Repensando a desigualdade no mercado de trabalho
O debate sobre desigualdade racial pode ser resumido a uma questão: ela se deve a diferenças socioeconômicas ou à discriminação contra minorias?
Publicado em 1 de fevereiro de 2022 às, 09h00.
Por Sergio Firpo*, Michael França** e Alysson Portella***
O debate sobre desigualdade racial, no Brasil e no mundo, pode ser resumido a uma questão de fundo: ela se deve a diferenças socioeconômicas e de qualificação ou à discriminação contra minorias?
A resposta a essa pergunta condicionará as ações que devem ser tomadas para corrigir esse problema. Se o motivo for unicamente socioeconômico, então políticas públicas voltadas aos mais desfavorecidos, sem critério racial, seriam suficientes. Caso contrário, ações deverão incluir um enfoque racial, pois políticas universais não dariam conta de remover barreiras impostas pelo racismo. Essa questão surge com ainda mais força neste ano, em que a Lei de Cotas completa 10 anos.
O que as pesquisas dizem sobre o tema? Em relatório recente produzido pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper, nos debruçamos sobre essa questão, revisando algumas evidências sobre o tema no Brasil e nos EUA, assim como apresentando dados.
Como é de se esperar, a resposta fica num meio termo entre os dois extremos. Sim, uma parte considerável das diferenças raciais no mercado de trabalho vem de diferenças na qualificação dos indivíduos, em particular sua escolaridade e área de formação. Mas isso não explica tudo.
Com base neste diagnóstico, o que é possível ser feito por parte da sociedade e entes privados? Em primeiro lugar, educação de qualidade deve ser garantida a todos os brasileiros, a despeito de sua raça ou origem social. Isso inclui a manutenção de políticas como a de ação afirmativa nas universidades públicas, cujo sucesso em elevar a diversidade nas universidades já foi comprovado.
No entanto, apenas elas não irão bastar. As diferenças raciais na qualidade do ensino se mantêm, como pode ser visto a partir de nossa análise do desempenho dos estudantes brancos e negros no ENEM.
A redução da desvantagem nessa dimensão requer não apenas uma melhoria geral na qualidade da educação, mas também ações que visem garantir o desenvolvimento infantil desde a gravidez. Essas ações devem incorporar a questão racial e ser avaliadas regularmente para que se possa verificar se de fato estão cumprindo o objetivo de reduzir o atraso relativo das crianças negras.
Por fim, o setor privado deve estar alerta para os desequilíbrios raciais dentro das empresas. Mesmo sem intenções discriminatórias, processos de contratação e promoção podem perpetuar resultados desiguais, institucionalizando práticas excludentes.
Nas últimas décadas houve um claro aumento no número de profissionais negros com ensino superior completo. A falta de qualificação não deve mais ser usada como razão para a falta de diversidade nas empresas. A inabilidade em encontrar talentos se deve também ao método de prospecção e seleção utilizado. Caso haja realmente baixa qualificação, cabe às empresas assumir papel ativo e repensar processos de contratação e treinamento.
Para ter sucesso, a luta contra a desigualdade deve incorporar todos os atores, abordar os mais diversos temas e agir de forma ativa. Ou seja, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.
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Texto em homenagem à música “Menino de Pé no Chão”, dos compositores Helinho Salgueiro e Jarbas de Souza, interpretado por Neguinho da Beija-Flor. Agradecemos à organização Parceiros da Educação pelo financiamento do relatório.
*Sergio Firpo é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley.
**Michael França é doutor em Teoria Econômica pela USP.
***Alysson Portella é doutor em Economia dos Negócios pelo Insper.