Com leveza e bom humor, tudo é mais simples, afirma Erik Manfrim
Na coluna desta semana, conheça a história de Erik Manfrim Chief executive officer (CEO) da Special Dog Company
Publicado em 5 de julho de 2024 às, 13h46.
Última atualização em 8 de julho de 2024 às, 10h33.
Ao refletir sobre a trajetória que percorri até agora, percebo que embora tenha enfrentado dificuldades, todas elas me deram maturidade e resiliência para encarar os desafios com garra e determinação. Se agir corretamente no dia a dia, tudo acontecerá no momento certo. Pode levar mais ou menos tempo, mas os resultados aparecerão e, no final, tudo se ajusta.
É importante, no decorrer do processo, encontrar prazer nas atividades que realiza. Muitas vezes, cotidianamente, é preciso efetuar tarefas que não são agradáveis ou interagir com pessoas com quem não se tem afinidade. No entanto, é fundamental encontrar um equilíbrio. É assim que o progresso acontece. Manter uma atitude positiva, mesmo diante de dissabores, faz com que tudo tenha uma melhor fluidez. Isso permite construir uma vida mais satisfatória e bem-sucedida, em que as adversidades são vistas como oportunidades de desenvolvimento.
Considero-me afortunado por crescer mediante uma base familiar amplamente sólida, e hoje, aos 57 anos, tenho orgulho em compartilhar minha história, que desde cedo foi forjada no trabalho, uma característica familiar. Sou descendente de italianos e tenho mais dois irmãos, sendo eu o caçula. Inicialmente, meu avô se estabeleceu na região de Ribeirão Preto (SP) para trabalhar nas plantações de café, como muitos imigrantes italianos naquela época. Tempos depois, mudou-se para Santa Cruz do Rio Pardo (SP), cidade onde nasci. E foi neste município que constituiu família e teve um total de sete filhos. A essa altura, ele trabalhava com beneficiamento de café, comprando dos produtores locais e processando-os para o envio até Santos. Mas com a idade avançando e o envelhecimento chegando, os negócios tomaram outro rumo. Meu pai, junto com dois irmãos, montaram uma empresa de beneficiamento de café e arroz. Anos depois, meu pai acabou ficando sozinho na empresa, que era muito pequena e tinha cerca de dez funcionários apenas.
Era evidente que ele precisava do auxílio dos três filhos para continuar o empreendimento. Contudo, neste momento cada um de nós estava focado em objetivos diferentes. O mais velho estudava Odontologia e morava em uma fazenda da família, no Paraná; o do meio cursava Direito e acabara de descobrir que seria pai em breve; e eu, o caçula, com 17 anos, entrei na faculdade de Administração, graduação que realizei em Ourinhos (SP).
Apesar dos caminhos ramificados, todos nós voltamos os olhos a um objetivo comum e encaramos a entrada na sociedade, nos juntando nos negócios. Decidido a contribuir da melhor forma, assim que terminei o curso superior encarei um MBA na Universidade de São Paulo (USP), e sempre procurei me manter atualizado o tempo todo.
Reinvenções desafiadoras diante das adversidades
A empresa se baseava em coletar quireras de arroz, fazer os lotes e fornecer essa matéria-prima para as cervejarias, um trabalho bastante braçal e que, no início, significava movimentar grandes volumes em troca de uma margem de lucro muito baixa. Isso nos fez pensar em alternativas que utilizassem a mesma matéria-prima, mas oferecessem uma rentabilidade maior. E foi aí que descobrimos que poderíamos produzir farinha de arroz a partir da quirera que coletávamos e vendê-la para indústrias do ramo alimentício (baby food). A ideia deu certo e nos trouxe um retorno financeiro melhor.
Quando tudo parecia estar em harmonia, as cervejarias, que eram nossas maiores clientes, nos informaram que não comprariam mais nenhum lote de quirera. Ficamos perplexos e, ao mesmo tempo, preocupados. Eles nos explicaram que passariam a comprar um tipo de xarope de maltose que entrava direto na linha de produção, sendo mais fácil de manejar, como consequência. Esse xarope, feito de milho, era produzido por grandes multinacionais.
Diante dessa encruzilhada, resolvemos tentar fazer xarope a partir da quirera de arroz, e não do milho. Visando não ficar novamente dependentes das cervejarias, decidimos explorar o mercado de xarope de glicose, usado na indústria de doces. Esse setor era mais pulverizado e não nos deixaria tão vulneráveis a poucos compradores.
O processo de transição foi árduo, porque a tecnologia para isso era praticamente inexistente no mercado. A internet era embrionária e o acesso às informações, limitado. Com dois químicos, montamos uma fábrica completamente diferente da que estávamos acostumados. Investimos em caldeiras a vapor, tanques de inox, evaporadores, colunas especializadas e tudo o que era necessário. Sem capital suficiente, o dinheiro que ganhávamos em nossas atividades rurais era todo reinvestido na fábrica. Foram três anos de esforços intensos, mas não conseguimos produzir um xarope de qualidade. Essa fase foi extremamente frustrante. Chegou a um ponto em que pensamos parar. Neste novo contexto, mais uma vez fomos em busca de uma nova estratégia para que pudéssemos nos reerguer.
Ascensão no mercado de pet food
Foi então que o pet food entrou em nossas vidas, marcando uma nova fase profissional. Por volta de 1998, descobrimos a existência de um mercado emergente de alimentos para animais de estimação. Naquela época, havia poucos fabricantes no Brasil que compravam quirera de arroz para a produção de ração de cachorro. Percebendo essa oportunidade, começamos a fornecer matéria-prima para essa nascente indústria de pet food. Até que um distribuidor dessas indústrias que atendíamos, nos fez uma proposta interessante. Ele notou que nossos caminhões voltavam vazios após entregarem a matéria-prima e sugeriu que carregássemos os produtos dele na volta. Seria vantajoso para ambos. Assim, começamos a transportar esses produtos, e foi um arranjo bem-sucedido.
Esse mesmo distribuidor que representava uma indústria de qualidade, mas com produtos mais caros, sugeriu que aproveitássemos nossa matéria-prima e montássemos uma pequena fábrica de ração. Ele acreditava que isso nos permitiria competir neste nicho com produtos mais baratos e fortalecer nossa posição no mercado local. Apesar de não termos capital sobrando, abraçamos a ideia, pois estávamos sempre correndo atrás de oportunidades. No início de 1999, começamos a montar a fábrica em uma estrutura modesta. Após dois anos, em fevereiro de 2001, conseguimos lançar nossa primeira carga de ração, que foram 7 toneladas de produto, e para nós foi um marco expressivo, especialmente considerando que começamos do zero.
Paralelamente às questões profissionais, houve a saída de um dos irmãos. Com isso, passamos um ano ajustando questões burocráticas, avaliando propriedades, terras e imóveis, para acertar a divisão. Começamos também a tocar a empresa de maneira diferente. Tínhamos cerca de 40 funcionários e o objetivo primordial era termos profissionais competentes conosco. Afinal, estávamos em ascensão e queríamos que os novos integrantes entendessem que o sucesso da empresa era sinônimo de crescimento pessoal e econômico para eles também.
Sem dúvida, a entrada no mercado de pet food ocorreu no momento certo. A demanda por esses produtos estava crescendo no Brasil, e graças ao trabalho intenso e à equipe competente, tivemos êxito nessa empreitada. A dedicação era total. Essa jornada nos ensinou muito sobre a importância de confiar nas pessoas certas, superando desafios para alcançar os objetivos traçados.
Suas atitudes falam tão alto que não consigo ouvir o que você diz
Com 175 fabricantes espalhados pelo país, competir e se destacar no mercado pet não é uma tarefa fácil e requer um comprometimento inabalável. Hoje, com muita honra, ocupamos o terceiro lugar em volume e receita entre esses fabricantes, produzindo em média 24 mil toneladas de alimento por mês. Crescemos gradualmente, expandindo as operações para nove estados brasileiros. Mas não nos limitamos a apenas produzir e distribuir. Atuamos em toda a cadeia de abastecimento. Isso significa que não importa se o produto é para um pet shop localizado no centro da cidade ou para um bairro mais remoto. O compromisso é entregar qualidade em cada pacote de ração.
Nossa estrutura vai além da produção e da distribuição. Contamos com uma equipe de 350 representantes comerciais dedicados exclusivamente aos nossos produtos. A logística é completamente integrada, com uma transportadora própria que emprega cerca de 500 pessoas, entre motoristas e ajudantes. Somamos mais de 2 mil pessoas e queremos garantir sempre que cada um deles seja valorizado e cuidado.
Tem uma frase que me inspira muito e resume bem a conduta da empresa. É de um filósofo norte-americano, Ralph Waldo Emerson: “Suas atitudes falam tão alto que não consigo ouvir o que você diz”. A meu ver, isso significa que nossas ações devem refletir nossos valores e compromissos. Quando dizemos que queremos cuidar das pessoas e fazer delas parte fundamental do nosso sucesso, essa é uma promessa que buscamos cumprir todos os dias, mesmo diante das diferenças de origem, cultura e crenças que nossos colaboradores trazem consigo.
Construir e manter uma empresa como a nossa, não é algo simples. É como conduzir uma orquestra, em que cada membro desempenha um papel vital para o funcionamento harmonioso do todo. E hoje me sinto profundamente grato por termos conseguido fazer isso com maestria.
Com leveza e bom humor, tudo é mais simples
Para ser um bom líder, acredito que uma das habilidades de maior valor seja a capacidade de escutar. A escuta ativa vai além de apenas ouvir palavras. Trata-se de se importar genuinamente com o outro. É importante que as pessoas sintam que estou disponível para elas. Esse é um princípio que considero indiscutível.
Além disso, acredito que não podemos ter preguiça de trabalhar. Já dizia o sociólogo alemão Max Weber: “O trabalho enobrece o homem”. Acordar cedo e estar preparado para enfrentar o dia é uma rotina que adoto com seriedade. Em meio a tudo isso, identifico algumas armadilhas para o próprio desenvolvimento, como, por exemplo, a vaidade e a falta de humildade. Essas características podem se manifestar como uma forma de arrogância, impedindo-nos de crescer e aprender com os outros. Se isso nos dominar, corremos o risco de achar que somos os “donos da verdade”, e que não precisamos melhorar.
No que diz respeito aos liderados, não estou mais diretamente envolvido no processo de contratação. Isso fica a cargo de profissionais especializados. Mas mantenho a mente aberta em relação a este tema, e penso que é preciso se adaptar e trabalhar com todos os tipos de personalidades, porque aprendemos com cada pessoa que passa por nossa vida, independentemente da idade ou nível hierárquico. Sempre será uma troca benéfica.
Porém, uma característica que realmente valorizo é o bom humor. Isso torna o ambiente mais agradável e produtivo. E essa somatória contribui significativamente para o triunfo da equipe.
Por fim, para manter a mentalidade focada e a equipe engajada, busco o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Durante a Pandemia de Covid-19, senti a necessidade de buscar apoio profissional e comecei a fazer terapia. Isso me ajudou grandemente em todos os aspectos. A prática de atividades físicas também é indispensável. Em realidade, treinar não é o momento mais agradável do meu dia, mas sei o quão necessário é, e faz parte do “combo” para uma melhor saúde física e mental. Valorizo a espiritualidade e o lazer, adoro viajar, ler e assistir séries, atividades que me ajudam a relaxar e a desconectar do trabalho. Deus não nos colocou no mundo para vivermos em sofrimento. Reconheça e aproveite as coisas boas que o trabalho proporciona no decorrer da caminhada, porque esse acúmulo de vivências leva ao alcance da felicidade no trabalho e na vida.
O impacto da educação financeira na vida das pessoas
A educação financeira sempre me foi um pilar importante, algo que aprendi desde cedo. Meus pais tinham boas condições financeiras, eu estudava em escola particular e recebia o melhor suporte possível. Entretanto, no que diz respeito a dinheiro para sair ou gastar em outras atividades, a situação era diferente. Felizmente, os irmãos mais velhos, que já recebiam uma mesada, compartilhavam um pouco comigo. Sempre ouvi em casa que era necessário guardar uma parte do que se ganhava, e essa lição ficou comigo ao longo da vida. Mas essa não é a realidade para todos. Muitas pessoas têm dificuldades em gerenciar as finanças pessoais.
Durante a minha vida, já vi diversas situações. Há aqueles que, apesar de ganharem salários menores, conseguem se organizar financeiramente; e os que, mesmo com um salário maior, não conseguem se equilibrar nesta pauta e sempre gastam mais do que recebem. Percebo que a educação financeira não é apenas uma questão de informação, mas também de mentalidade, relacionada à criação que receberam. Para auxiliar nesta questão, na empresa dispomos de alguns programas voltados para este tema. Inclusive, quando realizamos eventos para filhos de funcionários, buscamos plantar esta semente neles desde cedo. O brasileiro, em geral, não tem o hábito de poupar. O papel, como empresa, é tentar esclarecer e ajudar os colaboradores a administrarem melhor as finanças. Sabemos que nem todos se adaptam de imediato, mas é um esforço contínuo e necessário.
O segredo para manter um negócio familiar em harmonia
Administrar um negócio familiar e a vida pessoal é algo intrinsecamente conectado. No nosso caso, estamos com a segunda geração também atuando na empresa, e percebo claramente essa mistura. Por isso, desde o início, colocamos na cabeça deles a importância de cultivar uma relação harmoniosa. Claro, há diferenças e cada um forma sua identidade ao longo do tempo, especialmente após casamentos e filhos. Mas o segredo é manter uma forte coesão familiar. Meu irmão e sócio, que é nove anos mais velho e já não está na operação diária, também valoriza essa união. Qualquer decisão importante envolve ambos, pois acreditamos na importância de fazer tudo em conjunto.
Objetivos claros facilitam a caminhada
Para quem está iniciando a jornada profissional agora, vale lembrar que o empenho em aprender continuamente, somado à energia e aos comportamentos positivos, vão facilitar o processo. Trabalhar duro é fundamental, mas cuidado: o imediatismo pode ser um grande inimigo. A paciência é uma virtude e a leveza nas ações é indispensável. Sabemos, no fundo, o que nos ajuda ou prejudica ao longo do caminho.
Buscar fazer as coisas de maneira organizada e com objetivos claros é relevante. Se ainda não souber qual carreira seguir, não se preocupe! Estude, leia sobre assuntos que te interessam e explore opções. Para os jovens, aproveitem a fase que estão vivendo agora e não deixem a felicidade para o futuro. Devemos aproveitar cada etapa com sabedoria e alegria.
Leitura recomendada por Erik Manfrim
Livro: As Zonas Azuis da Felicidade, de Dan Buettner. nVersos Editora, 2018.