Exame Logo

Cuidar do trabalho mais importante do mundo é preciso

O que impede o avanço das discussões a respeito de cuidado e valorização da maternidade?

"Nosso Olhar propõe uma mudança social tanto para homens quanto mulheres", comenta Yasmine McDougall Sterea. (Ariel Skelley/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 12 de julho de 2022 às 10h00.

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.

Por Regina Madalozzo*

Um dos livros que motivou grande parte das minhas pesquisas acadêmicas se chama “ The Price of Motherhood: why the most important job in the world is still the least valued ”¹ de Ann Crittenden. Usando dados do final do século passado, a autora mostra o paradoxo entre o que a sociedade acredita que seja importante e como essa importância não se traduz em remuneração equitativa ou verdadeira valorização desse trabalho. Passados 22 anos, poderíamos revisar esse livro e continuaríamos com constatações muito semelhantes. O que impede o avanço das discussões a respeito de cuidado e valorização da maternidade?

Parte pode ser explicada pela contínua valorização quase que exclusiva da produtividade no mercado remunerado em detrimento às horas dedicadas aos trabalhos domésticos e de cuidado. Aparentemente, como sociedade, temos muita dificuldade em entender que esse trabalho – chamado “reprodutivo” – é importante também para a perenidade das próprias empresas e para a sociedade como um todo. No entanto, parte dessa falta de valorização do cuidado também se deve ao baixo interesse em entendermos as reais demandas da sociedade. Um exemplo é a medida provisória Emprega + Mulheres e Jovens. Supostamente, uma série de iniciativas interessantes para aumentar a participação no mercado de trabalho desses dois grupos com grandes dificuldades de inserção. Entretanto, em meio à boa vontade, parece ter existido, no mínimo, uma escassez de contato com informações adequadas para a tomada de decisão.

Um dos grandes problemas do nosso país é a informalidade no mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE, no início de 2022, 40% dos trabalhadores não possuía contrato formal. A essa parcela da população nenhum direito trabalhista é garantido. Operamos em um mercado de trabalho dual onde a qualidade do emprego para uma parcela da população é, comparativamente, alta e, para a outra parcela, baixíssima.

Uma medida provisória que embase todas as suas novas propostas para pessoas com carteira assinada é, no mínimo, aceleradora de desigualdades. Ao possibilitar novos direitos – como prioridade na flexibilização de trabalho remoto e alternativa de divisão da licença maternidade adicional com o pai da criança recém-nascida – somente às pessoas que já se encontram em uma posição privilegiada nesse mercado, aumenta-se a disparidade de condições de trabalho entre os dois grupos (formal e informal) e, em um país com tamanha desigualdade social, somente a aprofunda.

Um exemplo disso são as mães de São Paulo, que estão matriculando seus filhos em creches públicas antes dos 4 meses de idade. De acordo com levantamento da Folha de São Paulo, em maio de 2022, o número de crianças com menos de 2 meses de idade frequentando creches públicas aumentou 22 vezes com relação ao que tínhamos antes da pandemia. A precarização do trabalho e a informalidade de uma parte muito significativa do trabalho de mulheres fazem com que seja inviável uma mãe, pessoa com o trabalho mais importante do mundo, permanecer com seu bebê pelo mínimo período de 120 dias, conforme previsto pela licença maternidade vigente no país.

Enquanto não conseguirmos pensar em um país e uma sociedade inclusiva, que conceda direitos e deveres iguais para todas as pessoas – realmente, independentemente de sua raça/cor/etnia, gênero, idade, condição social, entre outros –, permaneceremos desvalorizando algumas características e atitudes – como o ato de cuidar – e reforçando a ideia de uma meritocracia utópica. A busca por justiça e igualdade social requer mais do que boa vontade. Ela precisa de coragem política, informação adequada e muita transformação social.

* Regina Madalozzo é sócia da Moura Madalozzo Consultoria Econômica, onde atua em projetos de diversidade de gênero nas empresas. Academicamente, produz suas pesquisas como associada ao GeFam. Regina é PhD em Economia pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.

¹Em tradução livre, seria: O preço da maternidade: porque o trabalho mais importante do mundo é ainda o de menor valor.

Veja também

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.

Por Regina Madalozzo*

Um dos livros que motivou grande parte das minhas pesquisas acadêmicas se chama “ The Price of Motherhood: why the most important job in the world is still the least valued ”¹ de Ann Crittenden. Usando dados do final do século passado, a autora mostra o paradoxo entre o que a sociedade acredita que seja importante e como essa importância não se traduz em remuneração equitativa ou verdadeira valorização desse trabalho. Passados 22 anos, poderíamos revisar esse livro e continuaríamos com constatações muito semelhantes. O que impede o avanço das discussões a respeito de cuidado e valorização da maternidade?

Parte pode ser explicada pela contínua valorização quase que exclusiva da produtividade no mercado remunerado em detrimento às horas dedicadas aos trabalhos domésticos e de cuidado. Aparentemente, como sociedade, temos muita dificuldade em entender que esse trabalho – chamado “reprodutivo” – é importante também para a perenidade das próprias empresas e para a sociedade como um todo. No entanto, parte dessa falta de valorização do cuidado também se deve ao baixo interesse em entendermos as reais demandas da sociedade. Um exemplo é a medida provisória Emprega + Mulheres e Jovens. Supostamente, uma série de iniciativas interessantes para aumentar a participação no mercado de trabalho desses dois grupos com grandes dificuldades de inserção. Entretanto, em meio à boa vontade, parece ter existido, no mínimo, uma escassez de contato com informações adequadas para a tomada de decisão.

Um dos grandes problemas do nosso país é a informalidade no mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE, no início de 2022, 40% dos trabalhadores não possuía contrato formal. A essa parcela da população nenhum direito trabalhista é garantido. Operamos em um mercado de trabalho dual onde a qualidade do emprego para uma parcela da população é, comparativamente, alta e, para a outra parcela, baixíssima.

Uma medida provisória que embase todas as suas novas propostas para pessoas com carteira assinada é, no mínimo, aceleradora de desigualdades. Ao possibilitar novos direitos – como prioridade na flexibilização de trabalho remoto e alternativa de divisão da licença maternidade adicional com o pai da criança recém-nascida – somente às pessoas que já se encontram em uma posição privilegiada nesse mercado, aumenta-se a disparidade de condições de trabalho entre os dois grupos (formal e informal) e, em um país com tamanha desigualdade social, somente a aprofunda.

Um exemplo disso são as mães de São Paulo, que estão matriculando seus filhos em creches públicas antes dos 4 meses de idade. De acordo com levantamento da Folha de São Paulo, em maio de 2022, o número de crianças com menos de 2 meses de idade frequentando creches públicas aumentou 22 vezes com relação ao que tínhamos antes da pandemia. A precarização do trabalho e a informalidade de uma parte muito significativa do trabalho de mulheres fazem com que seja inviável uma mãe, pessoa com o trabalho mais importante do mundo, permanecer com seu bebê pelo mínimo período de 120 dias, conforme previsto pela licença maternidade vigente no país.

Enquanto não conseguirmos pensar em um país e uma sociedade inclusiva, que conceda direitos e deveres iguais para todas as pessoas – realmente, independentemente de sua raça/cor/etnia, gênero, idade, condição social, entre outros –, permaneceremos desvalorizando algumas características e atitudes – como o ato de cuidar – e reforçando a ideia de uma meritocracia utópica. A busca por justiça e igualdade social requer mais do que boa vontade. Ela precisa de coragem política, informação adequada e muita transformação social.

* Regina Madalozzo é sócia da Moura Madalozzo Consultoria Econômica, onde atua em projetos de diversidade de gênero nas empresas. Academicamente, produz suas pesquisas como associada ao GeFam. Regina é PhD em Economia pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.

¹Em tradução livre, seria: O preço da maternidade: porque o trabalho mais importante do mundo é ainda o de menor valor.

Acompanhe tudo sobre:Dia das Mãesfuturo-do-trabalhoLicença-maternidade

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se