O melhor embate é o debate
"A ciência social ainda vai responder se a polarização anestesia a busca pelo consenso ou a falta de debates alimenta a polarização"
Publicado em 16 de outubro de 2020 às, 21h27.
Foi na Grécia clássica que surgiu a política ocidental. Mais exatamente no século VI a. C., um período em que se abandona a mitologia e o simbolismo, e se passa a explicar racionalmente a sua existência. É nessa fase também que nasce a pólis grega, acontecimento decisivo que provocou grandes alterações na vida social e política dos homens. Surgiram as cidades-estados.
Porém, tornou-se fundamental a formação de uma base institucional sólida para uma nova Era. Essa solidez se refletiu nas reformas políticas iniciadas por Sólon, no século VI a. C., e levadas adiante por Clístenes, que introduziu as primeiras regras democráticas. Nesse contexto, a democracia (que significa poder do povo em grego) surge como uma possibilidade de se resolverem as diferenças por meio do entendimento mútuo e de leis que primassem pela isonomia entre todos e não mais pelos conflitos armados. A política substitui a guerra. E vocês imaginam política sem debates? O ano de 2020 definitivamente substituiu os debates pelos embates.
Vejam o exemplo dos Estados Unidos da América. Primeiro, tivemos um primeiro encontro lamentável entre o democrata Joe Biden e republicano Donald Trump. Sobraram interrupções e agressões verbais e faltaram ideias. Um desavisado que assistisse aquele debate não saberia dizer exatamente qual o plano de Biden para recuperar a economia e se Trump tem (ou se algum dia teve) um projeto de saúde para os americanos. Venceu quem desligou a TV e foi dormir. Na data do segundo debate a América testemunhou um candidato falando sozinho em cada canal de televisão. Nada mais metafórico do atual momento. Nas redes sociais, as pessoas falam com suas próprias bolhas e algoritmos potencializam o viés de afirmação a cada clique. Nunca tivemos tantas plataformas tecnológicas e tao poucas plataformas políticas.
No Brasil, caminhamos para enterrar os debates no primeiro turno das eleições. Emissoras, uma a uma, seguem desistindo de convidar todos os candidatos para debater alegando os mais diversos problemas. Candidatos(as) conhecidos(as) e líderes das pesquisas não reclamam enquanto desconhecidos(as) choram por perder ainda mais espaço para se tornarem conhecidos (já não basta o cada vez mais curto calendário eleitoral). Isso sem falar que continuamos, como país, a não usar uma experiência altamente consagrada nas democracias globais: fazer um “pool” (conjunto) de emissoras para todas (ao mesmo tempo) transmitirem o mesmo debate. A única e última tentativa ocorreu em 1989 nas eleições presidenciais. Seguimos com debates televisos pulverizados, vinculados tarde da noite (que excluem quem acorda cedo para trabalhar) e na sua maioria com índices de audiência que ficam distantes de flertar com os dois dígitos.
Se o objetivo é distanciar os eleitores (as) da troca de argumentos políticos (sem os algoritmos das redes sociais ou o filtro da propaganda pura) somos um exemplo de êxito. Será que o eleitor(a)/emissoras não trocariam os programas eleitorais por mais debates?
A ciência social ainda vai responder se a polarização anestesia a busca pelo consenso ou a falta de debates alimenta a polarização. Mas quem receberá um “presente de grego” (com todo respeito aos gregos) nessas eleições serão os (as) eleitores(as) que ficarão com menos respostas sobre os endereçamentos de propostas e soluções. Sobrará de 2020 poucos debates e muito embates. Quando o verdadeiro embate é o debate.