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As lições do incêndio na floresta dos EUA

A tragédia ambiental do Camp Fire, o maior incêndio florestal da história da Califórnia, não deve ser confundido com desmatamento

INCÊNDIOS: Imagem de satélite da Nasa, agência espacial americana, mostra as chamas do Camp Fire / NASA
INCÊNDIOS: Imagem de satélite da Nasa, agência espacial americana, mostra as chamas do Camp Fire / NASA
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Ideias renováveis

Publicado em 21 de novembro de 2018 às, 12h18.

Última atualização em 21 de novembro de 2018 às, 17h03.

Não se iluda com incêndio florestal que arrasou grandes porções de floresta na costa Oeste americana. É uma das maiores tragédias ambientais do país. O incêndio, chamado Camp Fire, entrou para a história como o mais mortal e destrutivo de que se tem registro na Califórnia. Também foi o incêndio florestal com mais mortes nos EUA desde 1918. As perdas humanas e os prejuízos materiais não têm tamanho. Mas os incêndios de lá não significam o mesmo que as queimadas que destroem nossas florestas no Brasil. São fenômenos inteiramente diferentes em suas causas e consequências. Diferentemente dos brasileiros, os americanos protegem suas florestas.

Os bosques temperados que queimam na Califórnia são completamente diferentes da luxuriante floresta tropical que o Brasil vem perdendo ano a ano. As florestas americanas são praticamente homogêneas, formadas por uma dezena de espécies de pinheiros. O fogo é uma ocorrência natural. Bem manejado, ele ajuda as árvores mais antigas a se livrarem de pragas. Antes dos colonizadores europeus chegarem, quando o Oeste era só terra de índio, os incêndios ocorriam natural e regularmente. A regularidade deixava menos madeira disponível para queimar de cada vez.

A tragédia californiana é o resultado de alguns fatores. Três deles se destacam. Primeiro, as pessoas estão construindo mais casas dentro da floresta. A maior interação humana com as árvores inflamáveis aumenta o risco de início de incêndio. Além disso, com mais propriedades perto da floresta, cada incêndio é rapidamente suprimido, aumentando o acúmulo de galhos e arbustos, que oferecem mais combustível para um grande incêndio descontrolado. E os moradores, com casas mais próximas da mata, resistem à prática de queimadas preventivas. Por cima disso, há as mudanças climáticas, que aumentaram o período e a intensidade da estiagem na Califórnia.

O fogo da Califórnia, porém, não vai necessariamente contribuir para o aquecimento global. Isto porque, depois da tragédia, a área florestal tende a se regenerar. Ninguém vai grilar as terras para pastagens ilegais. E ao crescer a floresta irá absorver de volta o carbono emitido nos incêndios.

Com os incêndios e tudo, as florestas americanas estão resistindo. Desde 1760, quando começou a expansão agrícola dos colonizadores europeus em território americano, até 1920, quando a industrialização ganhou velocidade, o país perdeu 20% de sua área florestal. Depois disso parou. Desde 1920 até hoje, a área de florestas dos Estados Unidos é praticamente a mesma. Cresce cerca de 0,5% num ano ou diminui no outro. Os dados são do Serviço Florestal americano, que monitora a cobertura florestal ano a ano, estado por estado. Mas as imensas extensões de florestas preservadas ou manejadas para produção de madeira se mantêm.

É um exemplo importante para quem acha que o desmatamento tem alguma relação com o desenvolvimento. Ao contrário, os americanos viraram a maior potência do mundo depois que pararam de destruir suas florestas.

Enquanto os americanos pararam a devastação há exatamente um século, depois de cortar apenas 20% de suas florestas, os brasileiros seguem firme no rumo da própria destruição. A Mata Atlântica teve mais de 95% de sua área devastada. As florestas do cerrado perderam 30% da área total. E a Amazônia já tem 20% de destruição acumulada desde os anos 1970.

Pesquisas mostram que os brasileiros em peso querem proteger o que restou de nossas florestas. O poder público e as empresas do Brasil devem atender a esse sábio clamor popular.

O modelo americano de desenvolvimento está em voga outra vez nos altos círculos do poder brasileiro. Se é que realmente saiu de moda em algum momento. Ótima oportunidade para aprendermos alguma coisa com os países ricos em dinheiro, em floresta e em juízo.