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5 lições para o combate a pobreza em 2024

A centralidade da educação no combate à pobreza é incontestável, especialmente na quebra do ciclo de pobreza intergeracional

Pobreza no Brasil (LightRocket/Getty Images)
Nina Rentel Scheliga

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 27 de dezembro de 2023 às 19h53.

À medida que o tempo passa, os desafios que enfrentamos como sociedade parecem se intensificar. Seja uma impressão pessoal ou uma questão de perspectiva da nossa geração, 2023 foi um ano de transformações no Brasil. Vivenciamos mudanças de governo, o surgimento de novas guerras no cenário mundial e a ocorrência cada vez mais frequente de eventos climáticos intensos, que agora são rotina em algumas regiões do país. Paralelamente, o IBGE divulgou que a taxa de pobreza recuou de 36% para 31% da população no último ano. Embora o cenário apresente uma trajetória positiva historicamente, ainda representa 67 milhões de pessoas vivendo nessa condição, especialmente em áreas com desafios históricos para soluções efetivas, como favelas, comunidades ribeirinhas e sertões. Na expectativa de 2024 ser um ano com mais possibilidades de avanços na pauta, listo algumas aprendizagens deste ano.

1. A pobreza é multidimensional e subjetiva, e assim devem ser suas soluções

A pobreza transcende a questão da renda, manifestando-se através de uma variedade de dimensões que impactam a qualidade de vida. Esta realidade é reconhecida por instrumentos como o Índice de Pobreza Multidimensional de Oxford, além de outras medidas como o Índice de Progresso Social e índices de pobreza multidimensional não monetária, adotados pelo IBGE. Tais indicadores buscam captar as tantas facetas da pobreza. Mas tão importantes quando estes, são os aspectos subjetivos, verdadeiras barreiras para as famílias superarem e se manterem fora da pobreza. As dimensões subjetivas, que incluem saúde mental, autoestima, identidade e experiências traumáticas, são fundamentais para entender a jornada de superação da pobreza.

Neste contexto, intervenções focadas no núcleo familiar devem levar em conta essas nuances subjetivas, representando um desafio significativo para os programas de assistência social. A reestruturação de políticas públicas, como a do Bolsa Família, implica na busca por inspiração em modelos internacionais bem-sucedidos, como o ' Famílias ' do Chile ou o ' Família Paranaense ' no Brasil, e na necessidade de uma colaboração mais intensa com organizações da sociedade civil que adotam abordagens semelhantes. Reforçar as iniciativas de combate à pobreza multidimensional no Brasil é crucial, visando não apenas a mitigação, mas a erradicação completa da pobreza.

2. A geração de renda vai além do emprego formal

Embora a renda seja um componente vital para a qualidade de vida, a opção por empregos formais de baixa remuneração muitas vezes não se mostra atraente. Muitas famílias percebem que aceitar um trabalho formal pode limitar sua liberdade, principalmente quando a remuneração oferecida não é suficiente para melhorar de forma significativa suas condições de vida. Esse cenário sublinha a importância de explorar formas alternativas de geração de renda, que ofereçam maior flexibilidade e se adaptem às necessidades e perfis individuais.

Neste panorama, o empreendedorismo se destaca como uma opção viável, particularmente para mulheres cujas oportunidades de trabalho estão frequentemente vinculadas a responsabilidades domésticas e à disponibilidade de uma rede de apoio. Para muitas delas, a habilidade de balancear tarefas familiares com compromissos profissionais é essencial. Alternativas como negócios sociais podem oferecer soluções inovadoras que conciliam a necessidade de gerar renda com a flexibilidade exigida por essas mulheres. Essas iniciativas podem abrir caminhos para a melhoria da qualidade de vida, fomentando simultaneamente autonomia e empoderamento.

3. Soluções intersetoriais e territoriais para a transformação social

A pobreza em certos territórios decorre de múltiplos fatores. A falta de serviços básicos como saúde e educação, a ausência de espaços para lazer e cultura, e a deficiência em incentivos à cidadania e à valorização da vida são alguns dos aspectos contribuintes. É improvável que uma única entidade ou indivíduo possa, por si só, implementar mudanças significativas nessas áreas. Essa complexidade demanda uma abordagem coletiva e coordenada.

Medellín, na Colômbia, é um exemplo global de transformação social, obtida através de um amplo acordo social para combater a violência. Esse pacto, envolvendo vários setores da sociedade, resultou em significativas mudanças sociais, complementadas por intervenções físicas, que elevaram a cidade a um patamar de dignidade anteriormente inalcançável. Em contraste, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, apesar de promissoras, não conseguiram ir além da ação policial para gerar mudanças reais nas favelas. Recentemente, foi lançado o programa RS Seguro Comunidades, que visa integrar esses conceitos para transformar as favelas das áreas mais violentas com uma série de ações sociais coordenadas. Envolvendo diferentes entidades do poder público e da sociedade civil, este programa tem o potencial de se tornar um novo exemplo de intersetorialidade para a transformação social.

4. A primeira infância é o começo

A centralidade da educação no combate à pobreza é incontestável, especialmente na quebra do ciclo de pobreza intergeracional. O investimento na primeira infância é reconhecido como o mais eficaz para reduzir a probabilidade de uma pessoa perpetuar o ciclo da pobreza. Esse investimento crucial ocorre desde a gestação até os seis anos de idade da criança. Atualmente, apesar de contarmos com um sistema de assistência social para acompanhamento, é fundamental expandir as iniciativas para assegurar a qualidade pedagógica das creches e conscientizar os adultos sobre a importância dos cuidados com crianças nessa faixa etária.

Muitos adultos que vivenciaram a pobreza extrema ao longo da vida são também produto de ambientes marcados pela violência e pelo estresse psicológico profundo imposto aos cuidadores. Iniciar um processo de diálogo com a criança e enfatizar a importância do brincar representa uma abordagem profunda junto aos adultos, podendo impactar significativamente a educação das crianças.

Garantir o acesso à educação de qualidade é apenas o primeiro passo. Embora muitos municípios ainda enfrentem desafios para prover essa cobertura, os estímulos oferecidos às crianças em seus diversos ambientes de convivência são essenciais para assegurar seu desenvolvimento pleno.

5. O socioambiental mais integrado que nunca

O impacto das mudanças climáticas no mundo contemporâneo é cada vez mais palpável e alarmante. Com o aumento da frequência e intensidade de desastres naturais, como inundações, secas e furacões, torna-se imperativo priorizar a preparação e a resiliência desses eventos. As populações mais suscetíveis a esses desastres são as que já ocupam áreas de risco, com infraestruturas inadequadas e sem acesso a tecnologias alternativas. A desigualdade climática tende a ter consequências cada vez mais extremas.

Desenvolver soluções integradas que englobem infraestrutura resiliente, capaz de suportar as adversidades climáticas, e sistemas de alerta precoce, que possam fornecer avisos tempestivos para a população em áreas de risco, é essencial. Além disso, a educação comunitária tem um papel crucial, capacitando as pessoas a entenderem e responderem efetivamente a essas ameaças. Além das medidas emergenciais, é vital repensar o design e a funcionalidade das nossas cidades, com foco especial nos territórios mais vulneráveis. A prevenção e a preservação das vidas humanas devem estar no centro dessas novas concepções urbanísticas. Investimentos em energias renováveis e práticas sustentáveis são também peças-chave no combate às mudanças climáticas, mitigando seus efeitos a longo prazo. A construção de cidades resilientes deve ser um foco central em qualquer processo de urbanização futuro.

2023 revelou a complexa natureza da pobreza no Brasil, destacando a necessidade de estratégias integradas e adaptativas. A educação na primeira infância, a geração de renda além do emprego formal, e as soluções intersetoriais e territoriais emergem como pilares fundamentais. De forma complementar não podemos deixar de lado a estrutura de desigualdade que rege as dinâmicas sociais do Brasil. Enfrentar a pobreza exige um olhar abrangente e inovador, refletindo a dinâmica dos desafios atuais. Felizes festas

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À medida que o tempo passa, os desafios que enfrentamos como sociedade parecem se intensificar. Seja uma impressão pessoal ou uma questão de perspectiva da nossa geração, 2023 foi um ano de transformações no Brasil. Vivenciamos mudanças de governo, o surgimento de novas guerras no cenário mundial e a ocorrência cada vez mais frequente de eventos climáticos intensos, que agora são rotina em algumas regiões do país. Paralelamente, o IBGE divulgou que a taxa de pobreza recuou de 36% para 31% da população no último ano. Embora o cenário apresente uma trajetória positiva historicamente, ainda representa 67 milhões de pessoas vivendo nessa condição, especialmente em áreas com desafios históricos para soluções efetivas, como favelas, comunidades ribeirinhas e sertões. Na expectativa de 2024 ser um ano com mais possibilidades de avanços na pauta, listo algumas aprendizagens deste ano.

1. A pobreza é multidimensional e subjetiva, e assim devem ser suas soluções

A pobreza transcende a questão da renda, manifestando-se através de uma variedade de dimensões que impactam a qualidade de vida. Esta realidade é reconhecida por instrumentos como o Índice de Pobreza Multidimensional de Oxford, além de outras medidas como o Índice de Progresso Social e índices de pobreza multidimensional não monetária, adotados pelo IBGE. Tais indicadores buscam captar as tantas facetas da pobreza. Mas tão importantes quando estes, são os aspectos subjetivos, verdadeiras barreiras para as famílias superarem e se manterem fora da pobreza. As dimensões subjetivas, que incluem saúde mental, autoestima, identidade e experiências traumáticas, são fundamentais para entender a jornada de superação da pobreza.

Neste contexto, intervenções focadas no núcleo familiar devem levar em conta essas nuances subjetivas, representando um desafio significativo para os programas de assistência social. A reestruturação de políticas públicas, como a do Bolsa Família, implica na busca por inspiração em modelos internacionais bem-sucedidos, como o ' Famílias ' do Chile ou o ' Família Paranaense ' no Brasil, e na necessidade de uma colaboração mais intensa com organizações da sociedade civil que adotam abordagens semelhantes. Reforçar as iniciativas de combate à pobreza multidimensional no Brasil é crucial, visando não apenas a mitigação, mas a erradicação completa da pobreza.

2. A geração de renda vai além do emprego formal

Embora a renda seja um componente vital para a qualidade de vida, a opção por empregos formais de baixa remuneração muitas vezes não se mostra atraente. Muitas famílias percebem que aceitar um trabalho formal pode limitar sua liberdade, principalmente quando a remuneração oferecida não é suficiente para melhorar de forma significativa suas condições de vida. Esse cenário sublinha a importância de explorar formas alternativas de geração de renda, que ofereçam maior flexibilidade e se adaptem às necessidades e perfis individuais.

Neste panorama, o empreendedorismo se destaca como uma opção viável, particularmente para mulheres cujas oportunidades de trabalho estão frequentemente vinculadas a responsabilidades domésticas e à disponibilidade de uma rede de apoio. Para muitas delas, a habilidade de balancear tarefas familiares com compromissos profissionais é essencial. Alternativas como negócios sociais podem oferecer soluções inovadoras que conciliam a necessidade de gerar renda com a flexibilidade exigida por essas mulheres. Essas iniciativas podem abrir caminhos para a melhoria da qualidade de vida, fomentando simultaneamente autonomia e empoderamento.

3. Soluções intersetoriais e territoriais para a transformação social

A pobreza em certos territórios decorre de múltiplos fatores. A falta de serviços básicos como saúde e educação, a ausência de espaços para lazer e cultura, e a deficiência em incentivos à cidadania e à valorização da vida são alguns dos aspectos contribuintes. É improvável que uma única entidade ou indivíduo possa, por si só, implementar mudanças significativas nessas áreas. Essa complexidade demanda uma abordagem coletiva e coordenada.

Medellín, na Colômbia, é um exemplo global de transformação social, obtida através de um amplo acordo social para combater a violência. Esse pacto, envolvendo vários setores da sociedade, resultou em significativas mudanças sociais, complementadas por intervenções físicas, que elevaram a cidade a um patamar de dignidade anteriormente inalcançável. Em contraste, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, apesar de promissoras, não conseguiram ir além da ação policial para gerar mudanças reais nas favelas. Recentemente, foi lançado o programa RS Seguro Comunidades, que visa integrar esses conceitos para transformar as favelas das áreas mais violentas com uma série de ações sociais coordenadas. Envolvendo diferentes entidades do poder público e da sociedade civil, este programa tem o potencial de se tornar um novo exemplo de intersetorialidade para a transformação social.

4. A primeira infância é o começo

A centralidade da educação no combate à pobreza é incontestável, especialmente na quebra do ciclo de pobreza intergeracional. O investimento na primeira infância é reconhecido como o mais eficaz para reduzir a probabilidade de uma pessoa perpetuar o ciclo da pobreza. Esse investimento crucial ocorre desde a gestação até os seis anos de idade da criança. Atualmente, apesar de contarmos com um sistema de assistência social para acompanhamento, é fundamental expandir as iniciativas para assegurar a qualidade pedagógica das creches e conscientizar os adultos sobre a importância dos cuidados com crianças nessa faixa etária.

Muitos adultos que vivenciaram a pobreza extrema ao longo da vida são também produto de ambientes marcados pela violência e pelo estresse psicológico profundo imposto aos cuidadores. Iniciar um processo de diálogo com a criança e enfatizar a importância do brincar representa uma abordagem profunda junto aos adultos, podendo impactar significativamente a educação das crianças.

Garantir o acesso à educação de qualidade é apenas o primeiro passo. Embora muitos municípios ainda enfrentem desafios para prover essa cobertura, os estímulos oferecidos às crianças em seus diversos ambientes de convivência são essenciais para assegurar seu desenvolvimento pleno.

5. O socioambiental mais integrado que nunca

O impacto das mudanças climáticas no mundo contemporâneo é cada vez mais palpável e alarmante. Com o aumento da frequência e intensidade de desastres naturais, como inundações, secas e furacões, torna-se imperativo priorizar a preparação e a resiliência desses eventos. As populações mais suscetíveis a esses desastres são as que já ocupam áreas de risco, com infraestruturas inadequadas e sem acesso a tecnologias alternativas. A desigualdade climática tende a ter consequências cada vez mais extremas.

Desenvolver soluções integradas que englobem infraestrutura resiliente, capaz de suportar as adversidades climáticas, e sistemas de alerta precoce, que possam fornecer avisos tempestivos para a população em áreas de risco, é essencial. Além disso, a educação comunitária tem um papel crucial, capacitando as pessoas a entenderem e responderem efetivamente a essas ameaças. Além das medidas emergenciais, é vital repensar o design e a funcionalidade das nossas cidades, com foco especial nos territórios mais vulneráveis. A prevenção e a preservação das vidas humanas devem estar no centro dessas novas concepções urbanísticas. Investimentos em energias renováveis e práticas sustentáveis são também peças-chave no combate às mudanças climáticas, mitigando seus efeitos a longo prazo. A construção de cidades resilientes deve ser um foco central em qualquer processo de urbanização futuro.

2023 revelou a complexa natureza da pobreza no Brasil, destacando a necessidade de estratégias integradas e adaptativas. A educação na primeira infância, a geração de renda além do emprego formal, e as soluções intersetoriais e territoriais emergem como pilares fundamentais. De forma complementar não podemos deixar de lado a estrutura de desigualdade que rege as dinâmicas sociais do Brasil. Enfrentar a pobreza exige um olhar abrangente e inovador, refletindo a dinâmica dos desafios atuais. Felizes festas

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