A sua marca pessoal é a mais valiosa ferramenta que você tem, afirma Selma Olivia Maia
Selma Olivia Maia é vice-presidente na CNH Industrial
Colunista
Publicado em 17 de novembro de 2024 às 22h03.
Algumas situações nos colocam frente a frente com desafios transformadores para sempre, forjando nosso caráter e aprimorando a nossa capacidade de ser resilientes, independente do que aconteça. No meu caso, esta habilidade foi se lapidando nos primeiros anos de vida, visto que estive desde muito nova diante de um contexto familiar muito difícil.
Nasci em Curitiba, capital paranaense, quando meu pai, Olívio, pedreiro de profissão, foi em busca de melhores oportunidades na vida. Ficamos ali por poucos anos, e logo retornamos para São Bento do Sul em Santa Catarina, onde passei grande parte da infância e adolescência. Tinha ao todo sete irmãos, todos com mais ou menos dois anos de diferença, além de uma irmã adotiva. Enquanto meu pai trabalhava como mestre de obras, minha mãe, Maria Salete, além de cuidar dos filhos e da casa, fazia diversos trabalhos, como o de diarista e de copeira. Ambos estavam sempre em movimento em busca de recursos para manter o sustento de todos, mas este não era o maior obstáculo daquela época.
Dentre as maiores dificuldades enfrentadas naquele momento, o alcoolismo paterno foi o mais impactante. Era comum ele retornar para casa completamente embriagado após o trabalho e ter acessos de violência contra a minha mãe. Por diversas vezes quebrou tudo, incluindo a única televisão em preto e branco usada que havíamos ganhado. Eu via minha mãe sofrendo e via também a importância da independência financeira na vida de uma pessoa. E este cenário me fazia não só querer trabalhar para ter o próprio dinheiro, como também vislumbrar o sonho de conhecer o mundo. Eu sabia que para chegar aonde queria , precisava estudar.
Mamãe foi um grande exemplo e me deu muito foco nos estudos. E meu pai, apesar do vício que o assolava, também incentivava muito os filhos a estudar. Ele era muito inteligente e infelizmente não teve oportunidade de estudar. Exatamente por isso, sempre deu muito valor ao conhecimento. Apesar de todas as dificuldades, mamãe sempre foi muito ativa nos eventos da igreja. E graças a esta conexão teve a oportunidade de conseguir bolsas de estudos para todos os filhos durante o Ensino Fundamental I na única instituição particular da época: o Colégio São José.
Como era uma ótima aluna, continuei como bolsista até o final doEnsinoFundamental II. Na época, odiei a decisão e briguei para ser transferida para o colégio municipal próximo a nossa casa, pois assim não teria a necessidade de caminhar seis quilômetros por dia para estudar. Olhando para trás, hoje tenho certeza de que estar naquela escola foi fundamental não só para alicerçar as bases da minha educação, como também as escolhas profissionais.
Realizar sonhos só depende de você
Na década de 1970, era comum as crianças trabalharem. Desde muito pequena, possivelmente com cinco ou seis anos, eu e meus irmãos ajudávamos no sustento do lar. São Bento do Sul é uma cidade tradicionalmente moveleira e era comum as empresas terceirizarem, nas casas das famílias, atividades como lixar pequenas peças ou trançar assentos e encostos de cadeiras com palha. Estudávamos em um turno e trançávamos as cadeiras em outro, o que me impediu de fazer esportes, música ou dança, atividades almejadas com grande desejo na época. Mas a infância difícil acabou sendo um incentivo para estudar mais, trabalhar cedo e ainda investir em conhecimento, como falar inglês, por exemplo.
Comecei a trabalhar formalmente aos 14 anos, em 1986, como telefonista e recepcionista de uma fábrica de móveis. Foi quando a vida começou a mudar. Naquele mesmo ano comprei a primeira televisão em cores para vermos a Copa do Mundo. A partir de então nunca mais faltou dinheiro para as compras do mês. Também investi em um curso de idiomas. A rotina consistia em trabalhar durante o dia, estudar à noite e fazer inglês no período integral aos sábados. Este era o caminho que visualizava trilhar para conquistar o mundo e os meus sonhos. E eu sabia que isso dependia só de mim, de mais ninguém.
Quando as vitórias te impulsionam a avançar
Em 1989 prestei vestibular para Comércio Exterior na Universidade da Região de Joinville ( UNIVILLE) em Santa Catarina. Durante a faculdade tive a oportunidade de fazer a primeira viagem internacional: duas semanas de estudos ao lado de colegas no Chile. Conhecemos estudantes, professores, empresários e autoridades no país, e ali tive certeza de que a escolha da carreira foi acertada. Eu me graduei em 1992 e durante o último ano me inscrevi para um intercâmbio no México, feito que ocorreu no ano seguinte.
Desliguei-me do primeiro emprego formal, após sete anos, e passei seis meses em Monterrey, no norte do México, onde estudei e dei aulas, pois era de onde vinha a ajuda de custos para pagar a hospedagem. Retornei do México e fui convidada por um empresário de São Bento do Sul, também em Santa Catarina, para formar uma sociedade em um escritório de assessoria de comércio exterior. Foram dois anos muito interessantes, onde inclusive fizemos a importação de um dos primeiros veículos de passeio em Santa Catarina após a abertura do Brasil para o mercado internacional.
Após este período vendi minha parte na sociedade e me mudei para Curitiba, capital paranaense, para realizar a pós-graduação. Ali comecei a trabalhar como líder de uma pequena área de comércio exterior em uma empresa de origem italiana chamada Diamantina Fossanese, que era uma das maiores fabricantes de botões e acessórios para calçados do Brasil. Tive oportunidade de participar de várias feiras têxteis e fiz as primeiras viagens internacionais de trabalho para o Chile e Argentina. Os desafios na liderança começaram a partir de então. No final de 1997 dei início a minha jornada na Volkswagen, onde permaneci por mais de dez anos e neste período fui agraciada por várias alegrias. A maior delas foi a chegada das minhas filhas gêmeas, Laura e Carolina, que nasceram durante a minha transição de carreira, quando fui promovida a gerente na VW. Elas são meu grande orgulho e de certa forma também a certeza de que é possível conciliar carreira, família e maternidade.
Liderar é valorizar e saber ouvir
Trabalhar com pessoas e incentivá-las a buscar o melhor de si a cada dia, utilizando os seus dons e potenciais é o maior desafio de um líder. Aprendi que liderar não significa agradar sempre, mas ser justa, acessível e saber ouvir. Liderar é entender que além do profissional, existe um ser humano detentor de uma vida e uma família para administrar com a responsabilidade de dar resultados no trabalho. Não é possível ser um bom líder se não tiver foco nas pessoas. Parece chavão, mas de fato as pessoas gostam de se sentir valorizadas. Basta fazer para os outros aquilo que espera que o seu líder faça por você. E dê espaço e liberdade de ação, deixando claro quais os resultados almejados de cada pessoa. Isso faz com que o ambiente seja propício ao crescimento pessoal e profissional de cada um.
Claro que não é simples assim e sempre existirão pessoas mais colaborativas e outras menos. Lembro de uma vez ouvir o Max Gehringer dizendo: “ Em um grupo sempre haverá os 20% altamente engajados e os 20% totalmente desengajados. E que cabe ao líder dar voz aos altamente engajados para que estes motivem os outros 60% para cima ”. Agora, se o gestor der ouvidos a fofocas e não souber motivar as pessoas certas, arrisca perder todos, pois os motivados vão embora e os outros seguirão os desengajados. Ou seja: o resultado será muito ruim.
Em qual estilo de liderança você se enquadra?
Existem muitas armadilhas que atrapalham não só a evolução da carreira, como também a vida. Pessoas arrogantes, que pensam saber tudo e não praticam a escuta ativa, são aquelas a não se enquadrar mais na dinâmica da nova gestão. O antigo estilo de liderança, onde a hierarquia era tida como óbvia, já não existe mais. Salas fechadas, tratamentos formais, assistentes dedicadas, tudo isso é coisa do passado, mas ainda são encontradas em algumas empresas. Chefes individualistas e narcisistas, que pensam serem estas ações mérito de quem cresceu hierarquicamente, são tidos como antiquados e obsoletos. Temos duas formas de lidar com isso: ou ajudamos as empresas onde estamos mudando, ou mudamos de empresa. Não podemos aceitar trabalhar em ambientes tóxicos, precisamos buscar lugares onde nos valorizem. Salas e discussões abertas são essenciais para a integração das equipes.
Cinco experiências para potencializar líderes
Existem alguns conselhos ouvidos por grandes líderes que mudaram as perspectivas e consequentemente a minha vida. Não olhar para trás, estudar inglês, ser humilde e não parar de aprender, são alguns deles. Um específico que também nunca esqueci foi que eu jamais deveria me interessar por saber quanto ganham os colegas, pois por mais que eu estivesse satisfeita com uma promoção ou bônus, ficaria infeliz se soubesse que alguém julgado ser do meu nível ou menor estivesse ganhando mais. Isso nunca mais me interessou, inclusive sempre evitei saber, pois devo trabalhar para ser reconhecida e conquistar o meu espaço.
Faça da sua vida um exemplo
Os líderes que me inspiraram ao longo da carreira foram aqueles que viram o meu potencial e me deram desafios onde tive exposição. São os que colocam as pessoas acima de tudo, extremamente generosos e investem boa parte do tempo em pessoas. São líderes realizadores da sua vida como exemplo, gostam de ouvir e com poucas palavras acendem a chama trazida por todas as pessoas dentro de si. Eu tive a felicidade de encontrar alguns e tenho certeza absoluta de que nunca teria chegado tão longe e realizado tantos sonhos se não fosse por eles. São muitos, mas aqui gostaria de homenagear o grande primeiro líder, o extraordinário empreendedor e empresário Frank Bollmann.
Ele expandiu o negócio fundado pelo pai na cidade de São Bento do Sul, transformando a empresa em uma das maiores do estado, com uma tecnologia inexistente no Brasil na época. Ele foi o primeiro a ver que naquela menina de 18 anos havia grandes sonhos e muita vontade de estudar, trabalhar e conquistar o mundo. Outros três grandes líderes com os quais tive o privilégio de trabalhar e gostaria de mencionar são Fernando Raul Navarro, José Ricardo Chiarello e Luc Billiet. Todos eles têm as características mencionadas; me desafiaram e me deram as oportunidades certas de mostrar o meu potencial.
Os segredos para quem mira carreira no exterior
Se está no seu radar trabalhar no exterior, é importante saber: não encontrará o Brasil no destino aonde irá. Os costumes são diferentes e as pessoas não são como os brasileiros. É preciso vir preparado para saber que não achará o mesmo calor humano com o qual estamos acostumados no Brasil. A forma de interação e comportamento são diferentes.
Outro ponto fundamental é se comunicar no idioma do país. É muito mais complexo se expressar ou defender uma opinião, por mais fluente que seja, mas desafie-se e faça isso, pois faz diferença. Vale lembrar também a questão relacionada ao custo de vida. Vindo como expatriada é mais fácil; a empresa dá todas as garantias. Mas eu vejo que muitos vêm com o sonho de começar a vida com um emprego novo. Ressalto que o custo de vida é alto e os impostos também. Por isso, se informe bem antes de partir para o desafio.
Esteja atento às inovações e saiba conectá-las ao seu negócio
O líder deste século precisa ter habilidade para entender as novas tecnologias e encontrar formas rápidas de adaptá-las ao negócio. Isso também inclui a mentalidade aberta a diferentes pontos de vista vindos de um ambiente heterogêneo com diferentes gerações interagindo, sabendo onde e como colocar as pessoas certas nas atividades certas. Um bom gestor terá sucesso se souber liderar pessoas diferentes em ambientes cada vez mais disruptivos e competitivos.
O maior sucesso da carreira até então foi ter liderado um time de mais de 600 pessoas fazendo logística nos quatro continentes do mundo durante a pandemia. Apesar de todas as rupturas acontecendo simultaneamente em diversos países, precisávamos manter as fábricas trabalhando e os clientes recebendo suas máquinas agrícolas e de construção. Muitos fornecedores importantes estavam em lockdown e conseguir peças era difícil . Depois que conseguíamos, precisávamos de contêineres e espaço nos navios para transportar. Faltou de tudo, desde capacidade em todos os meios de transporte, até motoristas . Isso porque além do aumento significativo da demanda, também houve o Brexit e a invasão da Ucrânia, de onde vinham a maioria dos motoristas de caminhão para a Europa. E mesmo em meio a tantas dificuldades, conseguimos fazer a empresa atingir os melhores resultados da história e manter os clientes satisfeitos.
Motivação e bons resultados andam juntos
Preparar-se para liderar diferentes públicos, de diversos lugares do mundo, se faz necessário. É um aprendizado contínuo envolvendo observação e investimento em viagens, livros e cursos, por exemplo. Quando você começa a ter outras gerações entre os liderados, precisa se adaptar. Hoje eu, aos 53 anos, tenho colaboradores de 20 a 60 anos. Nos últimos anos fui responsável pela logística e compras para a América Latina, onde já liderava equipes multiculturais e pude aprender muito. Quando vim para a Itália essa experiência se ampliou para um aspecto muito mais amplo, pois passei a liderar pessoas no mundo todo. Portanto, ao assumir uma área global, tive um novo aprendizado, assim, novamente, é um novo tipo de liderança e incentivo necessário. Todos nós gostamos de ser valorizados e isso varia entre as diversas culturas. Enquanto para alguns um simples e-mail dizendo “ good job” ou “ thank you” é o suficiente, para outros é um pequeno presente ou uma ligação. Eu viajo bastante, então acabo indo às regiões e toda vez faço um café da manhã com a equipe, onde chamamos todas as pessoas, não apenas o primeiro nível. Assim amplio a minha visão da área e das pessoas que estão lá trazendo os resultados e fazendo a diferença. Essas são algumas formas de motivar o time junto a empresa, porque a companhia também tem o setor de Recursos Humanos (RH) nas diferentes regiões e trabalha com diferentes formas de incentivo.
Seja o responsável pelo seu sucesso
Você é o responsável pelo seu sucesso. Não espere que a empresa faça isso por você. Descubra aquilo que sabe fazer bem, estabeleça metas aliadas aos seus sonhos e não se canse de melhorar a cada dia. Foque naquilo que gosta de fazer, sabendo que isso não necessariamente significa que será fácil ou que o sucesso virá logo, mas sim que deixará a sua vida com mais significado. Seja sempre humilde e generoso, não tenha medo de disseminar conhecimento e alie-se a pessoas que sabem mais do que você.
A sua marca pessoal é a mais valiosa ferramenta que você tem e a consistência o levará a conquistar os seus sonhos. Estudar e trabalhar dão significado para as nossas vidas e a oportunidade de realizar tudo aquilo que quisermos. Cada ser humano é único e pode chegar aonde quiser. Foi por meio desta ação que aquela menina que olhava para o céu tentando ver um avião passando, hoje conhece todos os continentes e realizou o sonho de conhecer mais de 30 países. O trabalho me proporciona viajar sem gastar nada, pelo contrário, ganho tudo pago para fazer isso.
Livro: A Potência da Liderança Consciente: Como uma cultura mais humana pode potencializar os seus resultados e alavancar a sua relevância e impacto como líder — Daniel Spinelli — Editora Gente Autoridade
Algumas situações nos colocam frente a frente com desafios transformadores para sempre, forjando nosso caráter e aprimorando a nossa capacidade de ser resilientes, independente do que aconteça. No meu caso, esta habilidade foi se lapidando nos primeiros anos de vida, visto que estive desde muito nova diante de um contexto familiar muito difícil.
Nasci em Curitiba, capital paranaense, quando meu pai, Olívio, pedreiro de profissão, foi em busca de melhores oportunidades na vida. Ficamos ali por poucos anos, e logo retornamos para São Bento do Sul em Santa Catarina, onde passei grande parte da infância e adolescência. Tinha ao todo sete irmãos, todos com mais ou menos dois anos de diferença, além de uma irmã adotiva. Enquanto meu pai trabalhava como mestre de obras, minha mãe, Maria Salete, além de cuidar dos filhos e da casa, fazia diversos trabalhos, como o de diarista e de copeira. Ambos estavam sempre em movimento em busca de recursos para manter o sustento de todos, mas este não era o maior obstáculo daquela época.
Dentre as maiores dificuldades enfrentadas naquele momento, o alcoolismo paterno foi o mais impactante. Era comum ele retornar para casa completamente embriagado após o trabalho e ter acessos de violência contra a minha mãe. Por diversas vezes quebrou tudo, incluindo a única televisão em preto e branco usada que havíamos ganhado. Eu via minha mãe sofrendo e via também a importância da independência financeira na vida de uma pessoa. E este cenário me fazia não só querer trabalhar para ter o próprio dinheiro, como também vislumbrar o sonho de conhecer o mundo. Eu sabia que para chegar aonde queria , precisava estudar.
Mamãe foi um grande exemplo e me deu muito foco nos estudos. E meu pai, apesar do vício que o assolava, também incentivava muito os filhos a estudar. Ele era muito inteligente e infelizmente não teve oportunidade de estudar. Exatamente por isso, sempre deu muito valor ao conhecimento. Apesar de todas as dificuldades, mamãe sempre foi muito ativa nos eventos da igreja. E graças a esta conexão teve a oportunidade de conseguir bolsas de estudos para todos os filhos durante o Ensino Fundamental I na única instituição particular da época: o Colégio São José.
Como era uma ótima aluna, continuei como bolsista até o final doEnsinoFundamental II. Na época, odiei a decisão e briguei para ser transferida para o colégio municipal próximo a nossa casa, pois assim não teria a necessidade de caminhar seis quilômetros por dia para estudar. Olhando para trás, hoje tenho certeza de que estar naquela escola foi fundamental não só para alicerçar as bases da minha educação, como também as escolhas profissionais.
Realizar sonhos só depende de você
Na década de 1970, era comum as crianças trabalharem. Desde muito pequena, possivelmente com cinco ou seis anos, eu e meus irmãos ajudávamos no sustento do lar. São Bento do Sul é uma cidade tradicionalmente moveleira e era comum as empresas terceirizarem, nas casas das famílias, atividades como lixar pequenas peças ou trançar assentos e encostos de cadeiras com palha. Estudávamos em um turno e trançávamos as cadeiras em outro, o que me impediu de fazer esportes, música ou dança, atividades almejadas com grande desejo na época. Mas a infância difícil acabou sendo um incentivo para estudar mais, trabalhar cedo e ainda investir em conhecimento, como falar inglês, por exemplo.
Comecei a trabalhar formalmente aos 14 anos, em 1986, como telefonista e recepcionista de uma fábrica de móveis. Foi quando a vida começou a mudar. Naquele mesmo ano comprei a primeira televisão em cores para vermos a Copa do Mundo. A partir de então nunca mais faltou dinheiro para as compras do mês. Também investi em um curso de idiomas. A rotina consistia em trabalhar durante o dia, estudar à noite e fazer inglês no período integral aos sábados. Este era o caminho que visualizava trilhar para conquistar o mundo e os meus sonhos. E eu sabia que isso dependia só de mim, de mais ninguém.
Quando as vitórias te impulsionam a avançar
Em 1989 prestei vestibular para Comércio Exterior na Universidade da Região de Joinville ( UNIVILLE) em Santa Catarina. Durante a faculdade tive a oportunidade de fazer a primeira viagem internacional: duas semanas de estudos ao lado de colegas no Chile. Conhecemos estudantes, professores, empresários e autoridades no país, e ali tive certeza de que a escolha da carreira foi acertada. Eu me graduei em 1992 e durante o último ano me inscrevi para um intercâmbio no México, feito que ocorreu no ano seguinte.
Desliguei-me do primeiro emprego formal, após sete anos, e passei seis meses em Monterrey, no norte do México, onde estudei e dei aulas, pois era de onde vinha a ajuda de custos para pagar a hospedagem. Retornei do México e fui convidada por um empresário de São Bento do Sul, também em Santa Catarina, para formar uma sociedade em um escritório de assessoria de comércio exterior. Foram dois anos muito interessantes, onde inclusive fizemos a importação de um dos primeiros veículos de passeio em Santa Catarina após a abertura do Brasil para o mercado internacional.
Após este período vendi minha parte na sociedade e me mudei para Curitiba, capital paranaense, para realizar a pós-graduação. Ali comecei a trabalhar como líder de uma pequena área de comércio exterior em uma empresa de origem italiana chamada Diamantina Fossanese, que era uma das maiores fabricantes de botões e acessórios para calçados do Brasil. Tive oportunidade de participar de várias feiras têxteis e fiz as primeiras viagens internacionais de trabalho para o Chile e Argentina. Os desafios na liderança começaram a partir de então. No final de 1997 dei início a minha jornada na Volkswagen, onde permaneci por mais de dez anos e neste período fui agraciada por várias alegrias. A maior delas foi a chegada das minhas filhas gêmeas, Laura e Carolina, que nasceram durante a minha transição de carreira, quando fui promovida a gerente na VW. Elas são meu grande orgulho e de certa forma também a certeza de que é possível conciliar carreira, família e maternidade.
Liderar é valorizar e saber ouvir
Trabalhar com pessoas e incentivá-las a buscar o melhor de si a cada dia, utilizando os seus dons e potenciais é o maior desafio de um líder. Aprendi que liderar não significa agradar sempre, mas ser justa, acessível e saber ouvir. Liderar é entender que além do profissional, existe um ser humano detentor de uma vida e uma família para administrar com a responsabilidade de dar resultados no trabalho. Não é possível ser um bom líder se não tiver foco nas pessoas. Parece chavão, mas de fato as pessoas gostam de se sentir valorizadas. Basta fazer para os outros aquilo que espera que o seu líder faça por você. E dê espaço e liberdade de ação, deixando claro quais os resultados almejados de cada pessoa. Isso faz com que o ambiente seja propício ao crescimento pessoal e profissional de cada um.
Claro que não é simples assim e sempre existirão pessoas mais colaborativas e outras menos. Lembro de uma vez ouvir o Max Gehringer dizendo: “ Em um grupo sempre haverá os 20% altamente engajados e os 20% totalmente desengajados. E que cabe ao líder dar voz aos altamente engajados para que estes motivem os outros 60% para cima ”. Agora, se o gestor der ouvidos a fofocas e não souber motivar as pessoas certas, arrisca perder todos, pois os motivados vão embora e os outros seguirão os desengajados. Ou seja: o resultado será muito ruim.
Em qual estilo de liderança você se enquadra?
Existem muitas armadilhas que atrapalham não só a evolução da carreira, como também a vida. Pessoas arrogantes, que pensam saber tudo e não praticam a escuta ativa, são aquelas a não se enquadrar mais na dinâmica da nova gestão. O antigo estilo de liderança, onde a hierarquia era tida como óbvia, já não existe mais. Salas fechadas, tratamentos formais, assistentes dedicadas, tudo isso é coisa do passado, mas ainda são encontradas em algumas empresas. Chefes individualistas e narcisistas, que pensam serem estas ações mérito de quem cresceu hierarquicamente, são tidos como antiquados e obsoletos. Temos duas formas de lidar com isso: ou ajudamos as empresas onde estamos mudando, ou mudamos de empresa. Não podemos aceitar trabalhar em ambientes tóxicos, precisamos buscar lugares onde nos valorizem. Salas e discussões abertas são essenciais para a integração das equipes.
Cinco experiências para potencializar líderes
Existem alguns conselhos ouvidos por grandes líderes que mudaram as perspectivas e consequentemente a minha vida. Não olhar para trás, estudar inglês, ser humilde e não parar de aprender, são alguns deles. Um específico que também nunca esqueci foi que eu jamais deveria me interessar por saber quanto ganham os colegas, pois por mais que eu estivesse satisfeita com uma promoção ou bônus, ficaria infeliz se soubesse que alguém julgado ser do meu nível ou menor estivesse ganhando mais. Isso nunca mais me interessou, inclusive sempre evitei saber, pois devo trabalhar para ser reconhecida e conquistar o meu espaço.
Faça da sua vida um exemplo
Os líderes que me inspiraram ao longo da carreira foram aqueles que viram o meu potencial e me deram desafios onde tive exposição. São os que colocam as pessoas acima de tudo, extremamente generosos e investem boa parte do tempo em pessoas. São líderes realizadores da sua vida como exemplo, gostam de ouvir e com poucas palavras acendem a chama trazida por todas as pessoas dentro de si. Eu tive a felicidade de encontrar alguns e tenho certeza absoluta de que nunca teria chegado tão longe e realizado tantos sonhos se não fosse por eles. São muitos, mas aqui gostaria de homenagear o grande primeiro líder, o extraordinário empreendedor e empresário Frank Bollmann.
Ele expandiu o negócio fundado pelo pai na cidade de São Bento do Sul, transformando a empresa em uma das maiores do estado, com uma tecnologia inexistente no Brasil na época. Ele foi o primeiro a ver que naquela menina de 18 anos havia grandes sonhos e muita vontade de estudar, trabalhar e conquistar o mundo. Outros três grandes líderes com os quais tive o privilégio de trabalhar e gostaria de mencionar são Fernando Raul Navarro, José Ricardo Chiarello e Luc Billiet. Todos eles têm as características mencionadas; me desafiaram e me deram as oportunidades certas de mostrar o meu potencial.
Os segredos para quem mira carreira no exterior
Se está no seu radar trabalhar no exterior, é importante saber: não encontrará o Brasil no destino aonde irá. Os costumes são diferentes e as pessoas não são como os brasileiros. É preciso vir preparado para saber que não achará o mesmo calor humano com o qual estamos acostumados no Brasil. A forma de interação e comportamento são diferentes.
Outro ponto fundamental é se comunicar no idioma do país. É muito mais complexo se expressar ou defender uma opinião, por mais fluente que seja, mas desafie-se e faça isso, pois faz diferença. Vale lembrar também a questão relacionada ao custo de vida. Vindo como expatriada é mais fácil; a empresa dá todas as garantias. Mas eu vejo que muitos vêm com o sonho de começar a vida com um emprego novo. Ressalto que o custo de vida é alto e os impostos também. Por isso, se informe bem antes de partir para o desafio.
Esteja atento às inovações e saiba conectá-las ao seu negócio
O líder deste século precisa ter habilidade para entender as novas tecnologias e encontrar formas rápidas de adaptá-las ao negócio. Isso também inclui a mentalidade aberta a diferentes pontos de vista vindos de um ambiente heterogêneo com diferentes gerações interagindo, sabendo onde e como colocar as pessoas certas nas atividades certas. Um bom gestor terá sucesso se souber liderar pessoas diferentes em ambientes cada vez mais disruptivos e competitivos.
O maior sucesso da carreira até então foi ter liderado um time de mais de 600 pessoas fazendo logística nos quatro continentes do mundo durante a pandemia. Apesar de todas as rupturas acontecendo simultaneamente em diversos países, precisávamos manter as fábricas trabalhando e os clientes recebendo suas máquinas agrícolas e de construção. Muitos fornecedores importantes estavam em lockdown e conseguir peças era difícil . Depois que conseguíamos, precisávamos de contêineres e espaço nos navios para transportar. Faltou de tudo, desde capacidade em todos os meios de transporte, até motoristas . Isso porque além do aumento significativo da demanda, também houve o Brexit e a invasão da Ucrânia, de onde vinham a maioria dos motoristas de caminhão para a Europa. E mesmo em meio a tantas dificuldades, conseguimos fazer a empresa atingir os melhores resultados da história e manter os clientes satisfeitos.
Motivação e bons resultados andam juntos
Preparar-se para liderar diferentes públicos, de diversos lugares do mundo, se faz necessário. É um aprendizado contínuo envolvendo observação e investimento em viagens, livros e cursos, por exemplo. Quando você começa a ter outras gerações entre os liderados, precisa se adaptar. Hoje eu, aos 53 anos, tenho colaboradores de 20 a 60 anos. Nos últimos anos fui responsável pela logística e compras para a América Latina, onde já liderava equipes multiculturais e pude aprender muito. Quando vim para a Itália essa experiência se ampliou para um aspecto muito mais amplo, pois passei a liderar pessoas no mundo todo. Portanto, ao assumir uma área global, tive um novo aprendizado, assim, novamente, é um novo tipo de liderança e incentivo necessário. Todos nós gostamos de ser valorizados e isso varia entre as diversas culturas. Enquanto para alguns um simples e-mail dizendo “ good job” ou “ thank you” é o suficiente, para outros é um pequeno presente ou uma ligação. Eu viajo bastante, então acabo indo às regiões e toda vez faço um café da manhã com a equipe, onde chamamos todas as pessoas, não apenas o primeiro nível. Assim amplio a minha visão da área e das pessoas que estão lá trazendo os resultados e fazendo a diferença. Essas são algumas formas de motivar o time junto a empresa, porque a companhia também tem o setor de Recursos Humanos (RH) nas diferentes regiões e trabalha com diferentes formas de incentivo.
Seja o responsável pelo seu sucesso
Você é o responsável pelo seu sucesso. Não espere que a empresa faça isso por você. Descubra aquilo que sabe fazer bem, estabeleça metas aliadas aos seus sonhos e não se canse de melhorar a cada dia. Foque naquilo que gosta de fazer, sabendo que isso não necessariamente significa que será fácil ou que o sucesso virá logo, mas sim que deixará a sua vida com mais significado. Seja sempre humilde e generoso, não tenha medo de disseminar conhecimento e alie-se a pessoas que sabem mais do que você.
A sua marca pessoal é a mais valiosa ferramenta que você tem e a consistência o levará a conquistar os seus sonhos. Estudar e trabalhar dão significado para as nossas vidas e a oportunidade de realizar tudo aquilo que quisermos. Cada ser humano é único e pode chegar aonde quiser. Foi por meio desta ação que aquela menina que olhava para o céu tentando ver um avião passando, hoje conhece todos os continentes e realizou o sonho de conhecer mais de 30 países. O trabalho me proporciona viajar sem gastar nada, pelo contrário, ganho tudo pago para fazer isso.
Livro: A Potência da Liderança Consciente: Como uma cultura mais humana pode potencializar os seus resultados e alavancar a sua relevância e impacto como líder — Daniel Spinelli — Editora Gente Autoridade