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Poder de mercado pode agravar a alta do preço do gás de cozinha?

Diferente do que normalmente se pensa sobre o setor, encontramos evidência de poder de mercado no segmento de revenda

 (Pedro Ventura/agencia brasilia/Divulgação)
(Pedro Ventura/agencia brasilia/Divulgação)
I
Impacto Social

Publicado em 22 de março de 2022 às, 10h00.

Última atualização em 22 de março de 2022 às, 17h35.

Por Carolina Melo*, Rodrigo Moita** e Stefanie Sunao***

O aumento do preço internacional do petróleo e gás, agravado pela guerra da Ucrânia, acarreta aumentos de preços expressivos no mercado brasileiro destes produtos, e do GLP em particular. Como o gás de cozinha está presente em mais de 90% dos domicílios do país e o preço do botijão pode representar uma fração relevante da renda das famílias, questões relacionadas à regulação do setor vêm à tona em períodos de alta de preços. Nesse contexto, desenvolvemos um estudo empírico em que utilizamos estimativas da elasticidade da demanda e do repasse de um choque de custo em diferentes níveis da cadeia de suprimentos de GLP para alimentar um modelo teórico e dizer algo sobre o poder de mercado no setor. Diferente do que normalmente se pensa sobre o setor, encontramos evidência de poder de mercado no segmento de revenda.

Utilizamos uma metodologia de diferença-em-diferenças , com base em um choque no ICMS de Minas Gerais (MG) ocorrido em janeiro de 2017. A metodologia nos permite comparar o preço do GLP em municípios que sofreram o choque com outros que não sofreram (localizados em estados vizinhos a MG), antes versus depois. Assim, conseguimos estimar o efeito do aumento de ICMS sobre o preço do GLP – isto é, estimar o repasse – e, num segundo estágio, estimar o efeito do preço sobre a quantidade vendida – isto é, estimar a demanda.

Os resultados mostram que, para um aumento de R$ 1 no ICMS, o preço do gás de cozinha aumenta R$ 0,76 na cadeia de suprimentos como um todo. No entanto, quando olhamos para os diferentes segmentos da cadeia separadamente, a história é um pouco diferente. Um aumento de R$ 1 no ICMS gera um aumento de apenas R$ 0,61 no preço de distribuição. Ou seja, a taxa de repasse do distribuidor para o revendedor é 61%. O revendedor, por sua vez, aumenta sua margem e repassa 124% do choque que sofreu para o consumidor final.

As estimações da demanda revelam uma elasticidade maior do que 1, ou seja, a quantidade demandada responde a variações de preço – o que vai contra a hipótese comumente feita de que a demanda por GLP é inelástica. Alternativamente, nossos resultados corroboram a evidência anedótica de que famílias de baixa renda substituem o gás de cozinha por lenha ou outros combustíveis mais baratos em épocas de preço elevado. Uma implicação disso é que aumentos de preço devem gerar redução significativa da quantidade demandada pelos consumidores, principalmente pelos de renda mais baixa, com impactos negativos para o bem-estar desse grupo.

Utilizamos as estimativas do repasse e da demanda para calibrar um modelo teórico e calcular um parâmetro que mede poder de mercado. Encontramos um alto poder de mercado na cadeia de suprimentos como um todo e um poder de mercado ainda mais alto no segmento de revenda isoladamente. Isso sugere que, apesar de o repasse da cadeia ser incompleto, o preço que chega ao consumidor final poderia ser mais baixo se o revendedor não aumentasse sua margem ao sofrer um choque de custo. Dessa forma, o estudo sugere que regulações que visem garantir a competitividade no mercado de revenda de GLP podem ser chave para o bem-estar do consumidor final.

*Carolina Melo é doutora em Economia pelo Insper, mestre em Administração Pública pela Columbia University e bacharel em Administração de Empresas pela University of North Florida. Trabalha como pesquisadora de pós-doutorado no Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância (CPAPI).

**Rodrigo Moita é PhD em Economia pela University of Illinois em Urbana Champaign, mestre e bacharel em Economia pela FEA/USP. Professor de Economia na FEA/USP e com interesses de pesquisa que permeiam os temas de transporte urbano, economia da energia, econometria estrutural, estimação de demanda, regulação de mercado e organização industrial.

***Stefanie Sunao é doutoranda em Economia no Insper e graduada em Economia pela FEA/USP. Trabalha como pesquisadora da Cátedra Instituto Unibanco e pesquisa com ênfase em Métodos Quantitativos em Economia.