito tempo, e logo se torna irrelevante.

A segunda barreira é o salário mínimo. Imagine a dona de um mercado pequeno que precisa de um funcionário para operar o caixa e já paga um salário mínimo. Mesmo que troque de funcionário, ela não poderá pagar menos. Mas essa é uma minoria ínfima das decisões de contratação no país. A maioria das decisões se parece mais com a empresária decidindo se contratará um funcionário adicional. Nesse momento, ela vai considerar o ganho esperado com a contratação e o valor que terá que pagar. Por exemplo, se a receita adicional que ela vai ganhar tendo um funcionário para atender no fim de semana não compensar o custo, a empreendedora vai decidir não operar fora do horário comercial. Nesse caso não há redução salarial, mas há um emprego a menos sendo gerado e menos clientes sendo atendidos.

Em muitos casos, o resultado poderia ser apenas uma redução dos lucros, mas na prática empresários sempre têm muito mais opções do que simplesmente contratar ou não contratar alguém. Quanto maior o custo que terão que pagar por dia trabalhado, mais propensos eles estarão a contratar tecnologias de automação que substituam o trabalho humano, tendência que só deve aumentar com a inteligência artificial. Ou talvez entendam que há outros investimentos, como em marketing ou nos produtos oferecidos, que ofereçam um retorno melhor. Outra opção é contratar funcionários de forma informal, para não terem que se sujeitar à legislação trabalhista. Não é à toa que hoje a informalidade atinge metade dos trabalhadores brasileiros. O empresário pode ainda escolher trabalhar no próprio negócio em vez de ter um funcionário, quando fizer mais sentido. Em casos extremos, encerrar o negócio se a conta não fechar.

A forma como um empresário decide se vale a pena contratar alguém e quanto irá pagar é avaliando quanto isso gerará para seu negócio. Quanto menos valor for gerado, menos ele estará disposto a pagar. Assim, uma redução legal do número de dias trabalhados inevitavelmente afetará a disposição a contratar. Acreditar que é possível diminuir a jornada de trabalho sem reduzir salários ou afetar a quantidade de empregos disponíveis é acreditar no mito do empresário bonzinho, que age contra seus próprios interesses. Na vida real, é a maximização de lucros que rege essas decisões.

Que fique claro, o objetivo deste artigo não é se opor ao fim da jornada 6x1, mas incentivar que o debate seja pautado na realidade econômica. A ciência econômica consegue apenas descrever as consequências da proposta, mas não dá respostas morais mais complexas. Há motivos para acreditar que garantir por lei mais dias de descanso seria bom para os trabalhadores, mesmo que isso leve a uma redução salarial ou afete o nível de emprego, mas o debate precisa partir dessa realidade cruel.

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Em tempos recentes, liberais brasileiros colocaram empreendedores em posições de quase idolatria, como heróis bonzinhos trabalhando em prol da sociedade. Como argumentei anteriormente nesta coluna, a posição é um contrassenso: é justamente porque empresários não são benevolentes que precisamos do livre-mercado, colocando-os para competir uns contra os outros.

No entanto, em alguns debates, parece ser a esquerda que acredita no mito do empresário bonzinho. É o caso da discussão em torno da PEC que propõe o fim da escala de trabalho 6x1. A ideia é reduzir a jornada de trabalho de seis dias para cinco ou até mesmo quatro, como sugere o texto original da proposta. Mas a defesa é sempre acompanhada de uma ressalva: de que a mudança ocorra “sem redução salarial”.

Por que acreditar que empresários estariam dispostos a pagar o mesmo salário para funcionários trabalhando menos dias?

A primeira resposta é legal. A lei brasileira não permite a redução salarial de uma pessoa empregada. O problema é que isso só funciona no curto prazo: na hora de contratar um próximo funcionário ou de dar aumento aos existentes, o empresário já terá em mente a jornada reduzida para definir quanto está disposto a pagar. A economia é fluida: funcionários são demitidos e novos contratados, empresas fecham seus negócios e novas aparecem. A restrição à redução salarial não resiste muito tempo, e logo se torna irrelevante.

A segunda barreira é o salário mínimo. Imagine a dona de um mercado pequeno que precisa de um funcionário para operar o caixa e já paga um salário mínimo. Mesmo que troque de funcionário, ela não poderá pagar menos. Mas essa é uma minoria ínfima das decisões de contratação no país. A maioria das decisões se parece mais com a empresária decidindo se contratará um funcionário adicional. Nesse momento, ela vai considerar o ganho esperado com a contratação e o valor que terá que pagar. Por exemplo, se a receita adicional que ela vai ganhar tendo um funcionário para atender no fim de semana não compensar o custo, a empreendedora vai decidir não operar fora do horário comercial. Nesse caso não há redução salarial, mas há um emprego a menos sendo gerado e menos clientes sendo atendidos.

Em muitos casos, o resultado poderia ser apenas uma redução dos lucros, mas na prática empresários sempre têm muito mais opções do que simplesmente contratar ou não contratar alguém. Quanto maior o custo que terão que pagar por dia trabalhado, mais propensos eles estarão a contratar tecnologias de automação que substituam o trabalho humano, tendência que só deve aumentar com a inteligência artificial. Ou talvez entendam que há outros investimentos, como em marketing ou nos produtos oferecidos, que ofereçam um retorno melhor. Outra opção é contratar funcionários de forma informal, para não terem que se sujeitar à legislação trabalhista. Não é à toa que hoje a informalidade atinge metade dos trabalhadores brasileiros. O empresário pode ainda escolher trabalhar no próprio negócio em vez de ter um funcionário, quando fizer mais sentido. Em casos extremos, encerrar o negócio se a conta não fechar.

A forma como um empresário decide se vale a pena contratar alguém e quanto irá pagar é avaliando quanto isso gerará para seu negócio. Quanto menos valor for gerado, menos ele estará disposto a pagar. Assim, uma redução legal do número de dias trabalhados inevitavelmente afetará a disposição a contratar. Acreditar que é possível diminuir a jornada de trabalho sem reduzir salários ou afetar a quantidade de empregos disponíveis é acreditar no mito do empresário bonzinho, que age contra seus próprios interesses. Na vida real, é a maximização de lucros que rege essas decisões.

Que fique claro, o objetivo deste artigo não é se opor ao fim da jornada 6x1, mas incentivar que o debate seja pautado na realidade econômica. A ciência econômica consegue apenas descrever as consequências da proposta, mas não dá respostas morais mais complexas. Há motivos para acreditar que garantir por lei mais dias de descanso seria bom para os trabalhadores, mesmo que isso leve a uma redução salarial ou afete o nível de emprego, mas o debate precisa partir dessa realidade cruel.

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