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A culpa não é do liberalismo!

José Márcio Camargo avalia cenário no Chile e na Argentina e alerta: crises não têm relação com medidas liberais. Ouça!

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Instituto Millenium

Publicado em 28 de outubro de 2019 às, 15h44.

Na última semana, a América Latina viveu dias de ebulição. País que sempre foi considerado referência por ter uma economia forte e um Estado bem organizado, o Chile passa por protestos violentos, que geraram uma convulsão social. A Argentina, por sua vez, elegeu, no domingo (27), o peronista Alberto Fernández para a Presidência, marcando a volta da centro-esquerda ao poder. Em meio a muitas interpretações e mistificações, o que está acontecendo, de fato? Para entender o fenômeno, o Instituto Millenium conversou com o Doutor em economia, José Márcio Camargo. Ouça abaixo!

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De acordo com Camargo, os dois acontecimentos não têm relação com uma suposta "derrocada" do liberalismo, narrativa que vem sendo alardeada por militantes e políticos de esquerda. "Nenhuma das duas situações tem a ver com o liberalismo. Por exemplo: o Chile é o país com a maior renda per capita e o que mais cresceu na América Latina, com a menor taxa de pobreza do continente. É verdade que há desigualdade e o ritmo de crescimento diminuiu, mas é um país super bem sucedido", disse.

O economista avalia que a causa dos protestos não é a desigualdade, como vem sendo propalado, mas a falta de mobilidade social. “Isso é mais importante, pois a pessoa olha pra frente e vê que não vai sair do lugar onde está. Acredito que isso é o que acontece. Por outro lado, como o Chile está com as contas públicas equilibradas e baixa taxa de juros, assim como a inflação, acredito que há espaço para fazer os ajustes necessários que acomodem essa insatisfação, talvez com uma política fiscal um pouco menos austera”.

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Mas como atender à demanda da população por serviços públicos de melhor qualidade sem prejudicar o equilíbrio das contas públicas e sem inchar a máquina pública? Na visão de Camargo, destravar o setor privado pode ser uma medida importante nesse processo. “No Brasil, por exemplo, o sistema de seguro de saúde é muito rígido: é preciso oferecer quase tudo que é necessário, e o custo é muito alto. Se isso for flexibilizado, com a empresa oferecendo produtos específicos para cada especialidade, você diminui o custo e melhora a assistência, usando o setor privado. Em outras questões, o Estado vai ter que realizar e acertar”, destacou.

O caso argentino

Se por um lado, no Chile, a revolta popular acontece em um cenário de contas equilibradas e bons indicadores na economia, na Argentina a situação é bem diferente. A intervenção direta do Estado na economia, com a concessão de subsídios, levou o país a uma situação de completo desequilíbrio nas contas públicas e falta de credibilidade junto aos investidores. Quando a conta chegou, veio também o caos social, com o aumento da pobreza, inflação descontrolada e desvalorização da moeda.

Eleito em 2015 para mudar o rumo do país, Mauricio Macri fez um governo menos intervencionista que Cristina Kirchner. No entanto, apesar de muita expectativa, a guinada em direção às reformas necessárias, ao ajuste fiscal e ao liberalismo foi muito tímida. Para complicar ainda mais a situação, com o agravamento da crise, Macri decidiu apostar no mesmo receituário das gestões anteriores. Além disso, não diminuiu o tamanho do Estado: empresas deficitárias, como a petrolífera YPF e a Aerolíneas Argentinas, seguiram sob o guarda-chuva do governo. “O grande erro do governo Macri foi tentar fazer um ajuste gradualista em vez de fazer um ajuste duro que conseguisse colocar a economia em uma trajetória positiva. Foi exatamente o oposto do que foi feito no Brasil durante o governo Temer, que tinha o objetivo claro de reduzir a inflação em 10 pontos e aprovou a PEC do Teto de Gastos. Isso mudou a dinâmica da economia brasileira”, disse.

Essa transição gradual não gerou resultados nem na economia nem na política. “O governo Macri tentou fazer ajuste sem gerar recessão, e deu no que deu. Países como a Argentina e o Brasil têm uma tradição de desequilíbrio fiscal e malversação de dinheiro público, e a tentativa de fazer ajuste gradual não funciona, porque no primeiro choque externo que acontece, os capitais vão embora, porque os investidores não confiam que o governo vai continuar fazendo ajustes. E foi o que aconteceu na Argentina: a guerra comercial entre EUA e China colocou o país no buraco”, disse.

Sem o ajuste fiscal, a economia argentina ficou em frangalhos. Com baixos índices de popularidade, Macri foi derrotado por Alberto Fernández, um peronista que terá como vice-presidente Cristina Kirchner. Fernández venceu a eleição apostando no intervencionismo, incluindo ações como o controle de preços. “Se ele de fato fizer o que propõe, vai ser um desastre. Ele está propondo congelar preços e controlar a taxa de câmbio. A América Latina já fez isso várias vezes, inclusive o Brasil, e sempre deu errado. O resultado no final é mais inflação, menos crescimento e mais desemprego”, disse, afirmando que o país vizinho pode caminhar para um cenário de hiperinflação.

Na visão de Camargo, o Brasil segue tendência inversa, com horizonte positivo na condução da economia. “O país sofreu uma série de choques em 2018 e 2019 e seguiu com inflação baixa e crescimento, ainda que baixo. Além disso, conseguiu reduzir a taxa de juros sem gerar pressão inflacionária. A trajetória é boa e os sinais são positivos”, acredita.