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Monetização de impacto: até que ponto é possível a transformação em dinheiro?

A monetização de impacto esbarra em limitações relacionadas à conversão em valores monetários de atributos mais abstratos ou intangíveis

 (RafaPress/Getty Images)
(RafaPress/Getty Images)
I
Impacto Social

Publicado em 28 de setembro de 2022 às, 10h30.

Por Jorge Ikawa* e Octavio Augusto de Barros**

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

Em artigos recentes, trouxemos uma discussão sobre abordagens de monetização de impacto. Em nossa última publicação sobre o assunto, apresentamos uma comparação entre algumas das principais metodologias neste campo. Embora possam dar a impressão de uma medida mais objetiva para comparação e seleção de projetos de impacto socioambiental, tais abordagens podem envolver uma série de dilemas sob o ponto de vista ético e moral. Esse texto tem por objetivo discutir algumas dessas questões, tópico este aprofundado aqui, no guia de monetização de impacto, elaborado pelo Insper Metricis, em parceria com a GK Ventures.

De maneira geral, a monetização de impacto esbarra em limitações relacionadas à conversão em valores monetários de atributos mais abstratos ou intangíveis. Por exemplo, qual deveria ser o valor de uma vida? Todos os seres humanos deveriam ter o mesmo valor? O filme Quanto Vale? toca nesse tema, mostrando a dificuldade de se calcular as indenizações a serem pagas às vítimas dos atentados de 11 de setembro (aqui você encontra algumas referências de valores atribuídos por agências públicas à vida).

A pergunta sobre o valor de uma vida, além de difícil resposta, passa ainda por considerações relacionadas a quão ético seria valorar um direito fundamental. Imagine ter que comparar o valor da vida de uma pessoa desconhecida com a vida de um ente querido. Seria razoável computar o valor da vida dessas duas pessoas da mesma forma? De um ponto de vista utilitarista, pesquisadores assumiriam que sim, enquanto outras perspectivas filosóficas assumem ser impossível definir o valor de uma vida, sendo esta um direito inalienável. Assim, abordagens de monetização de impacto não convergem nas respostas a essa pergunta.

Adicionalmente, a monetização pode ser interpretativa. Por exemplo, considere o caso de um projeto de desenvolvimento de habilidades musicais para jovens. Suponha que dois pesquisadores façam parte da equipe de análise dos dados. Um deles é músico e passou por um programa similar, enquanto o outro não possui experiência musical ou participação em grupos de jovens de qualquer natureza. Nesse caso, pode-se esperar que as percepções dos pesquisadores influenciarão a forma como eles quantificarão os resultados das ações.

Dessa forma, as abordagens de monetização de impacto devem ser vistas com certa cautela. Mesmo a sua utilização como única medida para priorização de projetos precisa ser avaliada com muitas ressalvas. Em alguns casos, determinados direitos básicos difíceis de ser monetizados podem ser vistos como prioritários. Em outros, projetos de certos segmentos podem apresentar um grau mais elevado de prioridade. Dessa forma, é importante que as técnicas para conversão em valores monetários, quanto utilizadas, sempre sejam acompanhadas de outras análises, tais como definição de direitos básicos considerados prioritários e/ou segmentos com maior foco, por exemplo.

*Jorge Ikawa é doutor em Economia dos Negócios pelo Insper, bacharel em Economia pela FEARP-USP e formado em Jornalismo pela ECA-USP.

** Octavio Augusto de Barros é doutorando em Economia dos Negócios pelo Insper. É graduado em Economia pela FGV-SP e mestre em Estratégia Empresarial pela mesma instituição. Atua como pesquisador nas áreas de Avaliação de Impacto Socioambiental e Estratégia Organizacional.