O agrônomo do asfalto que vende remédio
Na coluna desta semana, conheça a história de Rodrigo Bravo General Manager – Grupo NC
Publicado em 24 de março de 2023 às, 19h37.
Por Fabiana Monteiro
Uma aula pode mudar uma vida? Uma aula, 90 minutos ao todo. Aconteceu comigo. Aquela aula mudou o rumo dos estudos e do trabalho, bem como outros poucos eventos, somados ao principal: o apoio da família e até de pessoas anônimas, dos ótimos gestores e dos times que trabalhei, temperados com disciplina, um tanto de teimosia e resiliência, o desafio para vencer a timidez, muita sorte, permitiu uma jornada de carreira que gosto bastante.
Aos 16 anos, após um dia, na papelaria em que trabalhava, esperando o ônibus para ir para a aula à noite, na escola “EESG Otoniel Mota”, alguns amigos apareceram e me chamam para ver uma “Aula Show” de um “Terceirão” em Ribeirão Preto. Para mim foi mais que um show, conto daqui a pouco.
Hoje, já nesta trajetória de carreira há mais de 20 anos, após descobrir a minha real vocação (após a faculdade!), entre os muitos erros e acertos, muitas mudanças de função, de cidade, de setores, acredito que a disciplina, a curiosidade e, principalmente, as pessoas e a estrutura que me suportou, me permitiram atuar e crescer em várias frentes na Área Comercial, Trade Marketing, Inovação, Marketing e Gerência Geral – hoje lidero três unidades de negócio do Grupo NC (a maior farmacêutica brasileira, que faz a diferença na saúde para milhares de brasileiros)
Sou natural de Ribeirão Preto (SP), casado com a Isabel (apoio em tantas mudanças de casa devido ao trabalho, morando em Ribeirão Preto, São Paulo, Manaus, Brasília, Fortaleza, São Paulo e Vinhedo), somos pais do Lucas e do Diego. Dou muito valor ao esporte: na maior parte do tempo foi a corrida, porém nos últimos anos pratico o ciclismo; importante para manter o equilíbrio do corpo e da mente. Como fui apoiado com bolsa e incentivo para estudar, tento contribuir com organizações de combate à pobreza, como as ONGs TETO e a Habitat, lidero um grupo de amigos (os “Pedreiros de Jedi”) que em 08 anos financiou, construiu ou reformou 12 casas em comunidades carentes – espero mais à frente dedicar mais tempo e recursos às atividades do terceiro setor.
Voltando à época da adolescência, a regra lá em casa para meus dois irmãos e para mim era fazer o Ensino Médio à noite e trabalhar de dia. Sempre estudei em escolas públicas, do Fundamental à colação de grau na USP. Durante o Ensino Médio, estudava no período noturno e trabalhava durante o dia, inicialmente como office-boy – o primeiro registro –, mas o maior período foi como balconista e serviços de rua numa papelaria. E foi nesta época que apareceu a tal “aula show” na minha vida e acabou mudando os caminhos de estudo, profissão e carreira.
A tal “aula” era, na verdade, um evento do Colégio COC na cidade, com o objetivo de promover a escola e trazer novos alunos na preparação para o vestibular. Fiquei deslumbrado com esse episódio, uma aula experimental em um anfiteatro com vários níveis, lousa com luz, giz colorido e molhado, professores usando microfone, didática diferenciada – podia ser legal estudar e tinha uma promessa bacana no horizonte, morar fora e estudar numa faculdade de ponta. Voltei para casa dizendo que queria estudar para passar no vestibular.
Obtive uma rede de apoio para poder parar de trabalhar e “só estudar”: os pais, a madrinha, uma amiga da família que até hoje não sei quem é. E o próprio colégio, o COC, que naquele ano criou uma sala de “Terceirão” complementar, exclusiva para quem era de colégio estadual e com preço mais acessível (pela manhã faríamos o curso regular no Estado e à tarde o reforço no COC). Isso tudo permitiu que, com suporte, suor e sorte, eu entrasse na ESALQ/USP no curso de Engenharia Agronômica, me graduando em 1994.
Formar-se numa ótima faculdade também me ajudou muito. Eu sempre fui um agrônomo do asfalto, não conhecia nada do meio rural antes de entrar na faculdade. Sigo sem conhecer quase nada, pois nunca exerci a Agronomia. Mas foi um curso que abriu os horizontes, um curso eclético, permitiu aprender o método científico (teste, repetição, validade estatística) e com isso ter uma visão crítica das causas e consequências, além de aprender a se virar morando fora de casa. Aproveitei mais as disciplinas ligadas ao meu perfil, como Economia, Administração e Computação que também tinham ótimos professores e orientadores, como os professores Pedro e Evaristo.
Nas últimas duas décadas, o Agro se tornou “Pop”. É um mercado muito promissor, mas na época da faculdade não era assim, os que moravam na moradia estudantil e dependeriam de emprego, temiam não conseguir trabalho ao se formar. Então, vivendo naquele período de transição e com receio de não me empregar, vivendo de algumas bolsas (estudo, alimentação), foi um empurrão adicional para não seguir no ramo agrícola e começar a carreira num outro segmento que, na época, julgava mais promissor, copiando os aprendizados do meu irmão mais velho que já atuava em empresas de consumo.
O começo da carreira: aprender, ser desafiado, estar fora da zona de conforto
Após me formar, comecei a minha trajetória na P&G (Procter & Gamble), no início de 1995. Também com muita sorte, me hospedei na casa de um amigo de infância, o Marcelão, que trabalhava na P&G e me incentivou a participar da seleção – ele me referenciar no processo seletivo certamente ajudou. Minha ideia inicial seria ficar talvez um ano na empresa, mas fiquei 15 anos. Também comentava que se ficasse mais tempo na empresa, nunca seria promovido: aquilo era um quebra-galho para conseguir alguma grana, eu era muito tímido para a Área Comercial, não tinha um inglês satisfatório, tinha aversão a São Paulo e ao trabalho em escritório na matriz – essenciais para o crescimento profissional naquela época. Mas, graças ao gosto inato por fazer negócios e a paciência dos primeiros gestores (Jairo e Maurizio) e dos ótimos gestores que vieram na sequência (reconheço aqui dois deles, que hoje estão aposentados, o Eliezer e o Sten), acabei promovido algumas vezes e pude atuar em muitas funções interessantes. E aprendi a gostar de São Paulo. Hoje, olhando em perspectiva, os aprendizados daquela época foram tão bons que alguns até pagariam do bolso se precisasse – mas o melhor é que foram aprendizados que adquiri trabalhando mesmo, sendo pago para isso.
Nesta primeira fase, valorizo o aprendizado, expandir os horizontes, ser exposto – estar fora da zona de conforto (ex.: com 45 dias de empresa, apresentar o plano de medicamentos de inverno para os proprietários e diretores de vários clientes, participar de eventos em inglês – passando alguma vergonha – mas aprendendo a falar em público com frequência).
Por paixão ao nicho no qual me inseri, uma carreira centrada na indústria de consumo e farmacêutica, de viés comercial, agregando Trade Marketing e Inovação, foi um bom posicionamento. Esta construção foi um misto de acaso com planejamento – as oportunidades que surgiram e que consegui agarrar e as que passaram ou perdi. Um ponto importante é estar aberto para uma carreira mais off-road, menos linear, ter disponibilidade para ser transferido várias vezes, mudar de área muitas vezes também, trouxe um leque de opções maior.
E assim, quando estive à frente de funções comerciais, pude morar em quatro regiões do país, sempre com o apoio da esposa, vivenciar as culturas locais, aprender e crescer os negócios junto com os clientes. Trabalhei no interior de São Paulo (por 3 anos, rodando 7.000 quilômetros de carro por mês, visitando regularmente 10 cidades); gerenciei a Região Norte baseado em Manaus; o Nordeste, em Fortaleza; o Centro-Oeste, morando em Brasília. Enfim, visitei e fiz negócios presencialmente em todos os estados do Brasil – são vivências singulares.
Execução e operação
Um outro fator que me ajudou foi unir a experiência de execução e a visão estratégica, foi poder combinar e alternar funções internas (Inovação, Trade Marketing, Gerência Geral) e externas (Gestor Comercial). Aquela pessoa que é muito comercial, muito externo, acaba muitas vezes se tornando “míope” para a visão do todo, para a estratégica, ver além do horizonte, projetar o futuro além dos horizontes atuais. O mesmo problema ocorre com o profissional 100% interno, que muitas vezes desconhece a operação, insistindo em planos que podem não sair do papel. Combinar o conhecimento da estratégia e da operação e ter a vivência em ambas as situações são um diferencial para a carreira. Tomaria muito cuidado, evitando ficar muito tempo apenas com o que domina, evitando a mobilidade de função e área. Ok, existem ótimas carreiras verticais e de especialista, mas, no meu caso, a mobilidade e a multiplicidade de áreas me ajudaram a crescer, foram diferenciais.
Desafio, conquistas e pressão
Na carreira executiva na indústria farmacêutica, Comercial e Marketing, a rotina passa longe – e isso é uma benção. Além disto, acabou o mês, zera tudo, outra meta por bater. E mesmo dentro do mês, é possível ter conquistas ou frustrações quase diárias. E, semelhante ao esporte, para quem gosta de desafio e endorfina, a busca e a felicidade pelo resultado são um presente e tanto. Mas também semelhante ao esporte, faça chuva ou sol, com ou sem preguiça, tem que acordar cedo e treinar. Gosto da frase que diz que “o corredor é um louco que luta contra a própria sombra”. Vai sozinho, ninguém para incentivar, boa parte dos treinos e da carreira é assim, vai porque gosta.
Mas tem também o lado sombra disto tudo, desta cobrança intensa por resultado, a empresa voltada para você e para cobrar você – não é fácil, mas com tempo, suporte e equilíbrio, é possível navegar e, em boa parte das vezes, passar pelas tempestades – mas nem sempre dá. Lesões emocionais estão no pacote do esporte e da carreira. Também está no pacote ser promovido e premiado, como também receber avaliações ruins e eventualmente até perder o emprego. Quando acontece, é necessário se recuperar e voltar a treinar. “All ends with beginings”.
Garantir acesso a medicamentos de qualidade e na hora que o paciente precisa
Após a P&G, movido pelo propósito e pela curiosidade pela indústria farmacêutica – que permanece igual até hoje – migrei para a Abbott, atuando pela primeira vez numa empresa 100% farmacêutica, movida a medicamentos prescritos, por meio da promoção dos benefícios do tratamento e da educação médica continuada aos profissionais de saúde. E bater meta, sempre tão bom, adquire um valor ainda maior por se tratar de promover a saúde dos pacientes.
Naquela época já tínhamos um filho, planejava o segundo e, entre permanecer no país ou morar no exterior, me guiei por seguir no Brasil por mais um período. Deu tudo muito certo, mas de vez em quando me questiono se não deveria ter trabalhado no exterior, vivendo experiências ainda mais distintas – mesmo participando de fóruns de trabalho na América Latina por aproximadamente 10 anos, não é o mesmo que realmente viver uma outra cultura. Em alguns momentos também me questiono se não deveria ter permanecido mais tempo em algumas funções ou empresas, ao invés de, por ambição ou barreiras, acabar me precipitando em algumas movimentações. Controlando a ansiedade, o tempo sozinho também ajusta os rumos, também traz novos desafios. E mesmo no passado, em momentos difíceis da carreira, convivendo com pequenas criaturas, com paciência e perseverança, tudo teria passado – mas uma ou outra vez me faltaram ambas.
Nesta trilha de carreira, atuei na Pfizer e na Sanofi em diretorias comerciais, de Marketing e como gerente-geral interino. Destas empresas, trago comigo o foco na inovação, no cuidado com o paciente e com as práticas comerciais.
Atualmente atuo como gerente-geral no Grupo NC, a maior farmacêutica do Brasil – que promove acesso a medicamentos de qualidade para a população brasileira e em vários países –, sou responsável por três unidades de negócio neste conglomerado de empresas.
Estratégia corporativa e assumir riscos
Sobre estratégia, gosto da definição que a apresenta como algo nem do futuro e nem de um comitê executivo. Estratégia é a gestão das fortalezas, recursos e barreiras de uma empresa, hoje e amanhã. Gestão da realidade atual e preparação para a realidade projetada. Além disto, sem o comprometimento de toda a empresa, a estratégia sonhada à noite começa a se desfazer no café da manhã.
E para buscar o crescimento, deixar claro para os times a expectativa de como operar e quanto de risco podem tomar.
Sobre assumir riscos, uso uma definição em que fui treinado: “assuma os riscos que, se errar, você consegue resolver sozinho se tudo der errado, sem precisar envolver seu gestor. Se precisar assumir ainda mais riscos, alinhe antes com o seu chefe”.
Sobre gestão da estratégia e de riscos, gosto de um exemplo ilustrado por um caso real, em escolas na zona rural de outro país, região de campos, gramados imensos ao lado das escolas. Porém, as crianças usavam pouco o espaço externo disponível, ficavam mais próximas ao prédio. Se uma criança ia mais longe, era advertido. Construíram uma cerca para delimitar a parte do gramado que seria permitido brincar. As crianças passaram a usar mais o espaço externo depois da cerca. Gestão de recursos e de times. Estabelecer a regra de como operar, até onde ir. O restante foi com as crianças, motivadas e sem medo de errar.
Gestão de pessoas: fortalezas e áreas de melhoria
Com os colegas que trabalho, gosto do paralelo de um barco a vela, com várias velas, umas maiores e outras menores. Todos temos nossas fortalezas, aquilo em que realmente somos bons, as “velas grandes”. Meu foco é tirar o máximo de proveito delas, conseguir “mais vento” e mais “velocidade” do indivíduo e do time no “barco corporativo”, reforçando o que cada um tem de bom. Mas todos também temos “velas” que não estão boas, ou rasgadas ou mal ajustadas. Neste caso, o foco é trabalhar poucas oportunidades que realmente limitam o crescimento profissional ou o trabalho da pessoa no time. Mas, no todo, muito mais foco no que a pessoa tem de bom do que naquilo que ela tem a melhorar.
Além disto, mesmo para nossas fortalezas, atenção para o efeito “negativo” que as próprias fortalezas podem trazer ao usá-las na hora errada ou em excesso. Em alguns momentos, por exemplo, ser pragmático, simplificar, é importante e até essencial. Em outros, o excesso de pragmatismo irá inibir novas ideias e a inovação, impossibilitando também a participação de colegas mais visionários.
Nada supera um time – nenhum indivíduo
Também busco me apoiar na inteligência coletiva – mais que comprovado que a diversidade das pessoas e a soma dos pontos de vista trazem um resultado infinitamente maior que qualquer indivíduo.
Também em times, vejo uma melhor gestão da energia de forma coletiva que individualmente. Me apoio no exemplo de um pelotão de corrida de bicicleta, praticamente impossível um atleta sozinho querer competir com um pelotão.
Eventualmente você consegue ir mais rápido sozinho, mas por pouco tempo.
Pessoas e setores que admiro
Espelhar-se em exemplos é um excelente guia e fonte de inspiração. Na maioria das vezes aprendemos com os exemplos de como fazer, outras com os exemplos do que evitar. Além da família, meu reconhecimento vai para a maioria dos meus gestores. Atualmente valorizo os gestores que estão próximos e aqueles que, com sua garra e impulsividade, vão além, fazendo a empresa crescer e levando saúde para mais pessoas.
Na sociedade, admiro muito os profissionais de saúde e todas as empresas e governos que promovem o acesso a ela. Aqueles que desenvolvem soluções e medicamentos. Os que cuidam e escutam. O balconista da farmácia de plantão. O educador nas faculdades. A faxineira que limpa o leito.
Admiro também os que doam e se doam. Como o Eduardo Lira, os voluntários fixos do TETO e os bilionários do The Giving Pledge – que doam a maior parte de suas fortunas em vida em prol da sociedade.
Respeito muito o Barack Obama pelo que conseguiu promover de imagem positiva para a cultura negra em escala global. Também tenho apreço pela Nancy Pelosi, que liderou o Congresso nos Estados Unidos – sendo mãe de cinco filhos (!) – e abrindo espaço para as mulheres ao ocupar o cargo mais alto do Legislativo por anos.
Boas escolas, boas empresas - mas nada supera o indivíduo
Vocês provavelmente conhecem aquele exemplo de um vídeo famoso no YouTube, de pessoas que foram privilegiadas na sociedade (com família, estudo, saúde, etnia), que largam numa corrida muitos passos à frente dos demais – sendo “reconhecidos” por sua performance, quando, na verdade, foram praticamente empurrados para frente. Mostra que uma boa escola, uma boa empresa, a estrutura familiar fazem a diferença para o sucesso de uma pessoa.
Mas tem o outro lado da história, de todos aqueles que, mesmo numa ótima empresa e escola, não se dedicaram, foram na onda enquanto a onda os levava. Ou aqueles outros que, mesmo com menos recursos, mas com uma alta motivação, viraram o jogo.
Então, nestas “ultramaratonas”, que são a vida escolar e a vida profissional, a gestão da energia física e mental, a ambição, a sua dedicação, farão a diferença em longo prazo. Você irá ganhar muitas provas e perder outras tantas. Se teve boa formação, agradeça e retorne isso para seus filhos e para a sociedade. Se não teve a formação privilegiada (que eu tive), foque em seus objetivos e, num ritmo forte (“o corredor que luta contra a própria sombra”), você gradualmente irá ultrapassar pelo menos metade da multidão!