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Faça um trabalho de excelência e o reconhecimento virá como consequência, afirma Anna Paula Dacar

Na coluna desta semana, conheça a história de Anna Paula Dacar - Global Head of Mining Solutions da Clariant

Na coluna desta semana, conheça a história de Anna Paula Dacar - Global Head of Mining Solutions da Clariant
Na coluna desta semana, conheça a história de Anna Paula Dacar - Global Head of Mining Solutions da Clariant

Como filha mais velha, desde muito cedo desenvolvi um forte senso de responsabilidade. E este valor foi lapidado ainda mais pelo exemplo positivo e inspirador de minha mãe, que me mostrou a importância de ser trabalhadora e destemida. Além de cuidar da casa e dos filhos, ela atuou por décadas como professora estadual, conciliando a carreira e a vida pessoal com maestria, algo muito incomum naquela época.  

Nasci e cresci em São Paulo, onde vivi a maior parte da vida. Minha família era de classe média, e a recordação que possuo da infância é de muita harmonia e cumplicidade entre todos nós. Ajudei a cuidar com muito carinho e amor dos irmãos mais novos, Marcelo e Luciana, e ensinava a eles tudo o que era possível, à medida que ia assimilando novos aprendizados. Meu pai era dentista, e costumava dizer que o maior legado que poderia nos deixar era o conhecimento e a educação, valores que considerava de extrema importância, a chave para uma vida de sucesso. Ambos proporcionaram aos filhos uma base familiar muito sólida, com rotina em bons colégios. E isso fez toda a diferença em nossa formação. Da minha parte, fui uma aluna dedicada, esforçada e apaixonada pelos estudos, sendo alçada à primeira da classe por várias vezes e ganhando inúmeros prêmios pelo desempenho acadêmico.  

Quando chegou a hora de escolher a profissão que seguiria, cheguei a cogitar enveredar pela área de Humanas, pois gostava de me relacionar com pessoas. Contudo, o brilho nos olhos vinha através da área de Exatas. Assim, decidi cursar Engenharia Química. 

Iniciei na Fundação Álvares Penteado em 1988, e logo no início da faculdade, uma tragédia aconteceu: o falecimento do meu pai, aos 56 anos, devido à leucemia. Essa perda precoce não apenas fortaleceu nosso núcleo familiar, como também reforçou em mim o forte senso de responsabilidade que carregava desde a infância.  

Expandir conhecimentos abre novos caminhos 

Na faculdade, identifiquei-me rapidamente com o ambiente acadêmico e comecei a buscar oportunidades para trabalhar e fazer estágios na área. Naquela época, o sonho era trabalhar em uma grande empresa química. E quando a Dow Chemical fez uma palestra na faculdade, este desejo ficou ainda mais latente. Fiquei encantada com a empresa e decidi que era lá que queria trabalhar. O objetivo inicial era seguir a carreira técnica em Engenharia Química, com foco em produção ou laboratório. Porém, quando surgiu uma vaga de estágio em Comércio Exterior para o negócio de agroquímicos, aceitei imediatamente.  

E assim comecei na Dow Chemical, na área administrativa, nicho de onde nunca saí. Fiquei como estagiária por três anos, até que fui efetivada como responsável pela área de Comércio Exterior, onde permaneci por mais três anos e, posteriormente, passei por diversas áreas. Também tive a oportunidade de morar fora do Brasil durante alguns meses, e após essa experiência, assumi uma posição na área de compras, mediando as aquisições de matérias-primas na América Latina. A carreira continuou a crescer, e aproveitei as oportunidades que surgiram, adaptando-me às novas responsabilidades pertinentes. 

Em decorrência disso, senti a necessidade de expandir os conhecimentos. Fiz MBA em Administração no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), com extensão na Eastern Illinois University, nos EUA. Esse curso me proporcionou uma base mais consistente nas áreas de Finanças, Economia e Recursos Humanos, complementando a já robusta formação superior e aprimorando os conhecimentos às necessidades que minha carreira, então já gerencial, me impunha.  

No início de 2001, fui convidada para liderar a área de Compras e Logística para a América Latina da empresa química americana Rohm and Haas. Essa transição foi um momento significativo na carreira, abrindo portas para novas oportunidades e expansão profissional, assumindo responsabilidades de gerenciamento de vários negócios para a região da América Latina. 

Faça um trabalho de excelência e o reconhecimento virá como consequência 

As coisas na Rohm and Haas evoluíram de maneira fantástica. Assumi demandas cada vez maiores, gerenciando não apenas a área comercial, mas também as operações de marketing e vendas. Em 2010, quando a Dow adquiriu a Rohm and Haas, me tornei vice-presidente da Divisão de Especialidades Químicas, realizando a integração da divisão recém-adquirida. E estava de volta à minha “primeira casa”. O sucesso desse desafio dependia muito de uma liderança eficaz, garantindo que as pessoas da Rohm and Haas sentissem um verdadeiro senso de pertencimento na nova companhia. Trabalhei intensamente nesse aspecto e tive êxito nessa missão. 

Após seis anos nessa função, a estratégia da empresa mudou e me ofereceram posições em divisões mais voltadas ao mercado de commodities. Nesse ponto, senti que não estava plenamente realizada com os novos desafios propostos e comecei a refletir sobre minha trajetória. Por mais que fosse uma excelente empresa, era o momento de reavaliar os caminhos, e concluí que havia chegado a hora de buscar novas oportunidades. Dessa vez, queria gerenciar negócios que estivessem mais perto do consumidor final. Nesse período, um antigo chefe meu, que se tornou CEO global da Sealed Air, estava procurando um líder para a América Latina. Ele me convidou para assumir o desafio de expandir os negócios na região, alinhado com os objetivos que eu havia traçado para a carreira. Aceitei o desafio, liderando a Divisão de Embalagens de Proteção. 

Foi uma mudança significativa. Assumi uma operação de 50 milhões de dólares, com grande potencial de crescimento. E no decorrer de quatro anos e seis meses – tempo que permaneci na Sealed Air consegui impulsionar o crescimento do negócio para quase meio bilhão de dólares na América Latina até 2019. A experiência foi como trabalhar em uma startup, algo novo para mim. Já tinha lidado com negócios que precisavam de reestruturação, mas nunca com um que estivesse em fase inicial de expansão. Foi um período extremamente enriquecedor, para ambos os lados. 

Leve o propósito para o universo corporativo  

Em 2022 surgiu a oportunidade de ir para a Clariant, e ela veio alinhada a um propósito pessoal que venho cultivando nos últimos tempos: a preocupação e o interesse crescente pela sustentabilidade. Atualmente, ocupo a posição global de liderança no negócio de soluções para mineração, em que desenvolvemos soluções para a recuperação de minérios.  

Nesse mercado, a busca pela sustentabilidade vai além da preservação ambiental e engloba também os princípios ESG. As tecnologias químicas ajudam a tornar as operações de mineração mais sustentáveis, reduzindo o consumo de água, energia, além do tratamento de resíduos. Além da responsabilidade global do segmento de Mineração, também lidero a Divisão de Care Chemicals na América Latina.  

É gratificante ver o sucesso do negócio e lidar com uma ampla diversidade de culturas. Este momento não apenas satisfaz minhas ambições profissionais, mas também preenche uma lacuna pessoal, permitindo-me contribuir significativamente para um mundo mais sustentável. E isso me motiva profundamente.  

Empatia: o ingrediente para uma equipe de sucesso  

No início da carreira, tive um líder que me inspirou pela empatia, e percebi o impacto positivo que isso gera no ambiente de trabalho. Desde então, pratico o mesmo, para que todos sintam a mesma sensação que eu tive enquanto liderada. Escutar genuinamente, perceber o outro com atenção e colaborar de forma assertiva são pontos altíssimos que um líder deve desenvolver. A inteligência emocional também é importante para compreender os sentimentos dos outros e ter autoconhecimento para lidar com as próprias emoções. Esse conjunto de habilidades sempre contribuirá para o desenvolvimento das pessoas.  

Outro ponto a citar é o feedback. Ele serve não apenas para celebrar conquistas, mas também para orientar os colaboradores em seu desenvolvimento. O feedback construtivo gera confiança e cria um ambiente positivo, estimulando a motivação e o comprometimento. 

Refletindo sobre as experiências profissionais, percebo que os maiores sucessos não foram devido à produtividade da fábrica ou à eficiência da tecnologia, mas sim ao compromisso das pessoas e à compreensão dos objetivos. Elas se sentiam à vontade para expressar opiniões e dúvidas, o que resultava em melhores desempenhos. 

A motivação é o que leva as pessoas a entregarem resultados excepcionais. O líder de hoje reconhece que pode aprender com os subordinados, que talvez tenham mais conhecimento em determinadas áreas. O cenário ideal é aquele em que todos se sintam valorizados e encorajados a dar o seu melhor. 

Além disso, a única certeza que temos no mundo são as mudanças. Por isso, em meu time, busco pessoas que tenham a capacidade de se adaptar a essas transformações constantes. Em qualquer posição, é inevitável enfrentar mudanças que impactam o negócio, a organização e a empresa em sua totalidade. Portanto, encontrar profissionais com habilidades interpessoais sólidas e que encarem as mudanças como oportunidades de crescimento, e não como ameaças, é primordial. Essa mentalidade é determinante, e o profissional que tiver essa qualidade, com certeza será mais valorizado dentro das organizações.  

Autoconhecimento ajuda a lidar com vulnerabilidades e áreas de excelência  

Busque ambientes em que se sinta feliz, realizado e reconhecido. As organizações têm culturas únicas, com pontos positivos e oportunidades de melhoria. Algumas vezes acabamos inseridos em locais cuja cultura não nos permite desenvolver nosso potencial máximo. Isso pode se tornar uma armadilha: você se qualifica e acredita que aquela organização é ideal, mas percebe na prática que não se adapta. Isso pode fazer você se sentir um mau profissional, achando que não está desempenhando bem – o que pode não ser verdade. 

Mas como perceber se isso está acontecendo? Isso só é possível por meio do autoconhecimento, que nos ajuda a lidar com vulnerabilidades e áreas de excelência, trazendo mais segurança diante dessas situações.  

Aprender com a diversidade de culturas alavanca resultados assertivos 

É fascinante conhecer diferentes culturas e aprender com elas. Liderar outros países além do Brasil é algo que sempre me encantou, pois me permite entender a realidade em outros lugares. Mesmo dentro do Brasil, há uma diversidade cultural impressionante. Tive a oportunidade de visitar lugares que jamais visitaria por conta própria, cada um com suas próprias particularidades culturais. E isso foi muito enriquecedor. 

 No ambiente corporativo, isso é ainda mais interessante. Trabalhando em outros países, lidamos com três tipos de cultura: a da empresa, a do país onde estamos e a nossa própria. Essa diversidade de conhecimento e experiências nos faz crescer e aprender a se comportar adequadamente em cada uma delas. 

A relevância do planejamento financeiro  

Sempre soube da importância de planejar o futuro. A independência financeira foi um dos valores que meus pais transmitiram para mim e que levo para a vida. Me recordo que, após o falecimento de meu pai, comecei a dar aulas particulares para pagar a faculdade e passei a guardar algum dinheiro. Naquela época, não havia tanta informação disponível sobre finanças pessoais, então eu tinha um método próprio: guardava parte do que ganhava durante os estágios para a compra de um carro e um apartamento. Esta era a meta de curto prazo que tinha em mente. 

Quando ingressei na Dow Chemical, percebi a magnitude em pensar também na aposentadoria. A empresa oferecia um plano de previdência privada, e mesmo não sendo obrigatório aderir, decidi participar. Ele não apenas oferecia uma boa perspectiva de aposentadoria, mas também complementava meus rendimentos. Além disso, continuei reservando parte do salário para os objetivos de curto prazo, embora na época não tivesse muita orientação. Era uma forma de me preparar para eventualidades que pudessem surgir ao longo do caminho, como gastos com saúde, por exemplo.  

Hoje em dia, com acesso a uma ampla gama de informações, encorajo as pessoas a definirem seus planos de vida e a pensarem no futuro, tanto a médio quanto a longo prazo. Este planejamento pode garantir uma base firme para os próximos anos que virão. 

Sensibilidade em lidar com as tomadas de decisões  

Os maiores desafios que enfrentei estão intimamente ligados às pessoas. Ao longo da carreira tive que tomar decisões difíceis, que embora necessárias para a viabilidade dos negócios, exigiram sensibilidade e respeito. Aprendi que, ao tratar as pessoas dessa maneira, mesmo ao comunicar más notícias, como demissões em massa, é possível conduzir as situações de forma digna e humana. O desafio reside em equilibrar as necessidades do negócio com o impacto nas vidas das pessoas envolvidas. Realizo-me ao ver equipes motivadas e engajadas, capazes de alcançar seu máximo potencial.  

Na Sealed Air, concentrei os esforços no desenvolvimento pessoal e profissional dos colaboradores, transformando um ambiente desmotivado em uma cultura organizacional vibrante, em que as pessoas se sentiam valorizadas e incentivadas a crescer. Já na Rohm & Haas, destaco o momento em que pude liderar o desenvolvimento de uma equipe que se sentia verdadeiramente inspirada a prosperar. Acredito que esse foco no desenvolvimento humano é o que torna o ambiente propício para o florescimento das equipes e o alcance de resultados significativos. 

Diversidade agrega valor 

Na área de Engenharia Química e em outras indústrias do ramo, muitas vezes me vi como a única representante feminina em equipes e lideranças compostas apenas por homens. Essas experiências me fizeram refletir sobre a relevância da diversidade em todas as esferas, uma fonte poderosa de crescimento, tanto para as empresas quanto para as pessoas envolvidas. Em outras ocasiões, a diversidade é vista quando nos deparamos sendo a única mulher, ou a única brasileira em determinados ambientes. Nessas horas, é importante a autoconfiança, para reconhecer que podemos agregar valor e contribuir de maneira significativa, mesmo quando nos vemos como parte de uma minoria.  

Trabalhe com o que ama e nunca mais precisará trabalhar na vida 

A frase acima é do filósofo Confúcio e faz total sentido para mim quando falamos em trabalho. O planejamento é extremamente importante para almejar o futuro, pois, a partir deste direcionamento, é possível estar mais próximo dos objetivos a longo prazo. 

Encontrar satisfação no trabalho está profundamente conectado à felicidade pessoal. Identifique seus valores essenciais e busque oportunidades que estejam em sintonia com esses princípios. Independentemente do ambiente de trabalho, se não nos sentimos felizes e realizados com a atividade que estamos exercendo, dificilmente alcançaremos um bom desempenho. Além disso, encorajo todos a continuarem buscando conhecimento e aprimoramento constante. A jornada do aprendizado não se encerra com a graduação; é um processo contínuo. 

É claro que existe ainda a pressão das expectativas externas sobre nós. Muitas vezes somos influenciados a seguir determinadas profissões para atender às expectativas de outras pessoas. Conheço várias pessoas que escolheram carreiras para satisfazer os desejos dos pais, mas, no final, isso não resultou na própria felicidade. Então, sugiro que sigam seus corações, busquem conhecimento e escolham caminhos que verdadeiramente os deixem felizes. O sucesso certamente virá como resultado desse alinhamento de escolhas.