A transformação só acontece a partir da pluralidade
Conselheira na Vale, Banco do Brasil, CVC e Grupo Soma; conselheira consultiva da Unicef; fundadora do Instituto Capacita-me, da RM Consulting
Da Redação
Publicado em 19 de novembro de 2022 às 11h29.
RACHEL MAIA
Conselheira administrativa na Vale, Banco do Brasil, CVC e Grupo Soma; conselheira consultiva da Unicef; fundadora do Instituto Capacita-me, da RM Consulting e administradora (embaixadora) do Projeto Guri
Sou paulistana, fui criada na região da Cidade Dutra, bairro periférico da Zona Sul de São Paulo, a caçula de sete irmãos, mãe de Sara Maria e de Pedro Antônio. Estudei em escola pública até o 1º ano do Ensino Médio, em seguida fui aprovada como estagiária do Banco do Brasil, concluí o curso técnico de Contabilidade no Colégio Albert Einstein. Posteriormente, graduei em Ciências Contábeis na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e continuei os estudos com MBAs em Gestão na Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP); e em Liderança e Pessoas na Fundação Getúlio Vargas (FGV), além de uma especialização na Harvard Business School.
Comecei a trabalhar com 14 anos, passei por alguns escritórios contábeis e, em 1991, fui contratada como contadora pela antiga rede de conveniências 7-Eleven. Ali comecei a me destacar e alcancei a posição de diretora financeira. Sete anos depois, pouco antes de a empresa encerrar definitivamente suas atividades no Brasil, em 2000, aproveitei parte do dinheiro da rescisão trabalhista para investir no aprimoramento do meu inglês, fazendo um curso na Universidade de Victoria, no Canadá.
Ao retornar ao Brasil, consegui me recolocar como controller, desta vez na farmacêutica Novartis. Meu projeto era seguir no setor industrial, mas uma oportunidade inesperada me levou para Tiffany & Co., ícone do luxo e uma das mais famosas joalherias do mundo. Ali fiquei por outros sete anos, começando em 2001 no financeiro e terminando, em 2008, como CEO, mesma posição executiva que ocupei em seguida, respectivamente, na Pandora e na Lacoste. Em 2017, ao lado da pedagoga Márcia Maia fundamos o Instituto Capacita-Me que oferece cursos de atualização para estudantes e profissionais em situação de vulnerabilidade socioeconômica da capital paulista. Em 2020 fui convidada a ser embaixadora Projeto Guri, voltado para o despertar pela música. Iniciei minha jornada de conselheira em 2014, quando me tornei membro do Conselho Consultivo do Consulado Geral da Dinamarca, condição que mantive até 2020. Atualmente, ocupo cadeira em quatro conselhos administrativos independentes (Vale, Banco do Brasil, CVC Corp e Grupo Soma) e um consultivo (Unicef).
A transformação só acontece a partir da pluralidade
A minha primeira oportunidade em conselho foi a partir de abril de 2014 na Câmara de Comércio dinamarquesa. Fiquei lá por quase sete anos e foi muito bom, por me oferecer outra perspectiva, de forma muito estratégica e colaborativa. Nesta ocasião, eu já estava estudando no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), vislumbrando novas oportunidades. Eu era a CEO na Lacoste quando surgiu minha segunda oportunidade, em outubro de 2019, quando passei a presidir o conselho consultivo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, tendo a companhia de Luiza Trajano, do Magalu; Cristian Klein, da SAP; Sidney Klajner, do Hospital Albert Einstein, dentre outros. Gostei bastante e continuei estudando, aprimorando-me e olhando outras perspectivas de conselho. Aceitei conversar com muitas empresas e outros convites apareceram. Assim pude me concentrar de forma estratégica e colaborar para a transformação cultural em mais empresas do que sendo uma executiva.
O Conselho é o estratégico da organização e, sendo assim, o conselheiro tem uma responsabilidade da estratégia na organização. Para isso, é preciso estar próximo de uma forma mais sensível, pois não basta simplesmente se reunir e traçar estratégias longe da operação. Precisa ter essa sensibilidade, além da operação e do tático, por isso é importante participar de comitês para entender mais profundamente o que está acontecendo na empresa.
Hoje estamos vivendo uma transformação cultural em âmbito global, e o ESG trouxe demandas nunca antes vividas. Pois, na verdade, assistimos a essa cadência desde 1972, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, capital da Suécia. Dessa forma, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) vêm sendo demandados por investidores, só que de uma forma diferente, há 50 anos. Em 2005, adequou-se uma nomenclatura para a melhor compreensão do mercado financeiro e, em 2015, foram estabelecidas as 17 ODS, desdobradas em 169 metas.
Nesse ínterim foram feitas convenções, firmados pactos, reuniões em Paris, Estocolmo, e assim por diante. Trata-se de uma questão global, mas por sermos uma economia ainda em desenvolvimento, algumas questões demoram mais para chegar aqui. Portanto, uma pergunta que segue ecoando hoje é: “Como fazer a aplicabilidade desses conceitos de uma forma efetiva e transformadora?” Já que é uma questão importante saber se o mercado está maduro para essa transformação. Eu estou nos conselhos e vejo tudo isso por um prisma muito interessante, em que a minha experiência é extremamente colaborativa, e contribuo justamente por isso, porque estou atuante e sou atual para eles.
Não me dê oportunidade em função do gênero, mas pela qualidade que tenho
Diversidade para mim é mais que números. Você não pode simplesmente instituir números para “sair bem na foto”, mas a amplitude deve ser vista como sustentabilidade. Dentro da sustentabilidade devemos tratar do pilar social o qual é mais amplo que a diversidade a qual trata de gênero, do étnico, das pessoas com deficiência. Mas, antes de falar disso, o fundamental é o talento e a pluralidade. Então, é disso que nós temos que falar, pois enquanto exaltamos o diverso, nunca falaremos sobre o quanto o plural pode inovar, pode transformar. É pelo plural que transformaremos, e é desta forma que é necessário ver. O que precisamos mesmo é do Comitê de Sustentabilidade. Mas não entendamos por sustentabilidade apenas aquilo que diz respeito ao ambiental, pois ela tem um enfoque poderoso na questão social e, para mim, as pessoas são o mais importante.
No entanto, nós, mulheres, somos a grande maioria dessa população que ficou sem voz e sem vez por muito tempo. Nós só queremos o nosso espaço. Uma vez que isso nos for dado, temos todas as qualidades, os skills, as competências para seguir adiante. Então, não me dê espaço pelo gênero, mas pela qualidade que tenho, por tudo aquilo que eu posso somar. Eu só quero oportunidade. Dê-me oportunidade que eu vou te mostrar toda a qualidade que tenho, todo o meu valor em diferentes trabalhos. Então, gestores, que não abram espaços pelo gênero, mas porque vocês estão mudando realmente seu mindset. Porque vocês não querem apenas iguais a vocês. Ao contrário, busquem o pluralismo para transformar. É preciso quebrar o preconceito desses que atraem para junto de si apenas os iguais, que vieram dos mesmos lugares e que passaram pelas mesmas experiências, pois esses entregarão resultados iguais.
Neste contexto, olhemos para a pluralidade, e aí alguns conceitos “caem por terra”, por exemplo, essa questão de gênero. Respeite o diferente, porque esse diferente é que pode trazer a transformação, a inovação e os resultados diferentes. Esse é o ponto de convergência. Mas para alcançá-lo demanda se desconstruir e se reconstruir. É isso que muitos investidores já entenderam. Enfim, não queremos tirar alguém do “lugar de fala”, pois queremos aliados porque, no final, quem é bom permanece. A escolha entre o bom e o mediano precisa ser óbvia. Da minha parte, vou apoiar muitas mulheres talentosas, sim, a virem para os conselhos. Isso significa tirar vagas de outros homens? Vai acontecer, mas aí, paciência!
A sustentabilidade deve ser rentável
Para inovar é necessária uma transformação cultural. Inovar é ser o disruptivo, trazer o disruptivo para a conversa, fazer o inesperado, surpreender. E só se consegue quando há mudança de mindset ou novos players e interlocutores são trazidos para a mesa, de modo que tragam elementos inovadores. Entendo que estamos provocando os dois lados, tanto no que diz respeito à mudança de mentalidade quanto no que refere a atração de novos protagonistas para esse jogo. É uma relação de ganha-ganha que leva à inovação. Como já disse, mantendo-se os mesmos, tudo fica como está, nada muda.
Hoje você tem que promover um ecossistema saudável, com pessoas integradas a ele e fazendo com que seja lucrativo. A sustentabilidade deve ser rentável. Antes o propósito era só a lucratividade, mas agora devemos ser um ecossistema rentável. No tempo presente, se uma empresa derramar lixo nos rios, ela deve ser banida, pois deveria fazer o bem para o ecossistema. Em resumo, o “pecado” não é o lucro, mas a forma como se obtém esse lucro. A forma como se obtém o lucro mudou e assim seu Ebitda pode ser que seja reduzido, mas por um propósito.
Fazer parte de um conselho demanda preparo
Eu passei por muitas entrevistas como conselheira e sempre fui muito bem recebida. Na Vale, por exemplo, passei por uma bateria de entrevistas, certamente com mais de 50 investidores. Foi muito bom porque eles extraíram o melhor de mim como conselheira. Nisso, tive a certeza de que ninguém estava fazendo entrevista apenas para me colocar ali ou porque precisavam daquele perfil. Eles buscavam determinadas especificidades que eu posso oferecer. Isso é maravilhoso. Foi um processo exaustivo, mas necessário, pois era demandante que fosse assim. No entanto, fui formada para tal e procurei essa oportunidade. Eu quero as melhores vagas, e as melhores vagas farão as perguntas mais desafiadoras. Então, temos que estar preparadas para enfrentar esse tipo de situação. Se eu não estivesse pronta para isso, sairia com a certeza de que tinha que me preparar mais e melhor. Simplesmente, é assim que penso.
Fazer parte de um conselho demanda preparo. Um conselheiro sem preparo é um problema. Nesta condição, recebemos materiais com 48 ou 72 horas antes, e é preciso mergulhar neles para obter o conhecimento necessário. Por isso que um profissional deve se vincular a, no máximo, quatro conselhos, caso contrário, é impossível você se preparar de maneira adequada para dar conta de todos eles. Eu sou uma ávida leitora, pois gosto de estar por dentro de tudo o que está acontecendo, embora eu faça um deep dive maior em que integro comitês, porque ser boa em tudo é impossível, e nem tenho essa pretensão.
Nos comitês os quais faço parte, Pessoas e Sustentabilidade, Pessoas e Finanças ou Sustentabilidade e Auditoria, eu me aprofundo nesses temas. Sou formada em Finanças, tenho dois MBAs nesta área, mas o que não “abro mão” na minha vida, hoje, é da sustentabilidade. Sempre estou trabalhando e estudando esse tema. Então eu me situo nesse pilar, e sou representante da o ODS 5 que é de igualdade de gênero, e que, como o nome sugere, visa alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres. Para mim, isso é muito importante e me esforço para fazer com que as pessoas, de uma forma geral, entendam tal relevância. É com essa intenção que me preparo e que estudo muito.
Sou a prova de que não é impossível
O mercado nos “assusta” muitas vezes. Hoje eu sou, por exemplo, a única conselheira na Vale, das 12 cadeiras existentes. Tive que me preparar para tal, e sou a “prova” de que não é impossível. Digo a todas: “É possível!”. Por isso que é importante estarmos nesse coletivo com outras mulheres, fazendo com que uma apoie e indique a outra, logo tenho recomendado muitas outras colegas. Sempre que tenho uma oportunidade, indico mulheres e, quando posso, recomendo mulheres negras também. Essa é a forma que tenho como apoiar essa causa e como contribuir com a mudança.
Eu tive medo, sim, de entrar em um conselho enorme, como é o da Vale. Hoje, eles dão “graças a Deus” pela minha chegada. Conto com o apoio de José Luciano Duarte Penido, que é o presidente do conselho, de uma forma tal que, caso eu tenha uma ideia divergente, nunca a exponho para alguém. Nunca! Pego o celular e falo diretamente com ele: “Presidente, o senhor tem um minutinho?” No conselho seguinte, ele próprio já expõe da forma que considerei mais prudente. São batalhas que a gente vai vencendo. Na parte do pilar social, hoje, ele me chama de embaixadora.
Atualmente, foi colocado que a Vale deve ter 40% de mulheres na altíssima liderança e que negros devem compor 40% da liderança média. Ainda não é o ideal, mas essas propostas não faziam parte da agenda, porque não eram tidas como importantes. Mas, reitero, acredito que a transformação só vem a partir da pluralidade. Como terei novas ideias se não trago essas pessoas para a sala de negociação, para a mesa da discussão?
O investidor viu que isso era necessário. Por sua vez, estes investidores precisam ouvir não o que gostariam, mas o que precisam. E aqui está a diferença, pois isso não deixa todo mundo feliz. Mas temos que ser estratégicos e fazer de uma forma não agressiva. Há uma cadência no ritmo, mas ele não é silenciado. Por isso que resiliência e perseverança são, “sem sombra de dúvida”, características fundamentais para um bom conselheiro. E é isso que continuo praticando dia após dia.
RACHEL MAIA
Conselheira administrativa na Vale, Banco do Brasil, CVC e Grupo Soma; conselheira consultiva da Unicef; fundadora do Instituto Capacita-me, da RM Consulting e administradora (embaixadora) do Projeto Guri
Sou paulistana, fui criada na região da Cidade Dutra, bairro periférico da Zona Sul de São Paulo, a caçula de sete irmãos, mãe de Sara Maria e de Pedro Antônio. Estudei em escola pública até o 1º ano do Ensino Médio, em seguida fui aprovada como estagiária do Banco do Brasil, concluí o curso técnico de Contabilidade no Colégio Albert Einstein. Posteriormente, graduei em Ciências Contábeis na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e continuei os estudos com MBAs em Gestão na Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP); e em Liderança e Pessoas na Fundação Getúlio Vargas (FGV), além de uma especialização na Harvard Business School.
Comecei a trabalhar com 14 anos, passei por alguns escritórios contábeis e, em 1991, fui contratada como contadora pela antiga rede de conveniências 7-Eleven. Ali comecei a me destacar e alcancei a posição de diretora financeira. Sete anos depois, pouco antes de a empresa encerrar definitivamente suas atividades no Brasil, em 2000, aproveitei parte do dinheiro da rescisão trabalhista para investir no aprimoramento do meu inglês, fazendo um curso na Universidade de Victoria, no Canadá.
Ao retornar ao Brasil, consegui me recolocar como controller, desta vez na farmacêutica Novartis. Meu projeto era seguir no setor industrial, mas uma oportunidade inesperada me levou para Tiffany & Co., ícone do luxo e uma das mais famosas joalherias do mundo. Ali fiquei por outros sete anos, começando em 2001 no financeiro e terminando, em 2008, como CEO, mesma posição executiva que ocupei em seguida, respectivamente, na Pandora e na Lacoste. Em 2017, ao lado da pedagoga Márcia Maia fundamos o Instituto Capacita-Me que oferece cursos de atualização para estudantes e profissionais em situação de vulnerabilidade socioeconômica da capital paulista. Em 2020 fui convidada a ser embaixadora Projeto Guri, voltado para o despertar pela música. Iniciei minha jornada de conselheira em 2014, quando me tornei membro do Conselho Consultivo do Consulado Geral da Dinamarca, condição que mantive até 2020. Atualmente, ocupo cadeira em quatro conselhos administrativos independentes (Vale, Banco do Brasil, CVC Corp e Grupo Soma) e um consultivo (Unicef).
A transformação só acontece a partir da pluralidade
A minha primeira oportunidade em conselho foi a partir de abril de 2014 na Câmara de Comércio dinamarquesa. Fiquei lá por quase sete anos e foi muito bom, por me oferecer outra perspectiva, de forma muito estratégica e colaborativa. Nesta ocasião, eu já estava estudando no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), vislumbrando novas oportunidades. Eu era a CEO na Lacoste quando surgiu minha segunda oportunidade, em outubro de 2019, quando passei a presidir o conselho consultivo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, tendo a companhia de Luiza Trajano, do Magalu; Cristian Klein, da SAP; Sidney Klajner, do Hospital Albert Einstein, dentre outros. Gostei bastante e continuei estudando, aprimorando-me e olhando outras perspectivas de conselho. Aceitei conversar com muitas empresas e outros convites apareceram. Assim pude me concentrar de forma estratégica e colaborar para a transformação cultural em mais empresas do que sendo uma executiva.
O Conselho é o estratégico da organização e, sendo assim, o conselheiro tem uma responsabilidade da estratégia na organização. Para isso, é preciso estar próximo de uma forma mais sensível, pois não basta simplesmente se reunir e traçar estratégias longe da operação. Precisa ter essa sensibilidade, além da operação e do tático, por isso é importante participar de comitês para entender mais profundamente o que está acontecendo na empresa.
Hoje estamos vivendo uma transformação cultural em âmbito global, e o ESG trouxe demandas nunca antes vividas. Pois, na verdade, assistimos a essa cadência desde 1972, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, capital da Suécia. Dessa forma, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) vêm sendo demandados por investidores, só que de uma forma diferente, há 50 anos. Em 2005, adequou-se uma nomenclatura para a melhor compreensão do mercado financeiro e, em 2015, foram estabelecidas as 17 ODS, desdobradas em 169 metas.
Nesse ínterim foram feitas convenções, firmados pactos, reuniões em Paris, Estocolmo, e assim por diante. Trata-se de uma questão global, mas por sermos uma economia ainda em desenvolvimento, algumas questões demoram mais para chegar aqui. Portanto, uma pergunta que segue ecoando hoje é: “Como fazer a aplicabilidade desses conceitos de uma forma efetiva e transformadora?” Já que é uma questão importante saber se o mercado está maduro para essa transformação. Eu estou nos conselhos e vejo tudo isso por um prisma muito interessante, em que a minha experiência é extremamente colaborativa, e contribuo justamente por isso, porque estou atuante e sou atual para eles.
Não me dê oportunidade em função do gênero, mas pela qualidade que tenho
Diversidade para mim é mais que números. Você não pode simplesmente instituir números para “sair bem na foto”, mas a amplitude deve ser vista como sustentabilidade. Dentro da sustentabilidade devemos tratar do pilar social o qual é mais amplo que a diversidade a qual trata de gênero, do étnico, das pessoas com deficiência. Mas, antes de falar disso, o fundamental é o talento e a pluralidade. Então, é disso que nós temos que falar, pois enquanto exaltamos o diverso, nunca falaremos sobre o quanto o plural pode inovar, pode transformar. É pelo plural que transformaremos, e é desta forma que é necessário ver. O que precisamos mesmo é do Comitê de Sustentabilidade. Mas não entendamos por sustentabilidade apenas aquilo que diz respeito ao ambiental, pois ela tem um enfoque poderoso na questão social e, para mim, as pessoas são o mais importante.
No entanto, nós, mulheres, somos a grande maioria dessa população que ficou sem voz e sem vez por muito tempo. Nós só queremos o nosso espaço. Uma vez que isso nos for dado, temos todas as qualidades, os skills, as competências para seguir adiante. Então, não me dê espaço pelo gênero, mas pela qualidade que tenho, por tudo aquilo que eu posso somar. Eu só quero oportunidade. Dê-me oportunidade que eu vou te mostrar toda a qualidade que tenho, todo o meu valor em diferentes trabalhos. Então, gestores, que não abram espaços pelo gênero, mas porque vocês estão mudando realmente seu mindset. Porque vocês não querem apenas iguais a vocês. Ao contrário, busquem o pluralismo para transformar. É preciso quebrar o preconceito desses que atraem para junto de si apenas os iguais, que vieram dos mesmos lugares e que passaram pelas mesmas experiências, pois esses entregarão resultados iguais.
Neste contexto, olhemos para a pluralidade, e aí alguns conceitos “caem por terra”, por exemplo, essa questão de gênero. Respeite o diferente, porque esse diferente é que pode trazer a transformação, a inovação e os resultados diferentes. Esse é o ponto de convergência. Mas para alcançá-lo demanda se desconstruir e se reconstruir. É isso que muitos investidores já entenderam. Enfim, não queremos tirar alguém do “lugar de fala”, pois queremos aliados porque, no final, quem é bom permanece. A escolha entre o bom e o mediano precisa ser óbvia. Da minha parte, vou apoiar muitas mulheres talentosas, sim, a virem para os conselhos. Isso significa tirar vagas de outros homens? Vai acontecer, mas aí, paciência!
A sustentabilidade deve ser rentável
Para inovar é necessária uma transformação cultural. Inovar é ser o disruptivo, trazer o disruptivo para a conversa, fazer o inesperado, surpreender. E só se consegue quando há mudança de mindset ou novos players e interlocutores são trazidos para a mesa, de modo que tragam elementos inovadores. Entendo que estamos provocando os dois lados, tanto no que diz respeito à mudança de mentalidade quanto no que refere a atração de novos protagonistas para esse jogo. É uma relação de ganha-ganha que leva à inovação. Como já disse, mantendo-se os mesmos, tudo fica como está, nada muda.
Hoje você tem que promover um ecossistema saudável, com pessoas integradas a ele e fazendo com que seja lucrativo. A sustentabilidade deve ser rentável. Antes o propósito era só a lucratividade, mas agora devemos ser um ecossistema rentável. No tempo presente, se uma empresa derramar lixo nos rios, ela deve ser banida, pois deveria fazer o bem para o ecossistema. Em resumo, o “pecado” não é o lucro, mas a forma como se obtém esse lucro. A forma como se obtém o lucro mudou e assim seu Ebitda pode ser que seja reduzido, mas por um propósito.
Fazer parte de um conselho demanda preparo
Eu passei por muitas entrevistas como conselheira e sempre fui muito bem recebida. Na Vale, por exemplo, passei por uma bateria de entrevistas, certamente com mais de 50 investidores. Foi muito bom porque eles extraíram o melhor de mim como conselheira. Nisso, tive a certeza de que ninguém estava fazendo entrevista apenas para me colocar ali ou porque precisavam daquele perfil. Eles buscavam determinadas especificidades que eu posso oferecer. Isso é maravilhoso. Foi um processo exaustivo, mas necessário, pois era demandante que fosse assim. No entanto, fui formada para tal e procurei essa oportunidade. Eu quero as melhores vagas, e as melhores vagas farão as perguntas mais desafiadoras. Então, temos que estar preparadas para enfrentar esse tipo de situação. Se eu não estivesse pronta para isso, sairia com a certeza de que tinha que me preparar mais e melhor. Simplesmente, é assim que penso.
Fazer parte de um conselho demanda preparo. Um conselheiro sem preparo é um problema. Nesta condição, recebemos materiais com 48 ou 72 horas antes, e é preciso mergulhar neles para obter o conhecimento necessário. Por isso que um profissional deve se vincular a, no máximo, quatro conselhos, caso contrário, é impossível você se preparar de maneira adequada para dar conta de todos eles. Eu sou uma ávida leitora, pois gosto de estar por dentro de tudo o que está acontecendo, embora eu faça um deep dive maior em que integro comitês, porque ser boa em tudo é impossível, e nem tenho essa pretensão.
Nos comitês os quais faço parte, Pessoas e Sustentabilidade, Pessoas e Finanças ou Sustentabilidade e Auditoria, eu me aprofundo nesses temas. Sou formada em Finanças, tenho dois MBAs nesta área, mas o que não “abro mão” na minha vida, hoje, é da sustentabilidade. Sempre estou trabalhando e estudando esse tema. Então eu me situo nesse pilar, e sou representante da o ODS 5 que é de igualdade de gênero, e que, como o nome sugere, visa alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres. Para mim, isso é muito importante e me esforço para fazer com que as pessoas, de uma forma geral, entendam tal relevância. É com essa intenção que me preparo e que estudo muito.
Sou a prova de que não é impossível
O mercado nos “assusta” muitas vezes. Hoje eu sou, por exemplo, a única conselheira na Vale, das 12 cadeiras existentes. Tive que me preparar para tal, e sou a “prova” de que não é impossível. Digo a todas: “É possível!”. Por isso que é importante estarmos nesse coletivo com outras mulheres, fazendo com que uma apoie e indique a outra, logo tenho recomendado muitas outras colegas. Sempre que tenho uma oportunidade, indico mulheres e, quando posso, recomendo mulheres negras também. Essa é a forma que tenho como apoiar essa causa e como contribuir com a mudança.
Eu tive medo, sim, de entrar em um conselho enorme, como é o da Vale. Hoje, eles dão “graças a Deus” pela minha chegada. Conto com o apoio de José Luciano Duarte Penido, que é o presidente do conselho, de uma forma tal que, caso eu tenha uma ideia divergente, nunca a exponho para alguém. Nunca! Pego o celular e falo diretamente com ele: “Presidente, o senhor tem um minutinho?” No conselho seguinte, ele próprio já expõe da forma que considerei mais prudente. São batalhas que a gente vai vencendo. Na parte do pilar social, hoje, ele me chama de embaixadora.
Atualmente, foi colocado que a Vale deve ter 40% de mulheres na altíssima liderança e que negros devem compor 40% da liderança média. Ainda não é o ideal, mas essas propostas não faziam parte da agenda, porque não eram tidas como importantes. Mas, reitero, acredito que a transformação só vem a partir da pluralidade. Como terei novas ideias se não trago essas pessoas para a sala de negociação, para a mesa da discussão?
O investidor viu que isso era necessário. Por sua vez, estes investidores precisam ouvir não o que gostariam, mas o que precisam. E aqui está a diferença, pois isso não deixa todo mundo feliz. Mas temos que ser estratégicos e fazer de uma forma não agressiva. Há uma cadência no ritmo, mas ele não é silenciado. Por isso que resiliência e perseverança são, “sem sombra de dúvida”, características fundamentais para um bom conselheiro. E é isso que continuo praticando dia após dia.