Estados Unidos 2020: o fim da ocupação do meio
O teorema do eleitor mediano nos aponta que as candidaturas que capturam o centro do espectro dos eleitores eventualmente vencem a eleição. Não é mais assim
Publicado em 2 de outubro de 2020 às, 18h23.
Última atualização em 2 de outubro de 2020 às, 18h24.
A Holanda que jogou a Copa do Mundo de 1974 ficou conhecida com a "laranja mecânica" ou “futebol total”. O técnico holandês Rinus Michels dizia que “o futebol é guerra”. Um paradoxo, pois poucos terão contribuído tanto para a imagem do futebol como um exercício de prazer e divertimento como aquele time holandês.
Com momentos como o da final do Mundial contra a anfitriã Alemanha, onde a Holanda chegou à vantagem no marcador sem que qualquer jogador alemão tivesse oportunidade para tocar na bola - 15 passes consecutivos entre jogadores holandeses e a corrida lendária de Johan Cruyff até à área, onde foi derrubado em falta (os holandeses perderiam depois por 2-1, naquela que foi uma das mais dramáticas finais na história dos campeonatos do mundo).
O Brasil foi eliminado antes da final pelo “futebol total” laranja e o nosso técnico Zagalo qualificava o futebol dos Países Baixos como sendo “tico tico no fubá”. O "futebol total" - ou o "carrossel" consistia nas movimentações constantes de todos os jogadores, sem posições fixas, num futebol solidário que abolia as classes. Todos eram defesas e todos eram avançados e principalmente todos ocupavam o meio de campo. Ocupar o meio era o pilar central de ocupação de território.
Da teoria política como herança da economia, o teorema do eleitor mediano nos aponta que as candidaturas que capturam o centro do espectro dos eleitores eventualmente vencem a eleição. Essa lógica vem sendo subvertida globalmente e muito fortemente na eleição americana de 2020. Nesse ano, é praticamente impossível encontrar os “eleitores medianos” ou “swing voters” (eleitores que podem mudar de opinião).
A definição acadêmico-científica desse grupo ainda é controversa no campo da ciência política americana. Porém, é possível afirmar de maneira geral, que “swing voters” são eleitores que ou estão indecisos ou afirmam votar em determinado candidato (republicano ou democrata) mas ainda podem mudar de opinião. Segundo dados da American Election Studies, a essa altura da campanha dos Estados Unidos , o percentual desse tipo de votante em 1976 (Jimmy Carter x Gerald Ford) era de 34%, em 1988 (George H. Bush x Michael Dukakis) era 26%, em 1996 (Bill Clinton x Bob Dole) era 18%, em 2004 (George W.Bush x John Kerry) e em 2012 (Barack Obama x Mitt Romney) era de 11%. Em 2020, as pesquisas e estimativas mostram que os “swing voters” entre 5 a 8 pontos percentuais.
Esse é o resultado de um contexto de polarização política que a cada ciclo eleitoral americano fica pior. Como consequência temos duas campanhas em 2020 (tanto a de Joe Biden como a de Donald Trump) que basicamente se dedicam a convencer seus apoiadores a sair de casa para votar ou votar pelo correio. Não existem argumentos, propagandas na TV ou meios digitais focados em convencer o “eleitor mediano”. Em resumo, passa de longe de ser uma campanha de convencimento de indecisos ou “swing voters”. Perde o debate e a comparação de propostas entre os candidatos.
E o debate presidencial realizado na última terça-feira em Ohio foi um exemplo forte para corroborar esse ponto. Não houve debate de projetos mas somente mensagens (quando foi possível falar) direcionadas para as suas próprias bases. Um dado exclusivo de uma pesquisa Exame/IDEIA realizada no Wisconsin, um dia após o debate, mostrou que entre os que assistiram ao debate (45% dos entrevistados) somente 3% mudaram de opinião. Estatisticamente isso signfica que o debate não fez diferença nenhuma. Lembrando que Wisconsin, com 10 votos no colégio eleitoral, é um estado crítico para as pretensões de ambos. Em 2016, a democrata Hillary Clinton perdeu por menos de 1% dos votos válidos para o atual presidente.
Portanto, vivemos na era que o eleitor do meio virou espécie em extinção. A polarização segue cegando o debate e minando os espaços de consenso. As campanhas (que agora só falam para convertidos) viraram “tico tico no fubá” e a política, como o futebol definido pelo técnico holandês virou “guerra”. Um gol contra para a democracia.