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Na corrida desenfreada pelo ouro, todos saem perdendo

Garimpo ilegal triplica na Amazônia em 20 anos e causa graves impactos socioambientais, ameaçando a biodiversidade e a vida dos povos originários

Garimpo: Milhares de garimpeiros chegaram recentemente  à região amazônica para a extração ilegal do ouro (André Dib/Pulsar)
Garimpo: Milhares de garimpeiros chegaram recentemente à região amazônica para a extração ilegal do ouro (André Dib/Pulsar)

O valor da Amazônia é incomparável ao preço do ouro - sobretudo quando associado à ilegalidade. Mas, parece que nem todos estão prontos para essa conversa séria e urgente. Entre 2000 e 2022, a área de garimpo ilegal triplicou na Amazônia, saltando de 74.076 hectares para preocupantes 241.019 hectares, uma área duas vezes maior do que a cidade do Rio de Janeiro. Esse crescimento exponencial fomenta a perda irreparável da biodiversidade e concentra-se principalmente em regiões como o Tapajós, no Pará, e na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Os povos originários são as principais vítimas dessa atividade criminosa, uma vez que atinge diretamente seu território e estilo de vida. 

Para se ter uma ideia da dimensão do garimpo, basta comparar com a mineração industrial, aquela praticada por grandes empresas. A mineração industrial também triplicou de área. Foi de 22.420 hectares no ano de 2000 para 66.073 hectares em 2022. Mesmo assim, a mineração industrial ocupa um terço da área do garimpo. A diferença no impacto e no grau de controle das duas formas de extração é relevante. A mineração industrial é executada por empresas muitas vezes de capital aberto (contrada por acionistas), com reputação a zelar, controles de qualidade, necessidades de obtenção de licenças e outras formas de controle. Em geral, são grandes geradoras de emprego e renda na região. Já o garimpo é realizado de forma artesanal, com pouco conhecimento, pouca técnica, e diversos graus de clandestinidade, ilegalidade. Em alguns casos envolve associação com atividades criminosas, como contrabando e tráfico de drogas. Hoje, de forma geral, a mineração industrial faz parte da solução para o desenvolvimento da Amazônia. E o garimpo é parte importante do problema.

O estado do Pará é o com maior abertura do solo para mineração e também o maior produtor de minérios da região. Essa atividade acontece de forma autorizada em 16 municípios paraenses, principalmente para a extração de minério de ferro, bauxita, caulim, calcário, níquel, manganês e ouro. A transformação mineral, por sua vez, está concentrada em apenas dois municípios: Marabá e Barcarena.

Os dados são do novo estudo Fatos da Amazônia 2024, do projeto Amazônia 2030, que destaca as principais informações da Amazônia Legal. Segundo os pesquisadores, ações mais eficazes por parte do governo e da comunidade internacional são necessárias para combater o garimpo ilegal. A verdade é que já sabemos como agir contra esse crime, mas nos falta competência para cumprir na prática deveres de monitoramento, fiscalização e efetividade de políticas públicas sustentáveis. Isso significa que a falta de uma unidade forte e atuante em termos ambientais permite que a exploração de recursos naturais seja inconsequente.

O garimpo ilegal consiste na invasão e apropriação de espaços públicos, como terras indígenas e unidades de preservação, ou até mesmo áreas privadas que não pertencem ao garimpeiro, para atender a interesses particulares. O processo de ocupação é violento e está diretamente ligado ao aumento da criminalidade na Amazônia - é o que diz o estudo Ilegalidade e Violência na Amazônia, também do projeto Amazônia 2030. Conflitos com garimpeiros armados são frequentes, resultando em mortes, feridos e comunidades locais desestruturadas. Já a terra sofre com o desmatamento, a remoção do solo e a contaminação por mercúrio para depois ser abandonado. Não há compromisso ou responsabilidade - nem com o território, nem com os grupos locais.

Os Yanomami são as principais vítimas do crime ambiental. Eles são acometidos por uma crise humanitária causada pelo garimpo ilegal. Nesse sentido, o avanço da exploração garimpeira destroi os cursos d’água e os peixes que sustentam a população, espalha doenças como a malária e desestrutura a comunidade - não somente no viés geográfico, mas também cultural -, além de explorar e abusar dos corpos indígenas. Suas vidas são violadas por um genocídio quase silecioso, que parece só fazer  barulho e chamar atenção quando hashtags como 'Cadê os Yanomami?' ganham as redes - e logo depois caem no esquecimento. Isso porque esse tipo de movimento, quando desacompanhado de medidas públicas eficazes, perde-se na avalanche  de informações do digital e não traz mudanças de realidade. Então, enquanto o garimpo ilegal continua a crescer abastecido por uma série de negligências que o fortifica,  nossa fauna,  flora e humanidade são corroídas.

Os prejuízos do garimpo ilegal já estão claros - você não precisa pagar para vê-los, mesmo que insista em desejar aquele cordão ou anel de ouro com aparência inofensiva e acabe por realmente financiar o crime ambiental. Caso ainda não tenha percebido, o privilégio é poder ostentar nossas florestas em pé. Para isso, um estado competente e comprometido com pautas verdes deve ser efetivo na preservação de recursos naturais e na mitigação de ocorrência de atividades ilegais. Implementar políticas de fiscalização rigorosa, apoiar comunidades afetadas  e promover alternativas econômicas sustentáveis são medidas urgentes que devem ser adotadas para ontem. Somente assim, a Amazônia e a vida humana estarão seguras. E vale lembrar que a empatia e a sustentabilidade são os verdadeiros luxos que valem a pena - afinal, na luta desenfreada pelo ouro, não há vencedores.

Com Luna Galera