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Não aceitar o novo pode afetar profundamente sua carreira, afirma Mônica Percario

Na coluna desta semana, conheça a história de Mônica Percario vice-presidente global de assuntos científicos da Knight Therapeutics

Mônica Percario: "Não aceitar o novo pode afetar profundamente sua carreira. Fuja desse erro!" (Divulgação)
Mônica Percario: "Não aceitar o novo pode afetar profundamente sua carreira. Fuja desse erro!" (Divulgação)

Sempre gostei de ler. Desde cedo, fiz deste hábito algo intrínseco à minha rotina, absorvendo de conteúdos densos a romances adocicados. Contudo, jamais poderia imaginar que, um dia, uma dessas histórias fictícias, lidas entre um momento e outro da vida, me inspiraria a ponto de mudar por completo os caminhos da trajetória profissional.  

Mas antes de compartilhar essas memórias com você, gostaria de me apresentar. Me chamo Mônica Percario, nasci em São Paulo. Sou filha de pai militar e mãe dona de casa, que, além dos afazeres domésticos, também costurava para a família, contribuindo financeiramente com as despesas dos três filhos.  

Até o final do Ensino Fundamental, meus estudos ocorreram dentro de um colégio de freiras. Posteriormente, o Ensino Médio foi cursado em um colégio misto, onde me deparei com o desafio de escolher qual área seguir. Levava comigo a paixão e a certeza em optar pelo Direito. Isso até que a mãe de uma grande amiga, Edméia Martinez, farmacêutica, me mostrou pontos interessantes dessa profissão. Como eu sempre gostei da área de Biologia, passei a olhar com mais atenção para esta área também. Hoje, vejo que a Sra. Edméia foi a minha primeira mentora, uma mulher diferenciada, com nível universitário, algo bastante difícil naquela época.  

Sem saber qual carreira seguir, prestei vestibular para Farmácia e Direito – e passei em ambas. Escolhi a primeira opção e iniciei meus estudos na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Era 1980.  

Como a faculdade ficava em outra cidade, me mudei. Neste período, morei em uma comunidade com outros jovens e aprendi na prática a respeitar o limite do outro, dividir tarefas e trabalhar em equipe. Foi um aprendizado bastante importante e que me preparou para os próximos desafios que viriam pela frente.  

Fiquei por ali até terminar o curso, quando então retornei para São Paulo para fazer meu estágio. Minha mentora novamente me ajudou a encontrar uma vaga dentro do que eu procurava. Digo isso porque neste período as faculdades de Farmácia eram voltadas ou para a área de Controle de Qualidade ou para a área de Produção (esta direcionada para os homens). E eu nunca gostei de Controle de Qualidade. Queria trabalhar na Produção, por isso foquei em Farmácia Industrial.  

Durante o estágio, a primeira grande oportunidade: o farmacêutico responsável pela área de Produção adoeceu e eu fui convidada para permanecer na posição. Aceitei e dei o melhor de mim, desempenhando minhas funções com alta performance durante todo o tempo em que ali estive.  

Hora da virada 

Embora estivesse fazendo algo que gostava, com o tempo, a atividade tornou-se repetitiva. Isso passou a me incomodar, pois não via muitas possibilidades para expandir meus horizontes. E foi neste momento da história que, coincidentemente ou não, um fato mudou totalmente o curso da jornada. 

Todos os dias, na hora do almoço, eu passava em frente a uma banca de jornal. Em um desses dias, um livro exposto na gôndola me chamou a atenção: ele se chamava Remédio amargo, com a autoria de Arthur Hailey. O livro conta a história de Célia, uma química que trabalha na área de qualidade de um laboratório farmacêutico. Em determinado momento, ela sente-se infeliz, pois não via nenhuma perspectiva de crescimento. Além disso, quer trabalhar onde as grandes decisões são tomadas. Quer mudar para a área comercial, mas vê que é muito difícil para as mulheres. Luta bastante até que consegue uma vaga como propagandista de medicamentos, em um setor ainda não explorado. Ela vê isso como um desafio, uma oportunidade, e consegue alcançar ótimos resultados. No decorrer da história, Célia passa por muitas dificuldades e vitórias, até que alcança o posto de presidente da companhia onde atuava.  

Aquela leitura me fez refletir sobre a minha posição, e concluí que, assim como a personagem, também deveria me colocar em movimento. Era hora de explorar novos caminhos. 

O desafio de ser mulher em um universo masculino 

Visando dar o primeiro passo em direção a essa mudança, liguei para a minha melhor amiga, que trabalhava na Rhodia Farma, e perguntei se ela tinha conhecimento de alguma vaga de propagandista... E não é que havia? Fiz o teste, outras cinco entrevistas, e em 1987, após mais de um mês de seleção, consegui a posição. Fui a primeira mulher propagandista da Rhodia Farma. Isso foi extremamente significativo, porque o universo da propaganda, nessa época, era dominado pelos homens. Eu trabalhava na equipe hospitalar sendo a única mulher em um grupo de 160 homens nos maiores hospitais de São Paulo.  

Meu chefe queria trazer para a corporação uma experiência diferente. Ele defendeu a minha contratação e tinha que provar a todos que a aposta dele em uma mulher era acertada. Por isso, exigia demasiado de mim. Até o fato de eu ter que tomar cerveja com os meninos na sexta-feira foi colocado na berlinda. Lembro-me que na terceira vez que recusei o convite, ele retrucou: “Na entrevista você disse que era capaz de fazer tudo que os garotos faziam. Então, esteja na padaria na próxima sexta-feira”.  

O fato é que sentia que os rapazes me testavam, e meu chefe queria comprovar que sua decisão foi acertada. Eu entendi nesse momento que minha heroína Célia estava certa. Eu não tinha que ser tão boa quanto os meninos – tinha que ser melhor. Em busca de corresponder a estas expectativas, saí da zona de conforto e me lapidei, tornando-me uma pessoa mais comunicativa e segura. E isso me ajudou não só na carreira, como também na vida pessoal. Foi uma experiência incrível.  

Não tenha medo de se reinventar  

Após um ano e meio de trabalho e descobertas, meu irmão mais velho, João, que sempre foi uma pessoa importante na minha vida, me convidou para ser sua sócia em um estabelecimento comercial localizado no bairro da Freguesia do Ó, Zona Norte de São Paulo, bairro onde passamos a nossa infância. Nossa loja vendia roupas para todas as idades, tecidos e artigos da estação. Durante quatro anos, trabalhamos duro e comemoramos com alegria cada vitória alcançada. Buscávamos abrir novas lojas, e graças ao nosso empenho, estávamos caminhando nessa direção.  

Mas, infelizmente, uma fatalidade pôs um ponto final em nossos planos. Meu irmão, que também era engenheiro civil, estava acompanhando de perto as obras de expansão da loja e foi assassinado durante um assalto, aos 32 anos. Perdi o chão. Sem ele, me deparei com uma situação bastante difícil. Eu havia largado a profissão e investido todas as fichas neste empreendimento familiar. Nós nos completávamos nos negócios: eu, como vendedora; ele, como comprador. Fiquei um longo período perdida, sem saber o que fazer com meu futuro profissional.  

Na verdade, foram dois anos analisando, medindo os prós e contras, e colocando na balança quais seriam os caminhos que eu deveria tomar a partir de então. Nesse meio-tempo, engravidei do meu único filho, segui tocando a loja e a obra. Então, após pensar bastante, decidi: não queria mais continuar.  

Mas, como voltar para a minha área? Resolvi prestar concurso público. Passei em alguns, e na semana que iniciaria um novo trabalho em Guarulhos, recebi uma ligação totalmente inusitada de um diretor que trabalhava na empresa onde fiz meu estágio. Ele queria saber se eu não gostaria de trabalhar com ele na área de Registro de Produtos e Marcas. Na época, ele era diretor comercial do Farmasa, Indústria Farmacêutica Nacional, mas também cuidava da parte de Registros de Produto com uma assessoria, que fazia toda a parte dos trâmites junto à Secretaria de Vigilância Sanitária, futura Anvisa. Ele, vislumbrando o crescimento dessa área, decidiu internalizá-la e, junto do diretor médico da empresa, me introduziu ao mundo regulatório.  

Uma lição importante eu tirei dessa fase da minha carreira: deixe sempre uma marca positiva no seu trabalho, pois você será lembrado no futuro. 

Mais uma vez saí da minha zona de conforto, estudei muito para aprender as legislações e todos os processos que envolvem o registro de um produto. Nas reuniões das entidades de classe, conheci muitos colegas, aprendi com eles, expandi meu networking e me apaixonei pela área.  

Nessa época, percebi que tinha que voltar aos bancos da escola e decidi pela faculdade de Direito, aquele curso que eu pensava fazer antes de decidir por Farmácia. Fiquei nessa empresa por 14 anos, até ocupar a posição de gerente de Assuntos Regulatórios, período no qual contribuí e participei do crescimento da empresa.  

Durante esses anos, mantive meu compromisso pessoal de buscar aumentar meu conhecimento. Além do estudo do Direito, também aprimorei meu inglês. 

Em maio de 2008, fui convidada para trabalhar na Sanofi, uma indústria farmacêutica francesa. Entrei como gerente de Assuntos Regulatórios, respondendo para uma colega por quem sempre tive muita admiração. Durante os anos em que trabalhamos juntas, busquei me espelhar nela e aprender o máximo possível. Após algum tempo, fui promovida a diretora de Assuntos Regulatórios, ampliando o escopo das minhas funções. Posteriormente, fui convidada para mudar a minha abrangência para a América Latina. Era hora de aprender espanhol para poder interagir com outras lideranças. Trabalhei com diversos países e liderei um projeto especial no qual implementamos uma nova metodologia de trabalho, resultando na conquista de um prêmio de inovação. 

Eu estava prestes a completar 60 anos, quando fui chamada para um novo desafio: a posição de vice-presidente de Scientific Affairs na empresa farmacêutica canadense Knight Therapeutics. Decidi deixar a Sanofi e assumir uma nova posição, enfrentando mais um desafio. Novamente, precisei estudar e me desenvolver, pois assumi áreas que não faziam parte da minha expertise, como Qualidade, Farmacovigilância e a área médica. Muitas pessoas não entenderam esse movimento e acharam que eu não deveria arriscar, pois estava em uma grande corporação, onde era reconhecida e valorizada. Foi uma decisão difícil, mas que me trouxe inúmeros desdobramentos positivos.  

Trabalhar com empenho potencializa seu networking 

O networking, sem dúvida, é muito importante no nosso dia a dia. Entretanto, não se trata somente de uma rede de pessoas que você conhece, mas pessoas com quem se troca informações e experiências. Assim, ser reconhecido no mercado pela excelência do seu trabalho é fundamental para que essa rede seja positiva e para que você seja lembrado no momento oportuno. Foi o que aconteceu comigo quando fui trabalhar no Farmasa, lá atrás. 

 Liderar é ser verdadeiro e compartilhar conhecimentos  

Honestidade e integridade são duas características que prezo quando se fala em liderança. Os profissionais com essas características normalmente honram seus compromissos, agem de maneira transparente, sincera, justa e respeitam a opinião do outro, além de ter facilidade para trabalhar em equipe, criando um ambiente positivo. A minha maior característica pessoal é ser transparente com todos que me cercam.  

Atuando em uma área técnica, acredito ainda que o líder deve sempre estar disposto a ensinar e transmitir seus conhecimentos. O conhecimento estimula o crescimento individual e coletivo.  

Três qualidades que o tornam desejado no mercado  

Gosto de ter ao meu lado pessoas que sejam apaixonadas pelo que fazem, que busquem aprender e que sejam honestas e íntegras. Além disso, se você se dispõe a aprender outras coisas, abre possibilidades para outras oportunidades que possam aparecer. A curiosidade, por exemplo, me levou a aprender habilidades de diferentes áreas, o que me permitiu assumir o cargo que estou hoje. 

Dê o seu melhor e busque conhecimento onde estiver Todo começo é difícil. Dentro das empresas, as cobranças e as responsabilidades são grandes. Então, independentemente da posição que você ocupe, dê o seu melhor. Procure ampliar seus horizontes, aprender e se desenvolver. Estou certa de que se você trilhar sua carreira dessa forma, seu trabalho será reconhecido e você terá muito sucesso.  

comportamentos distintos, sendo fundamental compreendê-los para criar um ambiente positivo, 

Não caia na armadilha da estagnação  

As mudanças são constantes nas empresas. Mudam a estrutura da organização, a estratégia do negócio, as prioridades. Você deve estar aberto a essas e tantas outras mudanças. É fundamental que você se adapte às novas situações. É muito importante ter uma mentalidade aberta para explorar as oportunidades que essas mudanças podem trazer. 

Não aceitar o novo pode afetar profundamente sua carreira. Fuja desse erro! A capacidade de aprender continuamente e adaptar-se ao novo são pontos essenciais para prosperar.