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A administração pública foi feita para não funcionar!

Reforma administrativa: desafios e oportunidades

(Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Instituto Millenium

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Publicado em 22 de julho de 2024 às 10h14.

Por Cláudio Costa*

A afirmação acima, título deste artigo, foi proferida em 2017 pelo “Chico”, um procurador de Carreira que na ocasião tinha mais de 30 anos de serviços na Prefeitura do Município de São Paulo, ou seja, um servidor da carreira jurídica com muita experiência na administração pública e em meio a tramitação do PL que tratava da reforma da Previdência dos 225 mil servidores municipais, à época.

Naquela ocasião, eu era responsável pela pasta de Pessoas e Previdência, ocupando pela primeira vez em minha trajetória profissional, um cargo na administração pública, como Secretário Executivo Adjunto, vinculado à SMG (Secretaria Municipal de Gestão).  A polêmica frase foi dita em meio às pressões do avanço do texto do projeto de Lei que visava a reforma da Previdência dos Servidores daquele município – o RPPS (Regime Próprio de Previdência do Servidor).

Além da reforma do RPPS, nós tínhamos também a meta de modernização do Plano de Cargos e Carreiras dos Servidores do Município, com o objetivo de trazer maior eficiência dos gastos com a Folha de Pagamento, trazendo agilidade, flexibilidade, aumento da produtividade e, principalmente, melhoria na qualidade dos serviços e atendimento à sociedade, ou seja, benefícios para “os clientes” daquele ente público, com a aplicação de conceitos e melhores práticas de gestão de pessoas na Prefeitura de São Paulo, semelhante aos processos do setor privado e às novas tecnologias disponíveis. A palavra de ordem era implantar meritocracia e responsabilização, diferenciando os melhores servidores em relação àqueles com deficiências de desempenho.

A reforma do RPPS foi aprovada na Câmara de Vereadores do Município ao final de 2018, um ano após ter sido protocolada, porém, bastante esvaziada. Por sua vez, a modernização do PCCS não foi possível, pois seria necessária uma ampla reforma administrativa em Âmbito Federal, a chamada PEC – Proposta de Emenda Constitucional.

Ainda em referência ao contexto de 2017, as despesas com pessoal ativos, inativos, pensionistas, ocupantes de mandatos eletivos, cargos, funções entre outros, na Prefeitura de São Paulo, se aproximavam rapidamente do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, vigente à época, e segundo as projeções da Secretaria da Fazenda, em poucos anos o município teria dificuldades de honrar o pagamento da folha dos servidores, aposentados, pensionistas e demais ocupantes de funções gratificadas.

Se São Paulo, como principal ente municipal da Federação, com o 3º maior PIB do País, atrás apenas da União e do Estado de São Paulo na geração de Receitas Correntes Líquidas, se aproximava do limite previsto em Lei, em outros diversos municípios País afora já vínhamos observando várias prefeituras com dificuldades de honrar os seus compromissos da Folha de Pagamento. Portanto, esta é uma bomba relógio que mais cedo ou mais tarde irá explodir no colo das futuras gerações.

De maneira simplista, são duas as formas de solução deste imbróglio: aumento das receitas líquidas = Aumento de Impostos, ou redução das despesas com a folha de pagamento = Reforma Administrativa.

O debate acerca da carga tributária sobre os contribuintes no nosso País tem se intensificado ano após ano e muitos especialistas apontam que o País já alcançou, ou até já ultrapassou o limite do que é sustentável. Portanto, será inevitável, nos próximos anos, a implementação de reformas administrativas que reduzam os gastos com pessoal em todas as esferas da Administração Pública, tanto na direta como na indireta.

No entanto, esse é um debate que vai muito além da responsabilidade fiscal em todos os entes federativos. Estima-se que no País são quase 11,5 milhões de servidores públicos com gastos que superariam R$ 1.6 trilhões. Portanto, uma gestão eficiente e sustentável destes recursos é mais do que necessária para o desenvolvimento do País.

Se considerado os tempos atuais e o que ainda está por vir no que se refere à evolução tecnológica, redes sociais, inteligência artificial e a transformação digital, a modernização e flexibilização das regras de acesso, progressão na carreira, meritocracia, estabilidade, regras de aposentadoria, entre tantas outras distorções, precisam ser revistas.

Os modelos de incentivos, cargos, carreiras e regras que regem o funcionalismo público e que foram, na sua grande maioria, pensadas e implementadas há mais de 20, 30 anos atrás, quando o mundo ainda era analógico, já estão obsoletas, impondo um modelo com muitas ineficiências e prejudicial a todos, desde o cidadão e inclusive os próprios servidores. Na era da Transformação Digital, a existência de ocupantes de cargos e funções já ultrapassadas e oriundas do século passado, é desperdício de recurso público.

De uma forma geral o funcionalismo público é composto por profissionais de alta qualificação, mas o sistema e ambiente em que operam é ineficiente, incoerente e injusto e o pagador de impostos não recebe de volta em prestação de serviços aquilo pelo qual ele paga. Os servidores, por sua vez, são erroneamente classificados como os “responsáveis”, gerando uma sensação de que nada funciona, voltando a afirmação do Chico lá em 2017.

Esta é uma das pautas mais críticas para o desenvolvimento do País e traz componentes de alta complexidade na tramitação e aprovação de uma PEC. Já existem alguns textos que tratam da reforma administrativa, no entanto sempre esbarra no poder de influência dos grupos de interesses, sindicatos e na força de mobilização do funcionalismo junto ao Congresso, impedindo que essa pauta de fato avance.

A PEC 32, já aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara) em 2020, não avançou no Congresso. Benefícios como a estabilidade do funcionário público, progressão automática de salário por tempo de serviço, adicionais, também por tempo de serviço, são privilégios que em nada contribuem para a melhoria de desempenho e produtividade, muito pelo contrário, acabam impondo aumento de gastos organicamente sem a devida contrapartida da performance dos milhões de funcionários públicos.

Ainda assim, quando for aprovada, e se aprovada, os efeitos concretos de redução das despesas com a folha de pagamento do funcionalismo público brasileiro levarão décadas para ser percebida. O texto aprovado pela CCJ passaria a valer, caso aprovado pelo Congresso, apenas para os novos concursados, deixando de fora os atuais milhões de servidores públicos e seus respectivos gastos, impactando de maneira importante as contas públicas ainda nas próximas décadas.

Ao mesmo tempo, há que se destacar o entendimento do judiciário brasileiro, que tem interpretado o direito adquirido dos funcionários públicos a partir da aprovação do indivíduo no concurso público. Sendo assim, esta é uma outra enorme barreira de difícil resolução. Na administração indireta, que contempla as empresas públicas e estatais, apesar do vínculo nesta modalidade de funcionalismo ser regido pela CLT, esse grupo de funcionários tem o melhor dos dois mundos, pois além da estabilidade, ainda recebem todos os benefícios da CLT, como o FGTS, por exemplo, pelo simples fato de terem sido aprovados em concurso público.

Esse tema ganhou ainda mais dificuldade, burocracia e repercussão nas contas públicas a partir da conclusão do plenário do STF em fevereiro deste ano, em que, demissão sem justa causa de funcionários das empresas públicas e sociedades de economia mista, admitidos por concurso público, deve ser devidamente motivada. Portanto, as razões da dispensa precisam ser claramente indicadas. Esse entendimento provoca ainda mais distorções.

E por fim, com o atual Governo Federal, as chances de uma reforma administrativa são mínimas, porém, o debate público tem que estar presente também na sociedade civil, para no futuro próximo, havendo mudança no cenário político brasileiro, essa pauta possa avançar, de forma a aliviar o peso do custo do estado nas costas da população pagadora de impostos, proporcionando a redução dos gastos, o aumento do engajamento e satisfação do servidor público através de regras mais flexíveis e modernas e consequente melhoria na qualidade do atendimento aos cidadãos.

* Cláudio Costa, Pós-Graduado em Gestão Empresarial pela PUC-MG, executivo Top Of Mind com 35 anos de carreira nas áreas de RH, Sustentabilidade e Gestão, foi Vice-Presidente na TAM, Diretor Executivo na EcoRodovias, Secretário Executivo na PMSP e Executivo de RH na Petrobras. Atualmente atua como Consultor e Conselheiro de Administração.

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Por Cláudio Costa*

A afirmação acima, título deste artigo, foi proferida em 2017 pelo “Chico”, um procurador de Carreira que na ocasião tinha mais de 30 anos de serviços na Prefeitura do Município de São Paulo, ou seja, um servidor da carreira jurídica com muita experiência na administração pública e em meio a tramitação do PL que tratava da reforma da Previdência dos 225 mil servidores municipais, à época.

Naquela ocasião, eu era responsável pela pasta de Pessoas e Previdência, ocupando pela primeira vez em minha trajetória profissional, um cargo na administração pública, como Secretário Executivo Adjunto, vinculado à SMG (Secretaria Municipal de Gestão).  A polêmica frase foi dita em meio às pressões do avanço do texto do projeto de Lei que visava a reforma da Previdência dos Servidores daquele município – o RPPS (Regime Próprio de Previdência do Servidor).

Além da reforma do RPPS, nós tínhamos também a meta de modernização do Plano de Cargos e Carreiras dos Servidores do Município, com o objetivo de trazer maior eficiência dos gastos com a Folha de Pagamento, trazendo agilidade, flexibilidade, aumento da produtividade e, principalmente, melhoria na qualidade dos serviços e atendimento à sociedade, ou seja, benefícios para “os clientes” daquele ente público, com a aplicação de conceitos e melhores práticas de gestão de pessoas na Prefeitura de São Paulo, semelhante aos processos do setor privado e às novas tecnologias disponíveis. A palavra de ordem era implantar meritocracia e responsabilização, diferenciando os melhores servidores em relação àqueles com deficiências de desempenho.

A reforma do RPPS foi aprovada na Câmara de Vereadores do Município ao final de 2018, um ano após ter sido protocolada, porém, bastante esvaziada. Por sua vez, a modernização do PCCS não foi possível, pois seria necessária uma ampla reforma administrativa em Âmbito Federal, a chamada PEC – Proposta de Emenda Constitucional.

Ainda em referência ao contexto de 2017, as despesas com pessoal ativos, inativos, pensionistas, ocupantes de mandatos eletivos, cargos, funções entre outros, na Prefeitura de São Paulo, se aproximavam rapidamente do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, vigente à época, e segundo as projeções da Secretaria da Fazenda, em poucos anos o município teria dificuldades de honrar o pagamento da folha dos servidores, aposentados, pensionistas e demais ocupantes de funções gratificadas.

Se São Paulo, como principal ente municipal da Federação, com o 3º maior PIB do País, atrás apenas da União e do Estado de São Paulo na geração de Receitas Correntes Líquidas, se aproximava do limite previsto em Lei, em outros diversos municípios País afora já vínhamos observando várias prefeituras com dificuldades de honrar os seus compromissos da Folha de Pagamento. Portanto, esta é uma bomba relógio que mais cedo ou mais tarde irá explodir no colo das futuras gerações.

De maneira simplista, são duas as formas de solução deste imbróglio: aumento das receitas líquidas = Aumento de Impostos, ou redução das despesas com a folha de pagamento = Reforma Administrativa.

O debate acerca da carga tributária sobre os contribuintes no nosso País tem se intensificado ano após ano e muitos especialistas apontam que o País já alcançou, ou até já ultrapassou o limite do que é sustentável. Portanto, será inevitável, nos próximos anos, a implementação de reformas administrativas que reduzam os gastos com pessoal em todas as esferas da Administração Pública, tanto na direta como na indireta.

No entanto, esse é um debate que vai muito além da responsabilidade fiscal em todos os entes federativos. Estima-se que no País são quase 11,5 milhões de servidores públicos com gastos que superariam R$ 1.6 trilhões. Portanto, uma gestão eficiente e sustentável destes recursos é mais do que necessária para o desenvolvimento do País.

Se considerado os tempos atuais e o que ainda está por vir no que se refere à evolução tecnológica, redes sociais, inteligência artificial e a transformação digital, a modernização e flexibilização das regras de acesso, progressão na carreira, meritocracia, estabilidade, regras de aposentadoria, entre tantas outras distorções, precisam ser revistas.

Os modelos de incentivos, cargos, carreiras e regras que regem o funcionalismo público e que foram, na sua grande maioria, pensadas e implementadas há mais de 20, 30 anos atrás, quando o mundo ainda era analógico, já estão obsoletas, impondo um modelo com muitas ineficiências e prejudicial a todos, desde o cidadão e inclusive os próprios servidores. Na era da Transformação Digital, a existência de ocupantes de cargos e funções já ultrapassadas e oriundas do século passado, é desperdício de recurso público.

De uma forma geral o funcionalismo público é composto por profissionais de alta qualificação, mas o sistema e ambiente em que operam é ineficiente, incoerente e injusto e o pagador de impostos não recebe de volta em prestação de serviços aquilo pelo qual ele paga. Os servidores, por sua vez, são erroneamente classificados como os “responsáveis”, gerando uma sensação de que nada funciona, voltando a afirmação do Chico lá em 2017.

Esta é uma das pautas mais críticas para o desenvolvimento do País e traz componentes de alta complexidade na tramitação e aprovação de uma PEC. Já existem alguns textos que tratam da reforma administrativa, no entanto sempre esbarra no poder de influência dos grupos de interesses, sindicatos e na força de mobilização do funcionalismo junto ao Congresso, impedindo que essa pauta de fato avance.

A PEC 32, já aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara) em 2020, não avançou no Congresso. Benefícios como a estabilidade do funcionário público, progressão automática de salário por tempo de serviço, adicionais, também por tempo de serviço, são privilégios que em nada contribuem para a melhoria de desempenho e produtividade, muito pelo contrário, acabam impondo aumento de gastos organicamente sem a devida contrapartida da performance dos milhões de funcionários públicos.

Ainda assim, quando for aprovada, e se aprovada, os efeitos concretos de redução das despesas com a folha de pagamento do funcionalismo público brasileiro levarão décadas para ser percebida. O texto aprovado pela CCJ passaria a valer, caso aprovado pelo Congresso, apenas para os novos concursados, deixando de fora os atuais milhões de servidores públicos e seus respectivos gastos, impactando de maneira importante as contas públicas ainda nas próximas décadas.

Ao mesmo tempo, há que se destacar o entendimento do judiciário brasileiro, que tem interpretado o direito adquirido dos funcionários públicos a partir da aprovação do indivíduo no concurso público. Sendo assim, esta é uma outra enorme barreira de difícil resolução. Na administração indireta, que contempla as empresas públicas e estatais, apesar do vínculo nesta modalidade de funcionalismo ser regido pela CLT, esse grupo de funcionários tem o melhor dos dois mundos, pois além da estabilidade, ainda recebem todos os benefícios da CLT, como o FGTS, por exemplo, pelo simples fato de terem sido aprovados em concurso público.

Esse tema ganhou ainda mais dificuldade, burocracia e repercussão nas contas públicas a partir da conclusão do plenário do STF em fevereiro deste ano, em que, demissão sem justa causa de funcionários das empresas públicas e sociedades de economia mista, admitidos por concurso público, deve ser devidamente motivada. Portanto, as razões da dispensa precisam ser claramente indicadas. Esse entendimento provoca ainda mais distorções.

E por fim, com o atual Governo Federal, as chances de uma reforma administrativa são mínimas, porém, o debate público tem que estar presente também na sociedade civil, para no futuro próximo, havendo mudança no cenário político brasileiro, essa pauta possa avançar, de forma a aliviar o peso do custo do estado nas costas da população pagadora de impostos, proporcionando a redução dos gastos, o aumento do engajamento e satisfação do servidor público através de regras mais flexíveis e modernas e consequente melhoria na qualidade do atendimento aos cidadãos.

* Cláudio Costa, Pós-Graduado em Gestão Empresarial pela PUC-MG, executivo Top Of Mind com 35 anos de carreira nas áreas de RH, Sustentabilidade e Gestão, foi Vice-Presidente na TAM, Diretor Executivo na EcoRodovias, Secretário Executivo na PMSP e Executivo de RH na Petrobras. Atualmente atua como Consultor e Conselheiro de Administração.

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