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Jamais pare de aprender; desenvolva competências e relações sólidas

Na coluna desta semana, conheça a história de Marcos Antonio De Marchi, CEO da Vicunha Têxtil

Na coluna desta semana, conheça a história de  Marcos Antonio De Marchi  CEO  da Vicunha Têxtil  (Vicunha Têxtil /Reprodução)
Na coluna desta semana, conheça a história de Marcos Antonio De Marchi CEO da Vicunha Têxtil (Vicunha Têxtil /Reprodução)

Ao analisar a minha trajetória, destaco a relevância de ter me dedicado a amealhar conhecimentos diversos, com o intuito de constituir um perfil multidisciplinar. Apaixonado por Engenharia, jamais deixei de prosseguir estudando para contemplar outros aspectos, em prol do desenvolvimento pessoal e profissional. Assim, além do caráter técnico, aprendi a me comunicar melhor, alicerçando sólidas relações, responsáveis por alavancar a minha carreira. Atualmente, ocupo a cadeira de CEO na prestigiosa Vicunha Têxtil, empresa referência em seu segmento.  

Natural de São Bernardo do Campo (SP), sou oriundo de uma família italiana, que chegou na cidade há quase 140 anos. Meu pai, Attilio, era industrial do ramo de móveis e trabalhou por 75 anos, praticamente, até falecer – um grande entusiasta de negócios, uma pessoa que certamente me inspirou no meu planejamento de carreira. Desde jovem, aprendi assuntos pertinentes ao trato com os clientes, ao comércio e à indústria. Meu pai sempre nos proveu de valores sólidos, como a ética, a honestidade e o repertório intelectual. 

Éramos cinco em casa, apenas minha mãe de figura feminina. Meu pai tratava a minha mãe Nilse pautado no respeito e no carinho. O respeito às mulheres para mim foi um legado autêntico, baseado na vivência familiar. Levei este valor para a minha vida pessoal e profissional. Comecei a namorar a Maria Cristina ainda no ginásio, com quem sou casado há mais de 40 anos. Temos duas filhas, que muito nos orgulham, e nos deram quatro netos. 

Nasci em 1956, justamente na época em que grandes automobilísticas desembarcavam no ABC Paulista, território formado pelos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, ou seja, a região tornou-se um polo industrial vigoroso. Portanto, meu pai nos motivou a estudar para fazermos carreira em umas dessas renomadas empresas.  

Ele preparou-se para estudarmos em período integral, sem precisar trabalhar – algo fundamental para priorizar o vigor acadêmico. Desta forma, ingressei na FEI, onde me graduei em Engenharia Mecânica, com ênfase na área têxtil, em 1979.  

A relevância de se mesclar conhecimentos diversos 

Saliento que na faculdade havia a cada semestre uma disciplina de Humanas, e considero que isso foi um grande diferencial na minha vida. Ao entrar em contato com outro universo, assimilei conhecimentos acerca da importância da liderança, da comunicação e da empatia.  

Afeiçoei-me aos conceitos das Ciências Humanas como a Psicologia aplicada ao trabalho e à Sociologia e considero primordial utilizar tais conceitos. Quanto aos cálculos, sempre foi um dom, mas ao me preparar neste universo diversificado, ampliei o meu escopo, tornando-me um profissional multidisciplinar.  

Com a crise do petróleo de 1973, as oportunidades industriais cresceram no Brasil, fruto da necessidade de nacionalização de produtos importados. A Engenharia Têxtil requer preparo em química orgânica, por conta dos corantes e dos polímeros, ou seja, fiquei sempre entre a Mecânica e a Química, algo bastante positivo, ao abrir um campo de trabalho deveras promissor. Recordo-me de como os professores Ana Maria, Idamo, Paulo, Sérgio e Majewsky me estimularam a enveredar por esse caminho.  

A Engenharia Têxtil combina caráter técnico com artístico, em que se pode ver e sentir o produto. Isso me atraiu. E sabia que sairia da faculdade empregado. Inclusive, no quarto ano, já havia realizado bons estágios. Ao me formar, contava com ofertas da Rhodia, Linhas Corrente e Teka – três opções absolutamente seguras. 

A trajetória longeva e vitoriosa como líder na Rhodia 

Sendo assim, ingressei na Rhodia e edifiquei uma vitoriosa e longeva carreira de 33 anos na companhia. Nos meus primeiros 12 anos, atuei em Pesquisa & Desenvolvimento, inclusive com uma passagem significativa pela Alemanha.  

Notável lembrar como os meus colegas optaram por especializações em Engenharia, ao passo que resolvi estudar inglês e francês. Isso me abriu contatos e me rendeu a fama de ser hábil com os idiomas. Como exemplo, precisei aprender alemão em sete meses – a experiência mais difícil da minha vida, pois tinha de estar preparado para ser expatriado. 

Na Europa, as microfibras estavam em voga e, ao regressar ao Brasil, busquei parceiros para incrementar essa inovação dentro da empresa, com todo o know-how constituído. Neste ínterim, me aproximei do pessoal de negócios e fui desenvolvendo cada vez mais a aptidão para cuidar de equipes heterogêneas em sua composição, levando-me a gerir o time da área industrial.  

Já em 1997, realizei o Programa de Gestão Avançada da Fundação Dom Cabral com o Institut Européen d'Administration des Affaires (FDC/INSEAD). Tive contato com cadeiras importantes como Economia, Administração, Estratégia e Marketing. Neste momento, decidi migrar para os negócios. À época, o diretor de RH, Gilberto, que era meu amigo, argumentou sobre a minha falta de experiência nessa área. Tratei de rebatê-lo, ao destacar as minhas origens, pois detinha um sólido tino comercial, desconhecido pela empresa, oriundo do negócio familiar. 

Em 1998, a companhia deixou aos meus cuidados uma pequena atividade, de produzir fios industriais e tecidos para a Pirelli, a Goodyear e a Firestone. Em dois anos, realizei um turnaround muito bem-sucedido nessa operação, ao aplicar uma série de conhecimentos que havia aprendido nos segmentos de pesquisa e desenvolvimento e no PGA. 

Devido a este êxito, assumi uma posição na Suíça para implementar tal plano no âmbito global, permanecendo em Luzern por três anos. Vendia para diversos países da Europa, consolidando uma magnífica experiência neste período, e destaco como mudei uma planta de airbag da Suíça para a Eslováquia, diminuindo os custos da operação, derivando em uma atividade promissora. Também reativamos uma antiga planta soviética na Letônia, que passou a produzir um excelente fio para cordas esportivas de montanhismo. 

Em 2004 a Rhodia passou por uma grande reestruturação e fui chamado de volta ao Brasil para cuidar também dos fios têxteis e dos plásticos de engenharia. Nossa atividade, produtos de poliamida, passava por um momento bom, com crescimentos sucessivos, o que me conduziu à posição de presidente da Rhodia para a América Latina, em 2005. Conduzi o processo de crescimento e reformulação dos negócios da empresa, dobrando a receita em apenas quatro anos, atingindo US$ 1.5 bilhão, além de ter contribuído para recuperar a empresa. Nossa região passou a representar 17% do faturamento mundial do grupo.  

O desafio de assumir a posição de CEO da Vicunha 

Efetuamos uma série de projetos, até que, em 2011, a Itaúsa começou a me procurar, pois a instituição controlava a empresa química Elekeiroz. O grupo buscava alguém experiente e aceitei a oferta para ser CEO. Efetuei renovações nas equipes, na cultura da companhia, além da renovação de portfólio. Implantamos um bem-sucedido Management Cockpit, que norteava nossas decisões. 

Permaneci até 2021, mas já conversava há cerca de um ano com o Ricardo Steinbruch, para ser o novo CEO da Vicunha Têxtil. O desafio era grande; a Vicunha sempre foi um nome forte do mercado, especialmente pelo prestígio de Mendel Steinbruch, o fundador do grupo. Desde junho de 2021 estou à frente desta missão, e reitero que tem sido uma experiência fantástica liderar uma multinacional brasileira.  

Nunca tive o perfil de projetar meu futuro a longo prazo, de como será a jornada daqui a dez anos. Em contrapartida, sempre pensei em desempenhar da melhor maneira possível o posto que ocupo e ambicionar a próxima posição. Costumo transmitir isso aos colaboradores e trainees 

Disponibilidade e curiosidade são diferenciais 

Cada um tem uma fórmula para desenvolver as pessoas e equipes. A minha é a de identificar as forças de cada um e buscar sempre maximizá-las. Considero que todos possuem um ponto forte, portanto, busco sempre bem utilizar o potencial individual.  

Além disso, é essencial criar um ambiente no qual todos exponham a sua opinião, com diálogos sadios, mas sabendo ouvir genuinamente. Tudo isso passa pelo conceito de liderar pelo exemplo – o conhecido Walk the Talk. Trato de agir assim.  

Prefiro equipes heterogêneas em sua formação, em que se pode contar com diferentes ângulos de visão. Debater, buscar o compromisso, convergir e alinhar são tarefas do líder.  

Muitas vezes, é preciso dizer o não, e nesses casos é importante esclarecer os motivos.  

Na Vicunha, criamos fóruns para os diversos temas, projetos estratégicos e geografias. Definimos metas e acompanhamos periodicamente. Todavia, começo todas as reuniões, sejam elas operacionais ou do conselho, falando sobre o tema “Segurança”, dando assim o sinal visível de que este é um tema inegociável e que antecede a todos os demais.  

Considero também muito importante para o sucesso o fator da disponibilidade. O líder deve dispor desta característica – não pode ser uma pessoa inatingível, que nunca tem agenda para nada. Admiro muito o presidente do nosso conselho de administração, que, apesar de morar no exterior, mantém contato comigo quase todos os dias. E ele sempre pergunta se há algo a mais que possa fazer por mim. Isso gera um enorme impacto, porque me leva à reflexão.  

Ademais, não sou o tipo de líder que troca o time inteiro. Considero essa uma atitude carreirista, do gestor egoísta. Esse pensamento de trazer meu time encarece os custos para a empresa e muitas vezes estraga o ambiente. Obviamente, há casos nos quais realmente é preciso efetuar movimentações, porém, na maioria das vezes, é possível recuperar o desempenho do indivíduo, compartilhando o propósito e estabelecendo metas. 

O líder que se empenha em tirar o melhor de cada um, certamente terá mais chances de alcançar os seus objetivos.”  

Em termos de habilidades, enalteço como é fundamental o compromisso com tal propósito. Procuro pessoas que se envolvam com as atividades, sem a necessidade de empurrá-las. Além disso, destaco o perfil hands on, enfim, o profissional que coloca a mão na massa, mergulha de cabeça no problema em busca de soluções, sem terceirizar trabalho aos colegas, sem jogar a culpa nos outros. Neste ponto, assevero: desafie as suas fronteiras, com curiosidade e vontade de aprender e realizar.  

Logicamente, as habilidades técnicas são específicas de cada nicho, assim como as comportamentais se adequam com o segmento em questão. Privilegio contratar alguém extrovertido para cuidar do marketing, assim como prefiro uma pessoa mais discreta para administrar finanças. Ou seja, é bastante específico de cada carreira – o profissional de fábrica precisa ser bastante sociável – aqui na Vicunha temos 6.800 pessoas, e passar o recado adequadamente é uma tarefa exigente. Enfim, são características gerais – mas não regras imutáveis, pois há sempre exceções. 

Invista em relações sólidas e no aprendizado contínuo  

Jamais abdiquei da chance de realizar cursos de liderança, tendo estudado em instituições renomadas como o INSEAD, o Center of Creative Leadership em San Diego, o meu favorito –, além do IMD de Lausanne, Oxford e na Columbia University 

Na expatriação para a Alemanha, liderava uma equipe pequena e tive de focar em propriedades laterais, além de convencer colegas. Reafirmo como é importante se relacionar com eficiência, em todos os níveis, mas o que lhe fará crescer é exatamente o relacionamento horizontal, em sintonia com os colegas. 

Durante o período na Suíça, já era diretor e estava incumbido de efetuar o turnaround, em escala mundial. Contava com uma equipe multicultural. Havia suíços, eslovacos, franceses, poloneses, húngaros – uma gama enorme de diversidade. Isso significou uma experiência muito rica, pois exigia a capacidade de me relacionar adequadamente.  

Ao iniciar na Rhodia, realizei cursos de liderança situacional acerca dos estilos de liderança. Analiso como cada líder atua de uma forma; há o perfil autoritário, o participativo. Valido como, em determinadas situações, temos que exercer o perfil autoritário, como aconteceu comigo na Suíça, pois alguns colaboradores insistiam em trabalhar com correntinhas e anéis – os riscos de acidentes na fábrica eram reais. Mas, na maioria das vezes, e nos dias de hoje, o estilo participativo rende mais resultados, desde que o propósito seja claro para todos. 

Reitero como contei com a ajuda preciosa de mentores. Belluzzo, José Ricardo, Vilien, Refinetti, Rustenmeyer, Jean Louis, Pedrosa, Cirillo foram alguns de acordo com as fases da carreira. O Didier Marlier, que se tornou um grande amigo, escreveu um livro chamado Engaging Leadership, abordando exatamente o que penso em termos de liderança. Ainda hoje, na Vicunha, sigo me aconselhando com referências que respeito. 

A paixão pela Engenharia abriu inúmeras portas e, com a mente aberta, consegui ir muito além do perfil técnico, alcançando posições notáveis na vida institucional. Participei ativamente da Fundação Nacional de Qualidade (FNQ), da Associação Brasileira de Indústria Têxtil e Confecção (ABIT) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Ocupei a presidência do conselho da Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM) por mais de cinco anos, além de ainda ser conselheiro emérito da instituição.  

Pondero como é fundamental estar apto a se expor ao mundo. Recentemente, a Vicunha ganhou o prêmio da Exame Maiores e Melhores como a melhor empresa do setor de moda e vestuário dos últimos 50 anos. Não é pouca coisa. Além de sedimentar o valor da organização, fomenta o networking e nos encoraja a seguir o caminho da ética e da sustentabilidade. 

O poder do autoconhecimento a da ambição sadia 

Ao analisar as armadilhas do mundo corporativo, pontuo que tanto a falta quanto o excesso de ambição são atitudes perigosas. Refiro-me tanto à pessoa que cobiça o cargo do chefe logo ao começar na função, quanto ao profissional que se acomoda e para de evoluir. Aconselho: corra atrás de tudo o que possa aumentar a sua empregabilidade, porque não dá para depender unicamente da organização – não importa qual seja. Claro, contar com um bom departamento de RH facilita, mas quem cuida da carreira é o próprio indivíduo. 

Ao passar por um processo de análise de competências, descobri, há 25 anos, ter perfil relativamente raro, pela capacidade de me relacionar com qualquer área, por conta das minhas habilidades de empatia e comunicação. Isso me encorajou a valorizar meu lado generalista e tirar proveito dele. Motivado e assegurado que esse perfil tinha espaço nas organizações, amealhei êxitos em diversas empreitadas. Conforme fui sendo lapidado, alcancei posições mais altas.  

Contudo, é preciso ser humilde, procurar o autoconhecimento, desenvolver os pontos fortes e tratar as fraquezas com o devido realismo. 

Menciono como um turning point significativo o curso do FDC/INSEAD, pois percebi que havia uma variedade enorme de coisas que não sabia lidar, mas passei a me preparar e a buscar conhecimento. Exemplifico a gestão de risco, algo que passei a aprender e ter mais facilidade de trabalhar.  

Aprendi ao longo da caminhada jamais temer os eventuais desafios, estando preparado para as mudanças, de preferência antecipando-as. O mundo está em constante transformação e, portanto, deter a capacidade de adaptação e inovação são imprescindíveis. No meu caso, julgo que equilíbrio na vida pessoal me ajudou muito, porque sobra energia para focar os desafios profissionais. Condiciono muito o meu sucesso profissional a este ponto de equilíbrio, o qual devo muito à minha esposa. 

O ESG é o norteador do crescimento sustentável 

Nem sequer hesito em destacar como o ESG é um grande norteador de crescimento e tive a felicidade de atuar em empresas que praticam as diretrizes muito antes da própria sigla surgir. Em 2006, na Rhodia, já contávamos com a unidade de abatimento de gases causadores do efeito estufa.  

A Vicunha recicla algodão desde 1997, uma iniciativa pioneira e espetacular. As iniciativas sociais em nossa organização remetem à mudança da fábrica para o Nordeste, pois o fundador tinha isso em mente, de partir para uma região com incentivo fiscal, mas onde também pudesse implementar algo de novo e positivo nas comunidades.  

Atualmente, o estado do Ceará nos reconhece como responsáveis por ajudar a industrializar a região, atraindo outras empresas. Além de levarmos muitos prestadores de serviços, outras organizações criaram coragem de investir no Nordeste.  

O ESG definitivamente representa o caminho certo, porque leva ao crescimento sustentável. Ao se balancear o tripé Economia/Meio-Ambiente/Social, tende-se a construir uma companhia com longevidade. Muitas instituições poderosas sumiram do mapa por falta dessa visão. 

Acredite em você – as oportunidades sempre existirão! 

“O Brasil é um país espetacular – fui expatriado duas vezes, cheguei a ser convidado para ficar em ambas as ocasiões, o que era possível por ter dupla cidadania, mas declinei convictamente. 

Gosto da forma como nos relacionamos no Brasil, gosto da nossa humildade em reconhecer nossas fraquezas e na busca por sermos melhores.  

A nação está muito bem preparada para crescer, com recursos naturais, com universidades e empresas excelentes. E o Brasil não se resume ao eixo São Paulo-Rio de Janeiro; há muitos locais permeados de oportunidades que estão crescendo, apesar de todas as dificuldades. 

Não acredito no sucesso sem trabalhar duro, seja como indivíduo, seja como sociedade. É um processo longo e difícil, mas como país estamos progredindo com liberdade e democracia. Mais lentamente do que gostaríamos, mas de forma legítima. 

Por fim, reafirmo que o compromisso com o propósito e a forma de se relacionar em todas as direções (para cima, para baixo e para os lados) são a chave para a evolução de carreira. ‘É tudo sobre pessoas’. Ao mesclar Humanas e Exatas, pude desenvolver maior amplitude de competências, maior capacidade de comunicação, assertividade, sem me afastar das Ciências e da disciplina.”