Socialismo e a mulher no trabalho: sinal do pós-reunificação da Alemanha

Por Leandro S. Pongeluppe*

Até que ponto atitudes individuais são afetadas por regimes políticos e políticas governamentais? Essa é a pergunta de pesquisa de um trabalho de Pamela Campa e Michel Serafinelli publicado no Review of Economics and Statistics em 2019. O estudo visa entender o comportamento e as atitudes de mulheres no mercado de trabalho após a queda do muro de Berlim em 1989. E, para isso, os autores fazem uso de uma técnica de avaliação de impacto bem conhecida, a regressão descontínua.

Na tentativa de responder à pergunta de pesquisa, os autores do trabalho coletaram dados sobre a percepção feminina a respeito da importância do seu sucesso no mercado de trabalho. Estas informações eram oriundas do GSOEP (German Socioeconomic Panel) de 1990, uma espécie de PNAD alemã, a qual realizava um levantamento sistemático domiciliar anual na pós-reunificação alemã.

Com a informação sobre o quanto as mulheres acreditavam ser importante ter sucesso em suas carrerias profissionais, os autores verificaram o quanto essa percepção variava de acordo com a distância da residência destas mulheres em relação ao muro de Berlim (descontinuidade espacial). Ou seja, os autores conseguiriam verificar qual o efeito, na percepção das mulheres sobre a importância do sucesso profissional, de residir na Alemanha Oriental, socialista, em comparação com suas vizinhas imediatas que residiram na Alemanha Ocidental, capitalista.

Os resultados são bastante interessantes. Tanto os homens quanto as mulheres da Alemanha Oriental tendiam a ser mais direcionados a suas carreiras profissionais do que seus pares do lado Ocidental. Contudo, apenas as mulheres apresentam uma diferença significativa quando analisadas no modelo de regressão descontínua espacial. Em outras palavras, mulheres da Alemanha Oriental que moravam próximas ao muro tendiam a ser significativamente mais focadas em seu desenvolvimento profissional do que suas respectivas compatriotas da Alemanha Ocidental.

O trabalho segue avaliando os mecanismos por trás deste resultado. A hipótese levantada pelos autores é que políticas voltadas para as mulheres fizeram diferença na percepção que estas tinham sobre a carreira profissional. Enquanto a Alemanha Ocidental adotou um sistema que incentivava as mulheres a permanecer mais tempo em casa cuidando do lar, a Alemanha Oriental estimulava a participação feminina no mercado de trabalho. Consistente com essa hipótese, os autores encontram que a percepção da importância de ter sucesso profissional é mais intensa em áreas com maior crescimento na taxa de emprego feminino e localidades mais expostas à propaganda da TV da Alemanha Oriental.

O trabalho de Campa e Serafinelli mostra como a avaliação de impacto pode ser utilizada em vários contextos e para responder às mais variadas perguntas. O uso da regressão descontínua pelos autores emerge como uma oportunidade interessante de analisar as especificidades pelas quais os comportamentos são afetados por diferentes regimes políticos.

*Leandro S. Pongeluppe é recém-contratado professor assistente da Wharton School, University of Pennsylvania. Ph.D. pelo departamento de gestão estratégica da Rotman School of Management, University of Toronto. É especialista em avaliação de impacto socioambiental. Seus principais interesses de pesquisa são compreender como a gestão de organizações pode contribuir com o avanço dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.