Votar ainda é o melhor remédio
Aparecer para votar numa eleição está longe de ser o único, porém ainda é um dos mais poderosos atos de que dispomos como cidadãos em uma democracia
Fabiane Stefano
Publicado em 7 de novembro de 2020 às 08h30.
Nos Estados Unidos, votar nunca foi tarefa fácil. No início, o voto era suprimido pra quem não fosse proprietário de terra, pra mulher, negro, depois pra quem não gabaritasse um teste de conhecimentos aleatórios ou pra quem não tivesse recurso pra pagar uma taxa extra. Ainda hoje, não basta comparecer, é preciso antes se inscrever, achar um local de votação (não são tantos como no Brasil, por exemplo), apresentar um documento com foto (o que não é usual, dado não existir um RG) e ainda arrumar tempo – e autorização, se for o caso - pra sair do trabalho no meio de um dia útil de terça-feira pra encarar, às vezes, horas numa fila. Assim é que, ao ver pela frente uma pandemia que começou no último inverno sem dia para acabar, o que menos se esperava era a votação recorde ocorrida neste outono - com estimativa de 160 milhões de votos dados, mais de 20 milhões do que na eleição de Trump, em 2016.
Muitos são os motivos para o turnout. O primeiro foi o esforço dos partidos – e especialmente do Democrata – em estimular as pessoas a votarem. Não que esse esforço seja novidade num país onde o voto não é obrigatório e o sistema é bipartidário. Ao contrário, diria que é uma das estratégias mais valorizadas de qualquer campanha norte-americana desde sempre: convencer o eleitor a votar no seu candidato pode nem ser o mais importante, fundamental mesmo é fazer ele ir até lá colocar o voto na urna (razão inclusive de vários desacertos em pesquisas eleitorais). O segundo dado a observar foi o ânimo pra votar devido a uma espécie de aversão de um lado pelo outro. Numa eleição altamente polarizada – e sem indecisos - democratas se mobilizaram para tirar “a ameaça aos direitos humanos, à democracia e à própria vida pelo negacionismo ao coronavírus” que seria representada pelo Trump e republicanos votaram em massa contra “o medo do socialismo e da balbúrdia” que seria representado pela dupla Biden-Harris no poder. Ou seja, foi a eleição do voto do contra.
Mas o que parece ter feito a diferença mesmo foi facilitar a participação do eleitor diante de todas as dificuldades históricas já apresentadas, acrescida à necessidade de distanciamento social pela pandemia. Como se sabe, o caminho para essa facilitação foi a via do correio, uma modalidade que já era permitida em muitos estados e para diferentes casos (com a variante voto-ausente para militares, pessoas que trabalham fora do país, entre outros) e que virou a marca desta campanha. Vale lembrar que a terça-feira seguinte à primeira segunda-feira de novembro (este ano, dia 3) não é a data da eleição nos Estados Unidos – como seria o 15 de novembro nas nossas próximas municipais – e sim a data que marca o último dia para se votar na eleição. Quer dizer, existem muitas formas de participar antes da data considerada como o dia da eleição, seja indo a um local onde haja uma urna para depositar o voto antecipadamente ou a agora famosa ida a uma agência de correio ou caixa postal despachar o envelope que contenha a cédula marcada e assinada.
Logo que viu o investimento dos Democratas na modalidade correio – e sabendo que tradicionalmente quanto mais eleitores azuis (e jovens e negros e pobres e mulheres) votam, maior a probabilidade do partido vencer, ou seja, que uma das vantagens de Biden seria exatamente o turnout – Trump já começou a tentar deslegitimar o processo. Tudo bem que muitos estados se complicaram na contagem, notadamente os que deixaram pra começar mais tarde ou os que toparam receber os envelopes até depois do 3 de novembro. A falta de capacidade do correio em atender uma procura gigante e não prevista e a falta de estrutura dos estados para a contagem de milhares de votos manuais também contribuem para uma impressão de desorganização, imprecisão e até para epidemias de teorias da conspiração com relação a fraudes, estas estimuladas pelo próprio presidente, de dentro da Casa Branca. Some-se a isso a não existência de uma entidade nacional que coordene o processo – como o nosso TSE – o que no mínimo dá margem a pelo menos 50 interpretações, a depender de cada um dos estados.
Aqui no Brasil, embora o ato de votar seja altamente facilitado por cair em um domingo, ser feito através de urnas eletrônicas competentes, seguras e rápidas, disponíveis em milhares de escolas e outros bens públicos e privados em todas as regiões, ser centralizado e organizado por um TSE com estrutura para tal, está se observando uma queda de comparecimento do eleitor, ano a ano. A descrença no poder do voto – e da própria política - é uma das hipóteses para este comparecimento decrescente e também pelo aumento dos votos nulos e brancos nos último pleitos, estes últimos devido à obrigatoriedade do comparecimento.
Por outro lado, na pesquisa EXAME/IDEIA fechada ontem, caiu 14 pontos (em relação ao levantamento feito em 22 de outubro) os que declaram talvez não votar no pleito municipal de 15 de novembro por causa da pandemia. Eram 21% os que pretendiam não votar, agora são apenas 7%. Já aqueles que pretendem comparecer às urnas passaram de 65% para 73%, indicando que vem aumentando o interesse pelas eleições municipais quanto mais ela se aproxima. Esse dado fica ainda mais evidente quando vemos que caiu de 50% para 37% o percentual dos eleitores que ainda não escolheram um(a) candidato(a). Ainda assim, ele ainda é alto nos segmentos de renda mais baixas (41% da classe D/E) e entre os que moram nas regiões norte e nordeste (42% e 41%, cada).
Aparecer para votar numa eleição está longe de ser o único, porém ainda é um dos mais poderosos atos de que dispomos como cidadãos em uma democracia. Estimular que os outros votem é outro canal que temos para atuar em favor do que acreditamos. Mirem-se no exemplo de Stacey Abrams, uma mulher preta que era cotada pra ser vice-presidente na chapa de Joe Biden, mas em vez disso dedicou-se nos últimos meses, através de sua fundação, a registrar mais de 800 mil novos eleitores na Georgia, um dos estados que mais sofreram históricamente com a supressão de votos de afrodescentes. Agora eles fizeram a diferença, afinal #blacklivesmatter
Nos Estados Unidos, votar nunca foi tarefa fácil. No início, o voto era suprimido pra quem não fosse proprietário de terra, pra mulher, negro, depois pra quem não gabaritasse um teste de conhecimentos aleatórios ou pra quem não tivesse recurso pra pagar uma taxa extra. Ainda hoje, não basta comparecer, é preciso antes se inscrever, achar um local de votação (não são tantos como no Brasil, por exemplo), apresentar um documento com foto (o que não é usual, dado não existir um RG) e ainda arrumar tempo – e autorização, se for o caso - pra sair do trabalho no meio de um dia útil de terça-feira pra encarar, às vezes, horas numa fila. Assim é que, ao ver pela frente uma pandemia que começou no último inverno sem dia para acabar, o que menos se esperava era a votação recorde ocorrida neste outono - com estimativa de 160 milhões de votos dados, mais de 20 milhões do que na eleição de Trump, em 2016.
Muitos são os motivos para o turnout. O primeiro foi o esforço dos partidos – e especialmente do Democrata – em estimular as pessoas a votarem. Não que esse esforço seja novidade num país onde o voto não é obrigatório e o sistema é bipartidário. Ao contrário, diria que é uma das estratégias mais valorizadas de qualquer campanha norte-americana desde sempre: convencer o eleitor a votar no seu candidato pode nem ser o mais importante, fundamental mesmo é fazer ele ir até lá colocar o voto na urna (razão inclusive de vários desacertos em pesquisas eleitorais). O segundo dado a observar foi o ânimo pra votar devido a uma espécie de aversão de um lado pelo outro. Numa eleição altamente polarizada – e sem indecisos - democratas se mobilizaram para tirar “a ameaça aos direitos humanos, à democracia e à própria vida pelo negacionismo ao coronavírus” que seria representada pelo Trump e republicanos votaram em massa contra “o medo do socialismo e da balbúrdia” que seria representado pela dupla Biden-Harris no poder. Ou seja, foi a eleição do voto do contra.
Mas o que parece ter feito a diferença mesmo foi facilitar a participação do eleitor diante de todas as dificuldades históricas já apresentadas, acrescida à necessidade de distanciamento social pela pandemia. Como se sabe, o caminho para essa facilitação foi a via do correio, uma modalidade que já era permitida em muitos estados e para diferentes casos (com a variante voto-ausente para militares, pessoas que trabalham fora do país, entre outros) e que virou a marca desta campanha. Vale lembrar que a terça-feira seguinte à primeira segunda-feira de novembro (este ano, dia 3) não é a data da eleição nos Estados Unidos – como seria o 15 de novembro nas nossas próximas municipais – e sim a data que marca o último dia para se votar na eleição. Quer dizer, existem muitas formas de participar antes da data considerada como o dia da eleição, seja indo a um local onde haja uma urna para depositar o voto antecipadamente ou a agora famosa ida a uma agência de correio ou caixa postal despachar o envelope que contenha a cédula marcada e assinada.
Logo que viu o investimento dos Democratas na modalidade correio – e sabendo que tradicionalmente quanto mais eleitores azuis (e jovens e negros e pobres e mulheres) votam, maior a probabilidade do partido vencer, ou seja, que uma das vantagens de Biden seria exatamente o turnout – Trump já começou a tentar deslegitimar o processo. Tudo bem que muitos estados se complicaram na contagem, notadamente os que deixaram pra começar mais tarde ou os que toparam receber os envelopes até depois do 3 de novembro. A falta de capacidade do correio em atender uma procura gigante e não prevista e a falta de estrutura dos estados para a contagem de milhares de votos manuais também contribuem para uma impressão de desorganização, imprecisão e até para epidemias de teorias da conspiração com relação a fraudes, estas estimuladas pelo próprio presidente, de dentro da Casa Branca. Some-se a isso a não existência de uma entidade nacional que coordene o processo – como o nosso TSE – o que no mínimo dá margem a pelo menos 50 interpretações, a depender de cada um dos estados.
Aqui no Brasil, embora o ato de votar seja altamente facilitado por cair em um domingo, ser feito através de urnas eletrônicas competentes, seguras e rápidas, disponíveis em milhares de escolas e outros bens públicos e privados em todas as regiões, ser centralizado e organizado por um TSE com estrutura para tal, está se observando uma queda de comparecimento do eleitor, ano a ano. A descrença no poder do voto – e da própria política - é uma das hipóteses para este comparecimento decrescente e também pelo aumento dos votos nulos e brancos nos último pleitos, estes últimos devido à obrigatoriedade do comparecimento.
Por outro lado, na pesquisa EXAME/IDEIA fechada ontem, caiu 14 pontos (em relação ao levantamento feito em 22 de outubro) os que declaram talvez não votar no pleito municipal de 15 de novembro por causa da pandemia. Eram 21% os que pretendiam não votar, agora são apenas 7%. Já aqueles que pretendem comparecer às urnas passaram de 65% para 73%, indicando que vem aumentando o interesse pelas eleições municipais quanto mais ela se aproxima. Esse dado fica ainda mais evidente quando vemos que caiu de 50% para 37% o percentual dos eleitores que ainda não escolheram um(a) candidato(a). Ainda assim, ele ainda é alto nos segmentos de renda mais baixas (41% da classe D/E) e entre os que moram nas regiões norte e nordeste (42% e 41%, cada).
Aparecer para votar numa eleição está longe de ser o único, porém ainda é um dos mais poderosos atos de que dispomos como cidadãos em uma democracia. Estimular que os outros votem é outro canal que temos para atuar em favor do que acreditamos. Mirem-se no exemplo de Stacey Abrams, uma mulher preta que era cotada pra ser vice-presidente na chapa de Joe Biden, mas em vez disso dedicou-se nos últimos meses, através de sua fundação, a registrar mais de 800 mil novos eleitores na Georgia, um dos estados que mais sofreram históricamente com a supressão de votos de afrodescentes. Agora eles fizeram a diferença, afinal #blacklivesmatter