Como as empresas brasileiras podem cuidar do clima e gerar valor
Para advogada ambiental, o Brasil precisa de arcabouço legal internacionalmente reconhecido para que as companhias vendam seus créditos de carbono
Da Redação
Publicado em 28 de setembro de 2021 às 10h21.
As empresas brasileiras estão passando por um momento de despertar para as mudanças climáticas. Em parte, isso é causado pelo aumento dos efeitos da crise climática, seja a falta de água, de energia ou os eventos extremos, como tempestades de água ou de areia. Em parte, a tomada de consciência acontece porque a transição para a economia de baixo (ou zero) carbono no mundo todo gera oportunidades de negócios. O que as empresas precisam fazer agora? Qual é a urgência de medir suas emissões e estabelecer metas de redução? Quais são as oportunidades para venda de créditos de carbono no Brasil? O que esperar dos próximos anos? Para responder a essas perguntas, conversei com Daniela Stump é advogada ambiental, head de ESG do DC Associados. Ela tem longa prática de aconselhamento de empresas na área ambiental e de acompanhamento da evolução da legislação brasileira e das exigências internacionais. Respondeu às principais dúvidas dos gestores ambientais das empresas brasileiras hoje e apontou o que o setor privado brasileiro pode fazer para melhorar o clima e gerar valor. “Empresas brasileiras já estão contabilizando as suas remoções na expectativa de oferecer os seus créditos em um futuro mercado internacional”, diz Daniela. “É preciso, no entanto, que criemos um arcabouço institucional sólido e consistente que nos permita comprovar que as reduções”.
Como uma empresa brasileira hoje deve se posicionar em relação às suas emissões de GEE (gases de efeito estufa)?
Há um esforço global para o alcance do objetivo do Acordo de Paris, que visa à manutenção do aumento da temperatura média global bem abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais assim como à implementação de esforços para limitar esse aumento da temperatura até 1,5ºC. O IPCC confirmou que, para atingir esse objetivo, o mundo precisa reduzir pela metade as emissões de GEE até 2030 e alcançar as emissões líquidas-zero até meados do século. Algumas empresas brasileiras já adotaram compromissos voluntários que vão ao encontro das recomendações científicas, o que envolve a redução ao máximo das emissões geradas por suas atividades e a compensação das emissões residuais por atividades de remoção de carbono da atmosfera. É importante que as empresas comprometidas com a mitigação das mudanças climáticas saibam onde ocorrem as suas emissões de GEE e quais são as oportunidades de redução. É preciso também ter um plano de ação consistente, traçar metas intermediárias e definir os responsáveis pelo seu cumprimento.
A lei brasileira exige alguma coisa hoje?
O Brasil comprometeu-se, no âmbito do Acordo de Paris, a reduzir as suas emissões absolutas, em 37% até 2025 e em 43% até 2030, em comparação com as emissões de 2005. O país afirmou a compatibilidade dessas metas com um possível compromisso de longo prazo para alcançar emissões líquidas nulas em 2060. O país deverá prestar contas sobre o compromisso assumido, mas possui soberania para escolher a forma como irá alcançá-lo. Até o momento, existe apenas um setor da economia sujeito à meta compulsória de redução de emissões – o de distribuição de combustíveis. A obrigação foi regulamentada no âmbito do programa Renovabio – iniciativa que busca reduzir as emissões de CO2 no setor de transportes. Para o cumprimento das metas individuais, as distribuidoras devem se valer de Créditos de Descarbonização (CBIOs) gerados pela indústria de biocombustíveis. Outros setores intensivos em emissões de carbono ainda não são obrigados a reduzir as suas emissões, diferente do que já ocorre em muitos países.
As empresas brasileiras que atuam no mercado internacional serão afetadas por restrições nos outros países?
Daniela - Com a ampliação do número de agentes privados submetidos à internalização do custo de carbono, há o surgimento de políticas que pretendem nivelar o ambiente competitivo e evitar a fuga de emissões para locais em que a regulação do carbono é menos restritiva. A União Europeia, por exemplo, colocou em consulta pública um instrumento denominado Carbon Border Adjustment Mechanism, que visa cobrir as emissões liberadas na produção de bens intensivos em carbono que adentram o território europeu. No início, os importadores estarão sujeitos ao reporte de informações sobre emissões associadas à produção dos bens importados e, em uma etapa seguinte, deverão adquirir certificados CBAM que compensem tais emissões, caso não estejam sujeitos a esquema de formação de preço de carbono similar ao europeu em seus países de origem.
A legislação brasileira tende a mudar?
Daniela - Nesse contexto global, ressurge a ideia de regulamentar o Mercado Brasileiro de Reduções de Emissões, o qual já é previsto pela Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), instituída pela Lei Federal nº 12.187/2009. O movimento empresarial encabeçado pelo Conselho Empresarial pelo Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) elaborou uma proposta de substitutivo ao Projeto de Lei (PL) nº 528, que está tramitando na Câmara dos Deputados. O PL visa incentivar o mercado voluntário de créditos de carbono no país. Já a proposta do CEBDS edifica os pilares do mercado de carbono regulado no país consistente em um sistema cap-and-trade (limite e troca de créditos), em que haverá a imposição de um limite de emissões para os agentes regulados, associado à comercialização de permissões de emissões por aqueles que reduziram mais que o obrigatório e também de créditos advindos de projetos de compensação.
Uma empresa brasileira que reduz emissões hoje pode ganhar algum crédito por isso?
Sim, no mercado voluntário de carbono, em que as reduções ou remoções de emissões são verificadas de acordo com padrões aos quais os desenvolvedores de projetos aderem. Exemplos conhecidos desses padrões são o Verified Carbon Standard e o Gold Standard. Interessante destacar que alguns padrões levam em consideração, para a certificação, outros atributos sociais e ambientais do projeto de redução de emissões, como o envolvimento de comunidades e preservação da biodiversidade. O mercado está bem aquecido com a demanda de empresas que querem compensar as suas emissões e contribuir com outros aspectos da sustentabilidade, mesmo que não sejam obrigadas a isso.
Como estão os mercados internacionais de carbono?
Segundo estudo do Banco Mundial, já são 64 instrumentos de precificação de carbono em operação, cobrindo um pouco mais de 20% das emissões globais. Incluem iniciativas voltadas à tributação e sistemas de comércio de emissões em âmbito regional, nacional ou subnacional – tais como o European Emissions Trade Scheme (EU-ETS), o sistema de comércio de emissões chinês e o mercado que reúne estados do oeste americano (Regional Greenhouse Gas Initiative - RGGI). Cada qual com as suas regras de operação, seleção de setores envolvidos e esquemas de compensação de emissões próprios. Há perspectiva de junção de alguns mercados regulados, mas ainda são poucas as iniciativas concretas.
A Conferência do Clima em Glasgow de 26 de outubro a 7 de novembro irá ajudar a criar um mercado internacional de carbono?
Na agenda da conferência de Glasgow está a discussão da regulamentação de dois instrumentos de mercado previstos no artigo 6º do Acordo de Paris, que viabilizam a cooperação entre os países para o cumprimento de seus compromissos. Um deles, previsto no artigo 6.2 do Acordo, estabelece a possibilidade de os países transferirem entre si Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferidos (ITMOs) – gerando, portanto, um mercado internacional de comercialização de reduções ou remoções de GEE (gases de efeito estufa). O outro, previsto no 6.4 do Acordo, estabelece um mercado de compensação de emissões gerados por entidades públicas e privadas em projetos de redução ou remoção de GEE. A regulamentação deverá passar pela forma com que será garantida a transparência e integridade ambiental dos mecanismos. Exemplos: os ITMOs deverão ser lastreados em reduções adicionais aos esforços já em empreendidos pelos países para cumprirem os seus compromissos (adicionalidade); não poderá ser utilizada a redução ou remoção dos GEE, no contexto do artigo 6.4, para a contabilização dos compromissos de dois países (dupla contagem).
Se houver um mercado internacional de carbono, o Brasil ganha ou perde com isso?
Acredito que haverá muitas oportunidades para o Brasil, que possui um potencial enorme de reduzir e remover emissões, além do já compromissado no âmbito do Acordo de Paris. Empresas brasileiras já estão contabilizando as suas remoções na expectativa de oferecer os seus créditos em um futuro mercado internacional. É preciso, no entanto, que criemos um arcabouço institucional sólido e consistente que nos permita comprovar que as reduções ou remoções realizadas aqui no território brasileiro cumprem com os requisitos do Acordo de Paris e, portanto, geram valor com benefícios comprovados para o clima.
As empresas brasileiras estão passando por um momento de despertar para as mudanças climáticas. Em parte, isso é causado pelo aumento dos efeitos da crise climática, seja a falta de água, de energia ou os eventos extremos, como tempestades de água ou de areia. Em parte, a tomada de consciência acontece porque a transição para a economia de baixo (ou zero) carbono no mundo todo gera oportunidades de negócios. O que as empresas precisam fazer agora? Qual é a urgência de medir suas emissões e estabelecer metas de redução? Quais são as oportunidades para venda de créditos de carbono no Brasil? O que esperar dos próximos anos? Para responder a essas perguntas, conversei com Daniela Stump é advogada ambiental, head de ESG do DC Associados. Ela tem longa prática de aconselhamento de empresas na área ambiental e de acompanhamento da evolução da legislação brasileira e das exigências internacionais. Respondeu às principais dúvidas dos gestores ambientais das empresas brasileiras hoje e apontou o que o setor privado brasileiro pode fazer para melhorar o clima e gerar valor. “Empresas brasileiras já estão contabilizando as suas remoções na expectativa de oferecer os seus créditos em um futuro mercado internacional”, diz Daniela. “É preciso, no entanto, que criemos um arcabouço institucional sólido e consistente que nos permita comprovar que as reduções”.
Como uma empresa brasileira hoje deve se posicionar em relação às suas emissões de GEE (gases de efeito estufa)?
Há um esforço global para o alcance do objetivo do Acordo de Paris, que visa à manutenção do aumento da temperatura média global bem abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais assim como à implementação de esforços para limitar esse aumento da temperatura até 1,5ºC. O IPCC confirmou que, para atingir esse objetivo, o mundo precisa reduzir pela metade as emissões de GEE até 2030 e alcançar as emissões líquidas-zero até meados do século. Algumas empresas brasileiras já adotaram compromissos voluntários que vão ao encontro das recomendações científicas, o que envolve a redução ao máximo das emissões geradas por suas atividades e a compensação das emissões residuais por atividades de remoção de carbono da atmosfera. É importante que as empresas comprometidas com a mitigação das mudanças climáticas saibam onde ocorrem as suas emissões de GEE e quais são as oportunidades de redução. É preciso também ter um plano de ação consistente, traçar metas intermediárias e definir os responsáveis pelo seu cumprimento.
A lei brasileira exige alguma coisa hoje?
O Brasil comprometeu-se, no âmbito do Acordo de Paris, a reduzir as suas emissões absolutas, em 37% até 2025 e em 43% até 2030, em comparação com as emissões de 2005. O país afirmou a compatibilidade dessas metas com um possível compromisso de longo prazo para alcançar emissões líquidas nulas em 2060. O país deverá prestar contas sobre o compromisso assumido, mas possui soberania para escolher a forma como irá alcançá-lo. Até o momento, existe apenas um setor da economia sujeito à meta compulsória de redução de emissões – o de distribuição de combustíveis. A obrigação foi regulamentada no âmbito do programa Renovabio – iniciativa que busca reduzir as emissões de CO2 no setor de transportes. Para o cumprimento das metas individuais, as distribuidoras devem se valer de Créditos de Descarbonização (CBIOs) gerados pela indústria de biocombustíveis. Outros setores intensivos em emissões de carbono ainda não são obrigados a reduzir as suas emissões, diferente do que já ocorre em muitos países.
As empresas brasileiras que atuam no mercado internacional serão afetadas por restrições nos outros países?
Daniela - Com a ampliação do número de agentes privados submetidos à internalização do custo de carbono, há o surgimento de políticas que pretendem nivelar o ambiente competitivo e evitar a fuga de emissões para locais em que a regulação do carbono é menos restritiva. A União Europeia, por exemplo, colocou em consulta pública um instrumento denominado Carbon Border Adjustment Mechanism, que visa cobrir as emissões liberadas na produção de bens intensivos em carbono que adentram o território europeu. No início, os importadores estarão sujeitos ao reporte de informações sobre emissões associadas à produção dos bens importados e, em uma etapa seguinte, deverão adquirir certificados CBAM que compensem tais emissões, caso não estejam sujeitos a esquema de formação de preço de carbono similar ao europeu em seus países de origem.
A legislação brasileira tende a mudar?
Daniela - Nesse contexto global, ressurge a ideia de regulamentar o Mercado Brasileiro de Reduções de Emissões, o qual já é previsto pela Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), instituída pela Lei Federal nº 12.187/2009. O movimento empresarial encabeçado pelo Conselho Empresarial pelo Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) elaborou uma proposta de substitutivo ao Projeto de Lei (PL) nº 528, que está tramitando na Câmara dos Deputados. O PL visa incentivar o mercado voluntário de créditos de carbono no país. Já a proposta do CEBDS edifica os pilares do mercado de carbono regulado no país consistente em um sistema cap-and-trade (limite e troca de créditos), em que haverá a imposição de um limite de emissões para os agentes regulados, associado à comercialização de permissões de emissões por aqueles que reduziram mais que o obrigatório e também de créditos advindos de projetos de compensação.
Uma empresa brasileira que reduz emissões hoje pode ganhar algum crédito por isso?
Sim, no mercado voluntário de carbono, em que as reduções ou remoções de emissões são verificadas de acordo com padrões aos quais os desenvolvedores de projetos aderem. Exemplos conhecidos desses padrões são o Verified Carbon Standard e o Gold Standard. Interessante destacar que alguns padrões levam em consideração, para a certificação, outros atributos sociais e ambientais do projeto de redução de emissões, como o envolvimento de comunidades e preservação da biodiversidade. O mercado está bem aquecido com a demanda de empresas que querem compensar as suas emissões e contribuir com outros aspectos da sustentabilidade, mesmo que não sejam obrigadas a isso.
Como estão os mercados internacionais de carbono?
Segundo estudo do Banco Mundial, já são 64 instrumentos de precificação de carbono em operação, cobrindo um pouco mais de 20% das emissões globais. Incluem iniciativas voltadas à tributação e sistemas de comércio de emissões em âmbito regional, nacional ou subnacional – tais como o European Emissions Trade Scheme (EU-ETS), o sistema de comércio de emissões chinês e o mercado que reúne estados do oeste americano (Regional Greenhouse Gas Initiative - RGGI). Cada qual com as suas regras de operação, seleção de setores envolvidos e esquemas de compensação de emissões próprios. Há perspectiva de junção de alguns mercados regulados, mas ainda são poucas as iniciativas concretas.
A Conferência do Clima em Glasgow de 26 de outubro a 7 de novembro irá ajudar a criar um mercado internacional de carbono?
Na agenda da conferência de Glasgow está a discussão da regulamentação de dois instrumentos de mercado previstos no artigo 6º do Acordo de Paris, que viabilizam a cooperação entre os países para o cumprimento de seus compromissos. Um deles, previsto no artigo 6.2 do Acordo, estabelece a possibilidade de os países transferirem entre si Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferidos (ITMOs) – gerando, portanto, um mercado internacional de comercialização de reduções ou remoções de GEE (gases de efeito estufa). O outro, previsto no 6.4 do Acordo, estabelece um mercado de compensação de emissões gerados por entidades públicas e privadas em projetos de redução ou remoção de GEE. A regulamentação deverá passar pela forma com que será garantida a transparência e integridade ambiental dos mecanismos. Exemplos: os ITMOs deverão ser lastreados em reduções adicionais aos esforços já em empreendidos pelos países para cumprirem os seus compromissos (adicionalidade); não poderá ser utilizada a redução ou remoção dos GEE, no contexto do artigo 6.4, para a contabilização dos compromissos de dois países (dupla contagem).
Se houver um mercado internacional de carbono, o Brasil ganha ou perde com isso?
Acredito que haverá muitas oportunidades para o Brasil, que possui um potencial enorme de reduzir e remover emissões, além do já compromissado no âmbito do Acordo de Paris. Empresas brasileiras já estão contabilizando as suas remoções na expectativa de oferecer os seus créditos em um futuro mercado internacional. É preciso, no entanto, que criemos um arcabouço institucional sólido e consistente que nos permita comprovar que as reduções ou remoções realizadas aqui no território brasileiro cumprem com os requisitos do Acordo de Paris e, portanto, geram valor com benefícios comprovados para o clima.