Saia da zona de conforto, desafie-se e acredite no seu potencial
Na coluna desta semana, conheça a história de Thiago Piovesan - CEO do Grupo Indigo do Brasil
Publicado em 21 de outubro de 2022 às, 10h09.
Por Fabiana Monteiro
A minha história profissional sempre foi pautada por elementos inerentes ao que pretendia alcançar, especialmente sobre como priorizar as metas de longo prazo. Considero, portanto, imprescindível possuir as habilidades pertinentes para executar esse método, embasado pela paixão, pela carreira escolhida, assim como o poder de saber me movimentar dentro do mercado corporativo nos momentos adequados. Tudo isso com enorme foco para jamais me deixar desvirtuar pela temerosa zona de conforto.
Natural de Porto Alegre, nascido em 1976, sou de uma família toda gaúcha, descendentes de italianos, sendo que meus pais, Severino e Fiorentina Piovesan, são do interior do estado. Desde cedo eles trabalharam duro, principalmente na agricultura, e nutriam o sonho de migrarem para Porto Alegre com o intuito de construir uma vida melhor. Meu pai almejava se mudar para a principal metrópole do Rio Grande do Sul imbuído do propósito de se desenvolver profissionalmente, e assim o fez.
Em meados da década de 1960, com todos os obstáculos possíveis de quem vem do interior do Estado para a capital em busca de oportunidade, porém sem estrutura e sem condições financeiras, ele empregou toda sua motivação e força de superação, dobrando carga de trabalho, morando em pensões comunitárias, com grandes limitações de alimentação, de saúde e de todas as necessidades básicas, porém sem descuidar dos estudos e da formação para batalhar pelo sonho, em busca de seus objetivos, o que só aumenta o seu valor para mim, como figura inspiradora. Há muito dessa questão de exaltar a perseverança, do começar de baixo e lograr conquistas – de fato nada ocorre por acaso. Meu pai é contador, e sou o primogênito de três filhos, e nesta estrutura, observava de perto suas ações, como ele levava trabalho para casa e me envolvia nele, algo que me encantava.
Sempre fui bastante dedicado no colégio e me destacava em matemática. Sentia que poderia ser uma vocação para mim. Minha mãe cuidou da nossa formação em casa, provendo um excelente complemento de núcleo familiar. Não que esta deva ser a receita das famílias, mas, no meu caso, funcionou muito bem. Meu pai conseguiu crescer profissionalmente, trazendo conforto para o lar e minha mãe, sempre muito presente na minha vida e de meus irmãos, complementando nossa formação como pessoas e cidadãos.
Em 1993, após mais de 20 anos trabalhando em uma grande empresa do mercado nacional, meu pai saiu e se tornou sócio em uma empresa de cobranças, com sede em Florianópolis-SC. Como morávamos em Porto Alegre, esta foi a minha primeira oportunidade de vivenciar a área contábil, ajudando meu pai nas rotinas contábeis e administrativas da empresa, o que se tornou a base fundamental para determinar que este era o caminho profissional que queria seguir. Influenciado pela experiência prática sendo vivida, e muito pela admiração da história profissional de meu pai. Assim, começou minha trajetória.
Um ano depois meu pai deixou a sociedade, e comecei um programa de estágio não remunerado em um escritório de contabilidade mais completo, objetivando agregar uma visão mais ampla do negócio, experiência essa que durou pouco mais de três meses. E de fato, ocorreu uma consolidação, o que me conduziu a cursar Ciências Contábeis na Faculdade São Judas Tadeu, em que me formei em 1999. Enquanto cursava os primeiros semestres do curso, entrei como estagiário contábil na Forjas Taurus S.A. que se localizava próximo à universidade, e assim pude vivenciar o cotidiano de diversos setores da Companhia como crédito e cobrança, planejamento, contabilidade, fiscal, custos, sendo efetivado, e concluindo um ano e meio na empresa.
A jornada como auditor
Comecei a ponderar sobre como acelerar a minha carreira, tendo em vista como sempre tive essa característica de pensar adiante. A questão de entender o momento e que a perspectiva são fatores os quais proponho para obter melhores resultados. Portanto, indagava-me qual seria o caminho mais apropriado para me desenvolver após me formar, e dentro da Taurus, por ser uma companhia de capital aberto, comecei a ter contato com firmas de auditoria contábil independentes.
À época, a Price, atual PwC, estava à frente da auditoria, e o gerente que estava realizando o trabalho era filho de um grande amigo do meu pai. Ele me contou um pouco sobre a carreira de auditor, inclusive toda a aceleração propagada em termos de conhecimento, de experiência, de formação, ou seja, a velocidade de aprendizado.
Evidentemente, aquilo me deixou deslumbrado, e concluí que me dedicaria a ingressar nesse nicho. Determinado, iniciei o processo de me aplicar para os processos seletivos, bastante concorridos, e me habilitei para participar do recrutamento da Coopers & Lybrand.
Devidamente aprovado, entrei na poderosa firma de auditoria com somente 19 anos. Recordo-me bem que, em minha última entrevista, um dos sócios elogiou o meu perfil, pautado em dedicação, em planejamento, mas mesmo assim, ele ressaltou a minha tenra idade. O convenci de que era capaz de exercer as funções pertinentes ao cargo, e me tornei um dos mais jovens trainees da companhia.
Assim, começou a minha trajetória de 12 anos como auditor e, efetivamente, tornou-se uma parte fundamental da minha vida, pois tive condições de agregar experiências no ramo que escolhi para desenvolver a minha carreira. Participei de grandes projetos, como a abertura de capital da Gerdau na Bolsa de Nova Iorque, auditorias referidas para matriz no exterior, trabalhos de compliance e investigativos, controles internos, além das auditorias tradicionais de grandes empresas em diferentes segmentos.
Ao longo dessa trajetória, troquei algumas vezes de empresas, para acompanhar o fluxo do mercado. Digo isso, porque em determinado momento, quando estava na Coopers, houve a fusão mundial com a Price, e no Brasil os sócios das respectivas empresas não chegaram a um denominador comum, e neste momento nos unimos com a Arthur Andersen, em 1998, após ter atuado na Coopers durante três anos.
Na Arthur Andersen fui promovido a gerente de auditoria, com apenas 24 anos, onde permaneci até maio de 2002. Nessa época ocorreu o caso da Enron, marcado por fraudes financeiras, que abalou o mercado estadunidense e, por conseguinte, a Arthur Andersen, empresa responsável pela auditoria das demonstrações financeiras da Companhia. Enfim, com o encerramento da Arthur Andersen inúmeros auditores ficaram sem emprego, buscando novo movimento de consolidação com outra empresa de auditoria.
Em nível mundial houve uma tendência de fusão entre o espólio da Arthur Andersen com a Deloitte, e no Brasil isso também aconteceu, exceto pelo escritório de Porto Alegre. Havia um sócio detentor de uma carteira portentosa que decidiu se unir com a Price, deixando de seguir o fluxo natural das outras firmas. Não acompanhei esse movimento de imediato, pois considerei que a experiência advinda na Deloitte, apoiando a integração e sendo o gerente de referência, proveria uma excelente chance de crescer. Fui o escolhido pela companhia para organizar e para colocar em prática tais processos, além de ser um profissional que jamais se rende à zona de conforto.
Marcou como uma experiência maravilhosa, compartilhando excelentes momentos em todas as frentes, abrindo o mercado, reforçando escritórios, algo que significou inúmeros aprendizados. Isso ocorreu durante um ano, entre junho de 2002 até junho de 2003. Nesta data recebi um convite da Price para apoiar o crescimento da Companhia, em especial abrindo o escritório em Caxias do Sul, na serra gaúcha. Dentre todos os movimentos de troca de empresa de auditoria, pela primeira vez estava pedindo demissão. Muitos me perguntaram por que a mudança se tudo estava tão bem encaminhado, tranquilo, mas, como comentei no início, sempre fui movido a desafios e o projeto apresentado me dava um “friozinho na espinha”, impossível de não seguir. Como gosto de comentar, um dos grandes riscos de acidentes de carro é quando nos acostumamos com a estrada e, de certa forma, perdemos o medo dela. Em carreira funciona exatamente igual, deixamos de crescer e nos desenvolver quando nos acostumamos com ela.
Esse case foi tão bem-sucedido que me abriu as portas para me tornar gerente executivo da Price, e almejar a posição de sócio. No primeiro ano desenvolvi o mercado da serra, a partir de nossa base de Porto Alegre, mas já a partir do segundo ano me mudei para Caxias, onde passei a viver a cidade e a sociedade. Consegui constituir uma carteira robusta de clientes, proporcionando que a firma se tornasse autossustentável. Contratamos muitos profissionais locais para formar nosso time e por muitas vezes ajudávamos ao escritório de Porto Alegre no atendimento de outros projetos da Companhia.
O triunfo como executivo
Após essa jornada, a Lupatech S.A. surgiu em minha vida, o que se concretizou como a minha primeira experiência na área corporativa industrial. A companhia era minha cliente durante o período na Price, e havia efetuado a aquisição de diversas empresas entre 2006 e 2008, aberto o capital na bolsa de São Paulo, e precisava organizar um setor de controladoria mais robusto para atender todos os requerimentos do Nível II de Governança Corporativa que estava classificada. Assumi esse desafio como Gerente de Controladoria, em abril de 2008, trocando de cadeira, já que efetuava ações executivas, e em pouco tempo virei diretor.
Porém, assim como outras empresas de óleo e gás, algumas dificuldades com o mercado apareceram, especialmente em função da alta dependência de operações com a Petrobrás, pois cerca de 90% das receitas provinham dela. O mercado de óleo e gás se reprecificou, reduzindo muito as margens de lucro e exigindo cada vez maiores investimentos, diversas renegociações de contratos foram solicitadas pelos clientes, em especial pela Petrobrás, e, considerando a alta alavancagem de dívida da Lupatech naquele momento, inicia-se um ciclo de necessidade de reestruturação da Companhia. Algumas mudanças de gestão foram implementadas, em que um novo CEO foi contratado, e foi quando assumi como o novo CFO da Companhia, levando-me a um novo desafio.
A Lupatech foi um grande case, a grande virada em minha carreira. Enfrentamos dificuldades de caixa, efetuamos reestruturação que passaram por tentativa de venda da Companhia, depois aumento de capital com aporte de recursos e novas operações, até atingir o projeto final de recuperação extrajudicial, que culminou com conversão massiva de dívidas em ações, em um projeto edificado em mais de dois anos de roadshow e de negociações, na tentativa de convencer os credores a se tornarem sócios, a fim de salvar a empresa.
Fiquei quatro anos em São Paulo, regressando para casa, em Porto Alegre, aos fins de semana, tornando difícil de conciliar a vida pessoal com a profissional. O case me elevou a outro patamar, conforme a reestruturação foi concluída – em setembro de 2014, obtivemos a conversão de R$ 1,2 bilhão de dívidas em ações, vendemos algumas operações da companhia, enriquecemos o caixa, entre diversas outras atividades de reorganização empresarial. Naquele ano ganhamos o prêmio da Latin Finance, como melhor transação de reestruturação da América Latina. Ali senti que a minha missão na Lupatech havia sido concretizada. Era hora de novos desafios.
Pretendia retornar em definitivo para Porto Alegre, pois já estava cansado de viver na ponte-área, distante da minha esposa, Fabiane Piovesan, e dos meus filhos, Matheus e Fabrício. Sucedeu de receber um convite justamente da Forjas Taurus, que havia efetuado uma troca recente de controle acionário, para ser o Vice-Presidente Financeiro da Companhia. Muito da minha experiência entrou neste contexto, haja vista que precisei reestruturar alguns setores, principalmente a parte operacional. A Taurus tinha perdido um pouco do “DNA” da sua operação, e precisávamos resgatá-la contando com verba limitada, em um processo que perdurou por três anos.
Basicamente, tratou-se de reperfilar dívidas e remodelar o setor operacional. Possuíamos três fábricas no Sul, e decidimos fechar duas para concentrar tudo na principal. Redefinimos a atividade core de produção, mantendo dentro de casa os itens estratégicos, e buscando no mercado qualificado o restante. Este redesenho nos permitiu liberar capacidade para aumentar a produção sem investimentos, e trazer insumos do mercado com mais qualidade e melhor preço. Com essa estratégia elevamos a produção de armas de aproximadamente 1,5 mil para mais de 5 mil por dia, sem investimentos relevantes e com redução de custo de fabricação do produto pronto. A companhia se recuperou em termos operacionais e com dívidas equalizadas experimentava novamente uma fase próspera.
Mudança de mindset
Após esse período, um desafio novo foi apresentado o de ser CEO da Indigo no Brasil, em janeiro de 2018, cargo que detenho até o momento. Trata-se de uma empresa francesa, que passava por uma transição de acionistas na operação do Brasil à época. A Indigo havia comprado participação em uma companhia brasileira, e começou a consolidar o seu percentual até atingir a totalidade do controle.
Crescemos muito, mesmo com o cenário pandêmico dificultando o processo, atuando com um business diferenciado, inserido em um projeto novo e cativante. Até então, não havia integrado um programa com tamanha intensidade, e esse percurso demonstra muito do que penso sobre o planejamento em longo prazo. Sempre impus um equilíbrio pautado em alguns pilares, como vida familiar, projeto, remuneração, mas sempre embasado no propósito maior, de médio a longo prazo.
Evidentemente, precisei me preparar para granjear tais objetivos e, inclusive, concluí um MBA em Finanças Empresariais, prestes a assumir como CFO e IRO (Diretor de Relações com Investidores) da Lupatech, desde cedo identifiquei que skills de língua inglesa seria chave na minha trajetória, e investi pesado nisso, entre outros movimentos planejados.
Era um jovem de 32 anos com uma ampla carreira, mas teria de dar uma guinada relevante. Então, não foi uma decisão fácil, tampouco a adaptação. Contei muito com a ajuda do Thiago Alonso de Oliveira, que atualmente é o CEO da JHSF – ele foi um dos grandes responsáveis por conduzir a mudança do meu mindset de auditor para o de executivo, e de me inspirar e apoiar no crescimento profissional.
A reestruturação da Lupatech marcou como o grande case da minha carreira. Tentamos vender a companhia, operamos sem caixa, inúmeros desafios. Sendo assim, montamos um plano para apresentar aos acionistas, e aplicamos a estratégia de quem era credor da empresa se tornar investidor. Grandes bancos participaram dessa operação, além de bondholders, debenturistas, dentre outros, assim, montar esse case, fazê-lo ser viável e finalmente concretizá-lo foi fenomenal.
Lembro-me bem de quando cheguei em casa, em um sábado, após a confirmação de que tínhamos conseguido aprovar a operação de capitalização da Companhia, e havia recebido a mensagem do diretor de RH da Lupatech, João Raful, agradecendo em nome de quatro mil famílias pelo sucesso da reestruturação. Representou a maior conquista que pude ter, e de quão relevante o projeto se tornou. Quando estou com alguma dificuldade, trato de relembrar dessa operação, muito especial e gratificante. Em termos de trajetória profissional é inigualável para mim, e auxiliou a moldar muito o meu perfil do que sou hoje.
Inspirações em diferentes etapas da vida
Costumo mencionar quatro pessoas que em momentos diferentes foram vitais para me ajudar nessa jornada. Obviamente, meu pai exerceu papel fundamental, por toda a inspiração, a maneira como sempre atuou, com dedicação – ele me proporcionou um alicerce sólido, assim como toda a minha família.
Já o Thiago Alonso de Oliveira, na trajetória profissional foi a pessoa que mais me ajudou, e até hoje interagimos bastante. Ele me impulsionou muito, permitindo que eu estivesse mais preparado, orientando e apoiando, ou seja, trata-se de uma grande referência.
Outro profissional que me auxiliou a superar grandes desafios foi o Ricardo Doebeli, ex-CEO da Lupatech. Ele atuou na reestruturação extrajudicial da companhia, e ele me guarneceu com ferramentas essenciais para superar obstáculos desta natureza, pois eu ainda não tinha tanta vivência no contexto que enfrentaríamos.
Por fim, a minha esposa, Fabiane, meu alicerce e equilíbrio para aceitar os desafios, sair da zona de conforto na caminhada profissional, e saber que no final do dia, após os altos e baixos que naturalmente os desafios nos trazem, ela estava e está sempre pronta para dar a base e a sustentação familiar, fundamental para tudo.
O ato de se desafiar constantemente
A grande armadilha para que um executivo alcance o sucesso é a zona de conforto, considerar mares tranquilos como os mais adequados para se velejar. Reitero: quando se chega em um cenário dessa forma, a carreira é comprometida, perdida, porque muito desse momento é responsável por impulsionar nossa motivação, nossa curiosidade e nossos desafios, aprender novas competências. Se almejamos uma carreira diferenciada, embasada em crescimento, é preciso se desafiar constantemente.
Neste ponto, o novo líder atua justamente para inspirar suas equipes. Atualmente, a distância hierárquica diminuiu, pelo menos na forma de trabalhar, e o gestor precisa estar disponível, aberto às ideias, próximo e participativo. Estar à frente do negócio significa conhecer a fundo o que está acontecendo, com a habilidade do saber ouvir. O mundo está mais dinâmico e prefiro estar cercado por profissionais capazes de atuar com flexibilidade para reagir de forma ágil, com senso de urgência.
Portanto, ao montar minhas equipes, considero o senso de coletividade, o profissional participativo, com atitude proativa, que debata com argumentos construtivos. Não quero um time passivo, que simplesmente assimile as orientações sem contestar – as opiniões divergentes são imprescindíveis para a entrega de bons resultados. A gestão colaborativa está em voga, e “vestir a camisa” da empresa é primordial na busca pelo sucesso.
Aquele que consegue planejar a carreira, entender quais são os pontos principais e trilhar esse caminho, sempre estará em vantagem. E evidentemente, ao escolher a carreira, não há o certo ou o errado, basta se dedicar com afinco e com perseverança, identificando os grandes gates que precisam ser cobertos.
Outra colocação essencial remete à satisfação de realizar aquilo que lhe contempla. Corra atrás dos seus sonhos – o mais importante é atuar com paixão, com fervor, e não, simplesmente, por dinheiro ou por modismo. Essa foi a minha opção e não me arrependo em momento algum – é evidente que em todas as carreiras existirão altos e baixos, mas a paixão proverá a inspiração, a superação, especialmente em fases de imensa dificuldade.
“A vontade de acordar cedo todos os dias e entregar o seu melhor, impactar a empresa e a vida das pessoas são diferenciais. Considero não haver profissão certa ou errada – cada indivíduo deve seguir sua vocação com prazer e com dedicação”