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Como aprimorar as concessões rodoviárias brasileiras? Pedágio novo só com pista nova

A duplicação de uma rodovia exige investimentos altos, e o pedágio recebido pelo concessionário deve refletir esse diferencial de custo

Policiais e militares russos bloqueiam parte de uma rodovia que dá acesso a Moscou (AFP/Getty Images)
Policiais e militares russos bloqueiam parte de uma rodovia que dá acesso a Moscou (AFP/Getty Images)

Publicado em 9 de agosto de 2023 às, 08h11.

Última atualização em 11 de agosto de 2023 às, 15h23.

Este é o quarto artigo da série com propostas para melhorar as concessões rodoviárias brasileiras. No texto anterior, falamos sobre o critério de licitação. Hoje falaremos sobre ter tarifas distintas conforme o nível de serviço prestado aos usuários, ou mais precisamente, ter uma tarifa mais baixa para pista simples e outra mais altapara pista dupla. Nas últimas rodadas de concessões rodoviárias federais, especialmente na terceira, ocorrida entre 2012-2014, houve um descompasso entre os incentivos para cumprimento do cronograma de obras, principalmente no que diz respeito à duplicação de pistas,e a efetiva realização dessas obras.

Nessa etapa, os contratos previram cobrança de pedágio a partir da conclusão de, pelo menos, 10% das obras. Além disso, a fiscalização dos contratos passou a ser executada com base em parâmetros de desempenho. Em particular, foi criado o Desconto de Reequilíbrio (posteriormente chamado de Fator D), um mecanismo pactuado entre as partes para reequilibrar o contrato, diminuindo a tarifa nos casos de atraso ou inexecução de obras de ampliação de capacidade.

Contudo, a aplicação dos descontos, em geral, depende da atuação proativa da agência reguladora, abrindo procedimento administrativo. Mesmo que realizada, não há garantia em sua efetividade, pois a ação da agência ainda é passiva de questionamento judicial. Um exemplo é caso da BR-040 entre Brasília - DF e Juiz de Fora - MG, concedida em 2014, que previa a conclusão das obras em 2019, e até hoje fez pouco mais que 10% do cronograma, ficou por muitos anos sem a aplicação do desconto. Essa demora permitiu às concessionárias adotarem uma prática de entrega de percentuais baixos de execução, geralmente pouco acima dos 10% mínimos exigidos para o início da cobrança, beneficiando-se por muitos anos da arrecadação tarifária sem sanções efetivas.

Parte desse problema decorre de não haver diferença na tarifa antes e depois da obra de duplicação. A concessionária recebe o mesmo valor de pedágio. Com isso, é vantajoso financeiramente postergar as obras de duplicação.  Apesar de mais pessoas se interessarem em viajar se a qualidade da rodovia for melhor, esse efeito é muito pequeno no volume total de tráfego da rodovia. A receita percebida pelo concessionário pouco se altera após a duplicação, ao passo que seus custos são muito elevados.

E se, em vez de aplicar uma penalização, fosse dada uma remuneração maior ao concessionário após realizar a duplicação? Isso pode ser feito via diferenciação da tarifa entre pista simples e pista dupla. Antes da duplicação, a tarifa seria mais baixa, calibrada como se o contrato não previsse a duplicação, sendo suficiente para cobrir os custos de operação e manutenção de uma via de pista simples. Após a duplicação, o valor seria calibrado para também remunerar os investimentos da duplicação, considerando o prazo remanescente do contrato. Tal calibração deve, no mínimo, eliminar a vantagem financeira em se adiar as obras, podendo até incentivar sua antecipação. Além disso, é um mecanismo menos sujeito a manobras administrativas e judiciais, dado que o evento que dispara sua execução depende da realização das obras pelo concessionário.

O usuário também é beneficiado com a diferenciação tarifária. Passará a pagar mais somente após a duplicação da pista, de forma mais proporcional ao nível do serviço que lhe é prestado, o que também reduziria sua oposição ao projeto.

Mas não necessariamente a diferenciação da tarifa que incentive adequadamente o concessionário é equivalente à percepção de aumento de benefícios pelos usuários. Trafegar em pista dupla permite maior economia de combustível e de tempo, além de maior segurança. Um estudo do BNDES apontou que, em média, os usuários aufeririam na pista dupla ganhos 30% maiores do que trafegar em uma via de pista simples (ambas em boas condições de pavimento). A diferenciação tarifária necessária para incentivar o concessionário pode ser bem maior, da ordem de 3 a 4 vezes em casos de duplicação completa.

Para equacionar tal descompasso, convém estabelecer que a tarifa cobrada do usuário seja distinta da recebida pelo concessionário. Enquanto a via não for duplicada, apenas parte da tarifa paga é repassada ao concessionário, com a diferença sendo depositada numa conta vinculada à concessão, cujos recursos ficam bloqueados. Após a duplicação, a tarifa cobrada é aumentada em cerca de 30%, e passa a ser totalmente repassada ao concessionário. Os valores depositados na conta vinculada se tornam disponíveis ao concessionário. Está aí o incentivo à duplicação.

Com a adoção desse mecanismo nas concessões rodoviárias que demandem duplicações de via, o usuário irá pagar um valor mais justo pelo uso da via enquanto a obra não for concluída, e o concessionário não mais se interessará em postergá-las. E ganha novamente o usuário, que efetivamente passará a contar com rodovias duplicadas, que além de mais rápidas, são mais seguras.

Edson Silveira Sobrinho é PhD em Economia pela University of Houston, EUA. Foi Secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura e um dos principais executivos do Ministério da Economia a liderar reformas regulatórias nos setores de ferrovias, rodovias, aeroportos, saneamento, energia e telecomunicações.

Bruno Sad, PMP, é engenheiro civil pela UnB. Foi Subsecretário de Regulação e Mercados de Infraestrutura do Ministério da Economia. Atualmente é Superintendente Especial do Programa de Parcerias Público Privadas de Sergipe.

Fabiano Pompermayer é Doutor em Engenharia de Produção pela PUC-Rio. É pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e foi Subsecretário de Planejamento de Infraestrutura Nacional no Ministério da Economia.

Marco Boareto é engenheiro civil com especialização em engenharia geotécnica, engenharia ferroviária e gestão de políticas e ciências ambientais. Ele trabalha no serviço público federal desde 2013 e atualmente é chefe de divisão do Departamento de Infraestrutura e Melhoria do Ambiente de Negócios do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

O grupo Infra 2038 é um movimento sem fins lucrativos iniciado em 2017, formado por mais de 100 pessoas físicas com grande experiência no setor de infraestrutura. O grupo é movido pela crença que o país precisa avançar fortemente em sua infraestrutura para garantir um aumento de produtividade que, por sua vez, trará ao Brasil uma maior competitividade internacional. Saiba mais aqui