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O grande patrimônio das empresas e dos negócios reside nas pessoas, afirma Daniela Medioli

Na coluna desta semana, conheça a história de Daniela Medioli - Vice-presidente do Grupo Sada

Na coluna desta semana, conheça a história de Daniela Medioli - Vice-presidente do Grupo Sada (Daniela Medoli/Reprodução)
Na coluna desta semana, conheça a história de Daniela Medioli - Vice-presidente do Grupo Sada (Daniela Medoli/Reprodução)

Apesar de ter nascido em uma família de muitos recursos, o valor do trabalho e da responsabilidade social foram pontos fortes dentro de casa. Sempre tive contato com realidades adversas, pois meus pais me proporcionaram isso ao longo da infância e adolescência. Enquanto minha mãe executava diversos trabalhos sociais e costumava levar eu e a minha irmã em locais como creches e comunidades carentes, meu pai, Vittorio, que além de empresário foi parlamentar no início da década de 1990, muitas vezes nos levava ao trabalho.   

Fazíamos algumas viagens ao interior do Brasil, e isso me trouxe experiência e clareza sobre a realidade do país, o que intensificou ainda mais o nosso senso de responsabilidade.     Por isso, com 12 anos virei professora do projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA), onde dava aulas durante dois dias da semana à noite principalmente para idosos; e fiz voluntariado numa casa de apoio a meninas e meninos com câncer, bem como para os familiares. 

Sou natural de Belo Horizonte, capital mineira, e tenho ascendência italiana pelo lado paterno. Vittorio, meu pai, veio para o Brasil em 1976 com o intuito de abrir em Betim - na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais - uma sucursal da Sada, empresa que na ocasião possuía entre suas especialidades: logística, armazenagem e transporte. Ele contava 24 anos e era um dos acionistas da companhia.  

Os primeiros anos, segundo ele, foram difíceis. Frota pequena, volumes baixos, várias crises inflacionárias e troca de moeda. Apesar das muitas      dificuldades, meu pai, em nenhum momento, pensou em desistir. No final dos anos 1980, a operação Brasil se tornou independente da matriz europeia e de lá para cá, a empresa entrou em uma fase de diversificação e expansão. Como fundador da SADA Brasil, ele sempre afirmou ser muito grato ao nosso país, que considera um celeiro de oportunidades. “O que, como jovem empresário, construí aqui, jamais conseguiria construir lá fora”, afirmava.  

Hoje, o grupo Sada é composto por mais de 30 empresas, atuando em dez segmentos de economia e temos por volta de oito mil pessoas colaboradoras. E tudo isso só foi possível pela lógica dos acionistas em seguir reinvestindo nos negócios. Atualmente, somos líderes absolutos na América Latina no transporte de veículos zero quilômetro e um dos aspectos que possibilita estarmos nessa posição é a inovação. Investir em infraestrutura, tecnologia, pessoas, não ter medo de arriscar. É preciso prover uma solução logística muitas vezes não contratada pelo cliente. E como operador logístico é importante, do ponto de vista estratégico, estruturar algo que faça sentido para o cliente gerando valor e reduzindo custos.  

Encare os desafios com humildade e foque no aprendizado contínuo 

Minha jornada no Grupo Sada começa aos 21 anos. Até então, não me via trabalhando em nosso grupo familiar e tinha em mente ter experiências no exterior. Eu me preparava para isso desde a faculdade, quando me formei em Ciências Sociais, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2012. O objetivo era trabalhar em órgãos de diplomacia internacional, como as agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e Banco Mundial. 

Contudo, os planos mudaram de rota devido um grande desafio. Meu pai estava com um quadro de saúde bastante grave. Em 2011, após longas internações, ele precisou passar por um transplante de fígado. Foi quando comecei a me questionar sobre o que eu queria para meu futuro e bateu um grande senso de responsabilidade, afinal, eu era uma das herdeiras da SADA e não podia ignorar isso.  

Diante deste cenário, tomei uma decisão: abandonei o estágio que na época fazia, desisti do intercâmbio acadêmico que faria em Paris e foquei em entender o grupo como um todo, na tentativa de me enxergar no papel de uma eventual sucessora. Até então, estava distante da vida executiva e fora do ramo de business e tinha um gap neste olhar da administração. Iniciei na área de controladoria e auditoria. Não queria ser reconhecida apenas como a filha do dono. Vencer este estigma era essencial para mim. Então, com muito afinco dei o meu melhor, me capacitando em tudo o que podia. Naquela época o grupo ainda era um pouco desestruturado do ponto de vista de gestão. Com isso havia uma cultura organizacional homogênea, mas muito fragmentada. 

Vantagens e desafios de administrar uma empresa familiar 

Sempre fui de colocar a mão na massa. Tinha comigo a vontade de vencer o estigma dos privilégios que me acompanhavam, mas alinhada à uma postura de muita humildade, de querer aprender com o próximo. Fui assim ganhando maturidade, conhecimento, experiência, detectando o que servia ou não e adequando o que era necessário.      

Claro que ser a filha do dono me possibilitou fazer grandes transformações na empresa em um espaço de tempo relativamente curto. Se não fosse por isso, teria um caminho mais árduo para conseguir fazer o que fiz. Essa linha acelerada de crescimento foi maravilhosa na trajetória; me fez assumir projetos grandes muito cedo e felizmente a maioria deles tiveram     êxito na implementação.  

Em contrapartida, um dos desafios foi assumir que eu e meu pai éramos essencialmente diferentes na maneira de pensar. Somos indivíduos com características e visões próprias e por isso devemos ser respeitados por sermos quem somos, com as respectivas qualidades. Hoje, vejo que boa parte das mudanças por mim realizadas foram desencadeadas em razão de minhas crenças e valores. Não quis buscar ser um espelho dele e sim trilhar o meu próprio caminho. E este é um ponto bonito da nossa trajetória.  

Atente-se às mudanças e tenha a resiliência como aliada 

Vivemos em um mundo dinâmico e a resiliência se faz importante para chegar aonde se almeja. O avanço tecnológico trouxe junto com ele uma maior quantidade de demandas e complexidades. E este novo cenário exige preparação, adaptação e muitas vezes coragem para se reinventar tendo como meta acompanhar tendências e antecipar mudanças. Afinal, podemos lutar contra tudo no mundo, mas nunca contra o progresso; ele virá independente de nós querermos ou não. 

Olhar humanizado destaca a liderança 

Atualmente falamos bastante sobre a liderança ambidestra, aquela geradora de       resultados no presente, ao mesmo tempo em que busca estar à frente e focar em inovações. Neste ponto, acrescento também a importância do olhar humano, ainda mais lapidado em mim por conta da formação em Ciências Sociais. Sempre gostei de lidar com pessoas e trago este sentimento para dentro do universo corporativo. Ser útil à sociedade, gerar oportunidades e empregos, investir naquilo que chamamos de “avenidas de crescimento” são setores agregadores tanto do desenvolvimento econômico quanto do socioambiental. E apesar de administrar um grupo extremamente diversificado, desde o transporte, às indústrias e ao agro, tenho em mente que todas são empresas formadas por pessoas. Este olhar diferencia enormemente a relação líder,     liderado e a forma como a companhia conduz as ações.   

Educação Financeira: capacitação constante em várias vertentes 

Se pudesse incluir algo na grade básica do ensino fundamental para qualquer cidadão, seria a Educação Financeira. Isso transformaria o nosso país. Afinal, estes são conceitos úteis para o direcionamento da gestão financeira pessoal e profissional. Isto sem falar que o Brasil é formado por uma grande parcela de empreendedores, vários por necessidade, é verdade, e que justamente por isso precisam ter noções     básicas de matemática financeira, juros, risco. A partir deste conhecimento as pessoas saberão     a hora de investir e qual o melhor momento para tomada de decisões, ciente dos riscos daquele passo. Muito se fala em poupar, mas este não é um estímulo já que a maioria das famílias brasileiras estão endividadas.  

E onde buscar este tipo de conhecimento? Os cursos técnicos, por trazerem no DNA uma orientação prática, acabam habilitando os estudantes a se desenvolver em várias vertentes. Cursos de extensão, pós-graduações, capacitações em ensino à distância (EAD), hoje o leque é bem amplo e diversificado. Além disso, é possível encontrar vários cursos gratuitos acessíveis em redes de desenvolvimento, como é o caso da Rede Mulher Empreendedora, da Ana Fontes. Ela visa trazer conteúdo e capacitação para emancipar mulheres empreendedoras, muitas delas por necessidade, e que não tiveram acesso à educação financeira.  

Por fim, recomendo a busca por mentores. Como mentorada, não tenha vergonha de pedir ajuda, de errar e correr atrás para acertar.  

Autoconhecimento é primordial na jornada corporativa 

Invista no autoconhecimento, busque olhar para dentro de si, e ao mesmo tempo não tenha medo de errar. Olhe para frente e abrace as oportunidades a surgir no caminho; e olhe para trás quando for preciso ressignificar algo relevante. Às vezes, não é o passado ou o curso superior a definir a sua carreira. Tenha em mente: a vida é uma evolução contínua. Erros, tropeços, dúvidas e momentos difíceis fazem parte do processo forjador do ser humano almejado. Os desafios aparecerão. E quando o erro vier, agradeça, pois ele vai te ajudar a ser alguém melhor. Volte para o seu eixo, contenha a ansiedade e tenha em mente: tudo é um percurso, uma trajetória. Por isso, curta a jornada. A vida é um aprendizado e nós, eternos aprendizes.  

Nunca negligencie os recursos humanos 

Todo negócio é feito por pessoas. Não desmereça alguém por não ter, tecnicamente, a competência idealizada. Olhe para o outro com empatia, descubra sua história de vida, reconheça suas potências. O grande patrimônio das empresas e dos negócios reside nas pessoas. Pessoas influenciam culturas, representam exemplos de vida e inspiram. Você precisa buscar as pessoas certas para estar ao seu lado naquilo em que acredita. Então não julgue que as pessoas são descartáveis. Invista tempo em gerir gente, cuidar de gente, engajar gente. 

Fatos que todo o líder deve saber

Dificilmente alguém vai conseguir grandes sucessos na vida sem também arriscar grandes fracassos. Então, em algum momento vai ter o turning point que você vai ter que assumir, se quiser estar em uma posição de liderança. E por melhor que o time seja, por mais atuante que o Conselho seja, tenha ciência: algumas cadeiras de liderança são muito solitárias. Então, aprender a lidar com isso se faz importante, bem como conhecer seus limites, valores e até onde está confortável para ir. O que faz você acordar todos os dias? Você tem paixão por estar onde está? Isto faz sentido para você? Para mim, estas     respostas são um combustível diário.  

Não tenha medo do desconforto 

Não se acomode com o conhecimento que já tem. O mundo está em constante transformação e quem não se atualizar não conseguirá acompanhar o mercado. E esta máxima vale tanto para líderes quanto para aqueles que preferem posições que ofereçam maior estabilidade, nas carreiras horizontais.  

Tenha autoconfiança. Não se intimide por medos, barreiras ou preconceitos a encontrar em algumas posições. Ao mesmo tempo, também não deixe de se incomodar com aquilo que julga injusto para o ambiente. O desconforto faz você passar para a ação.     boa parte da evolução humana vem do desconforto. Ele nos força a superar o medo, assumir um risco maior e acreditar que conseguimos aquilo que almejamos.