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A construção de amizades no trabalho é uma abordagem que promove a felicidade, afirma Cesar Gon

Cesar Gon é CEO da CI&T

Minha jornada com a tecnologia começou no verão de 1982, quando eu contava apenas 11 anos, na cidade em que nasci, em Amparo, interior de São Paulo. Naquele tempo, minha diversão favorita era jogar bola com os amigos na rua. 

Havia dois irmãos que vinham ocasionalmente passar férias lá na cidade e eles costumavam jogar conosco. Foi assim que me tornei amigo do mais novo deles. Certa vez, entrei na casa dele para tomar água e foi quando me deparei com um rapaz na sala, utilizando um teclado conectado a uma televisão, já que, naquela época, os primeiros computadores eram assim, sem monitores. Ele estava programando e aquela cena me deixou extremamente curioso. Então, de maneira generosa, ele começou a me explicar o que estava fazendo. Aquilo me fascinou profundamente e a partir daquele momento, minha segunda paixão e fascínio passaram a ser a tecnologia. 

Recebi diversas dicas sobre quais revistas comprar e como aprender mais sobre programação. O desafio era que eu não tinha um computador em casa naquele momento. No entanto, comecei a comprar as publicações recomendadas e a praticar programação em meus cadernos da escola. Minha paixão pela tecnologia só cresceu a partir daí e eu estava determinado a aprender tudo o que pudesse sobre esse novo mundo. 

Por sorte, um amigo da família tinha um computador que não usava mais e concordou em vendê-lo a um preço acessível. Minha mãe o comprou e finalmente pude começar a programar de verdade.  

Minha visão empreendedora surgiu aos 13 anos, de maneira completamente intuitiva. Afinal, naquela época, o conceito de empreendedorismo nem existia. Comecei a vender software de jogos, para revistas de tecnologia. Meu objetivo era ganhar dinheiro para comprar computadores melhores. Era minha estratégia na época.  

Naturalmente, graduei-me em Engenharia de Computação, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1993. Após isso, realizei um mestrado em Ciência da Computação, também pela Unicamp, concluído em 1996. 

Resiliência, coragem e sorte  

Meus planos, na realidade, eram de realizar um doutorado nos Estados Unidos em Computação Gráfica, porém eu precisava de dinheiro para atingir este objetivo. Foi então que surgiu a ideia de criar a CI&T. Era um projeto provisório, para ficar um ano trabalhando com mercado, consultoria e depois fechar a empresa. Mas o destino agiu de maneira diferente e quando estava atuando já há seis meses, descobri-me definitivamente como empreendedor. E o sonho passou a ser tornar a CI&T, em uma empresa global, no setor de tecnologia. Tenho muito orgulho por ter tomado essa decisão no passado, e de como tudo aconteceu satisfatoriamente.  

Quando ganhei o prêmio Empresário Empreendedor do Ano de 2020, pela Ernst & Young World Entrepreneur of the Year, foi a primeira vez que articulei sobre o que é empreender. Costumo dizer que é uma combinação de resiliência, coragem e sorte. 

A resiliência é necessária, porque os desafios serão infinitos, envolvendo sempre muito trabalho e a maioria das tentativas não dará certo. Mas é importante manter-se motivado, mesmo quando as coisas não ocorrem como planejado. A coragem é fundamental, porque empreender significa enfrentar o senso comum e o desconhecido. E por fim, a sorte desempenha um papel crucial. Encontrar as pessoas certas, nos momentos certos. Considero-me bastante afortunado neste quesito. Desde os primeiros colaboradores da CI&T, até os clientes que nos apoiaram. 

Muitas vezes pode parecer algo solitário. A estratégia que sempre funcionou para mim é enxergar o empreendedorismo como um jogo em equipe. Nesse jogo coletivo, o fardo do sofrimento se torna mais gerenciável e as vitórias compartilhadas se transformam em celebrações. Ter colegas ao seu lado, um ombro amigo para momentos difíceis, um grupo de pessoas – que compartilham as lutas e incentivam reciprocamente – é fundamental. Acredito que essa é a chave para enfrentar o desconhecido de uma maneira geral. 

Líderes e liderados humanizados  

Ao longo dos anos, tive uma transformação como líder, porque iniciei muito jovem – aos 23 anos – e àquela altura liderar uma empresa foi praticamente na base da intuição. Naquela época, não sabia muito bem o que estava fazendo, e estava tentando encontrar meu próprio estilo de liderança de uma forma empírica. Independentemente disso, precisamos evoluir. Então permaneci estudando incessantemente, e me inspirei em exemplos ao meu redor.  

Até que me deparei com a liderança lean. A partir disso, tudo foi decolando de modo significativo. No século XXI, as pessoas anseiam por líderes que as inspirem com propósito, em vez de imporem controle. O líder passa a ser a alavanca da energia coletiva, fomentando a construção de inteligência colaborativa. 

Nesse novo cenário, a noção de não cometer erros se torna obsoleta. Tudo se tornou mais complexo, dinâmico, diversificado e em constante mudança. A experimentação é fundamental, independentemente do tamanho da empresa ou da indústria. O líder deve ser alguém disposto a tentar muitas ações e a falhar em pequenos erros para alcançar grandes conquistas. Além disso, precisa ter habilidades essenciais e uma abordagem humanizada. 

Minha abordagem à contratação e desenvolvimento de carreiras é profundamente enraizada em nossos valores e cultura, que chamamos de CI&T WAY. Focamos em formar líderes a partir de nossas próprias fileiras. Começamos contratando talentos recém-saídos da graduação e investimos em acelerar suas trajetórias profissionais internamente. 

A escolha de quais carreiras acelerar é um exercício estratégico e filosófico. Nossa ênfase está em identificar líderes promissores entre nossos colaboradores. Aqueles que se alinham com nossa cultura abraçam nossa herança e possuam ambição de humanizar a empresa seguem com uma grande vantagem. 

Queremos pessoas dispostas a enfrentar desafios significativos e a escrever o futuro da empresa. O caminho pela frente é empolgante, mas requer trabalho árduo, estudo e dedicação. Outra característica que também valorizo profundamente é a capacidade de orquestração. Liderar na CI&T envolve a habilidade de fazer as coisas acontecerem de forma eficaz e ágil, sem causar conflitos. Temos mais de 6,2 mil colaboradores globalmente, portanto é uma organização complexa. A capacidade de tomar decisões e agir de forma eficiente, sem criar atritos desnecessários, sem deixar ressentimentos no processo, é uma habilidade valiosa, e uma arte que aprecio. 

Rumo à transformação gradual a partir da Inteligência Artificial 

Tenho muita familiaridade com Inteligência Artificial, porque lido com isso desde a época da faculdade, onde mergulhei no universo da teoria da computação. Desde então fui gradualmente me envolvendo cada vez mais com algoritmos e computação gráfica. Isso me permitiu acompanhar de perto as mudanças e avanços ocorridos nesse campo. 

Gosto de filosofar e de me recordar onde tudo começou no que diz respeito à história dos computadores. Foi em 1946, com o advento do primeiro computador de propósito geral, o Electronic Numerical Integrator and Computer (Eniac). A protagonista dessa revolução é a inteligência artificial combinada com diversas outras tecnologias. Mas é a IA que simboliza este novo capítulo. 

Agora, o combo se torna mais desafiador, disruptivo e acelerado. Tudo isso construído sobre as bases da internet, smartphones, computação em nuvem e mídias sociais. A inteligência artificial introduz um novo nível de capacidade de resolução de problemas, que continua evoluindo exponencialmente. 

Essa jornada hiperdigital pode ser dividida em três atos. O primeiro ato é de eficiência e hiperprodutividade, que já está em andamento. Posso dizer que o segundo ato é sobre experiência e hiperpersonalização, na interação homem-máquina, saindo do paradigma das telas e botões para uma interação mais humana por meio da linguagem natural. E o terceiro ato, um pouco mais distante, envolve a disrupção de modelos de negócios, baseada na ideia de que o custo de tomar decisões complexas se aproxima de zero e pode ser escalado com a inteligência artificial. 

Ao contrário das revoluções anteriores, ou talvez de forma mais progressiva, cada revolução tecnológica é mais intensa e mais rápida. Isso desafia nossa capacidade de adaptação, especialmente as gerações mais maduras. As gerações mais jovens, que cresceram imersas nesse ambiente, podem lidar de forma mais natural com essas mudanças aceleradas. 

O progresso é visível por meio de análises de impacto em diferentes profissões. Algumas carreiras desaparecerão, enquanto outras sofrerão transformações significativas, e outras permanecerão mais estáveis. 

As reviravoltas nessa jornada começaram por volta de 2012, com a ascensão das abordagens baseadas em deep learning e redes neurais profundas. Isso ocorreu devido à disponibilidade de poder de processamento computacional e aos avanços científicos nas técnicas de aprendizado de máquina. A força bruta agora era uma opção viável, capaz de processar vastas quantidades de informações, como a internet na totalidade. 

Desde a academia mantive-me atento aos avanços dessa tecnologia, em particular acompanhando a evolução dos modelos da OpenAI. E fui testemunha de suas impressionantes melhorias ao longo da última década, principalmente com o lançamento do ChatGPT 3.5, em novembro de 2021. As lentes com as quais eu acompanhava essa jornada agora se voltaram para a indústria, pois o mercado passou a liderar o desenvolvimento da inteligência artificial, ultrapassando a academia, que continuará contribuindo para a evolução da inteligência artificial, mas é inegável que o domínio do campo mudou de mãos.  

Agora, observamos um movimento em direção à eficiência, que abrange vários aspectos, desde 

o desenvolvimento de soluções tecnológicas, como a geração automática de código, até o desenho de soluções digitais. No entanto, de maneira surpreendente, o capítulo da eficiência começa na própria tecnologia. Ela impulsiona a tecnologia para níveis inimagináveis de desempenho, tornando o ambiente de TI hiperprodutivo. Isso abrirá portas para inovações em diversas áreas, à medida que buscamos explorar todo o potencial desse novo cenário. 

Uma empresa global 

Um dos motivos de muita alegria e sucesso para mim é, sem dúvida, a minha família. Minha esposa Sílvia, minha companheira de vida, e meus três filhos. Todos eles fazem com que tudo seja muito mais leve e complementam o meu propósito de vida e a minha felicidade.  

Agora quando se trata da parte profissional, sempre penso que ser empreendedor é uma jornada repleta de altos e baixos. Um dos marcos mais emblemáticos foi a expansão da empresa para os Estados Unidos. Desde 2000, tentamos várias vezes, sem sucesso, devido a recursos limitados e uma visão restrita do mercado global. E, finalmente, em 2006, tivemos êxito, apesar das inúmeras frustrações no caminho. Esse passo se transformou em um símbolo de que poderíamos competir globalmente na indústria. 

Foi um caminho difícil, mas ao conquistar clientes de peso, como o Yahoo (que na época era um gigante, assim como o Google), Johnson & Johnson e Coca-Cola, percebemos que estávamos no caminho certo. Essa era uma vitória para poucos, um momento mágico que mostrou que poderíamos alçar voos mais altos e ter um impacto global. 

Outro momento que marcou nossa jornada foi a transformação que vivemos em 2016. Nessa fase, nos reinventamos como uma empresa de transformação digital, deixando para trás a mera engenharia de software com design. Agora, éramos parceiros na jornada de transformação de empresas como Itaú e Vivo-Telefônica, impactando profundamente nossos clientes. 

Uma celebração marcante e o início de um novo capítulo desafiador ocorreram em 2019, quando nos tornamos uma empresa de capital aberto na NYSE, a Bolsa de Valores de Nova Iorque. Uma sensação inexplicável de felicidade, emoção e realização.  

Relações de valor no mundo corporativo 

Refletindo sobre todo o meu percurso, eu gostaria de ter tido acesso a uma compreensão mais estruturada sobre liderança. Se tivesse tido isso um pouco mais cedo, talvez pudesse ter evitado alguns erros iniciais. Meus desafios em construir uma empresa global, inicialmente refletiam uma visão ingênua de como funcionava o mundo dos negócios. Minha falta de conhecimento era evidente. Teria sido valioso ter um entendimento mais sólido desde o início. 

Outra área em que poderíamos ter sido mais agressivos é no acesso ao capital. Ao longo de 28 anos, tivemos poucas interações com venture capital, dois leveraged buyouts (LBOs), um fundo americano e, finalmente, a abertura de capital. Em retrospecto, poderíamos ter buscado oportunidades de financiamento com maior determinação. O acesso ao capital é um componente crítico para o crescimento de uma empresa e essa lógica da indústria foi uma lição aprendida com o tempo. 

Confiar nas pessoas se tornou evidente e gastar tempo na seleção e na tomada de decisões de pessoal é crucial. É preciso encontrar as pessoas certas para o barco e, ao mesmo tempo, ser capaz de reconhecer quando cometi erros na escolha de colaboradores que não se encaixam no projeto de longo prazo. Muitas dessas lições só podem ser verdadeiramente absorvidas ao vivenciá-las. 

A mudança ocorre a uma velocidade sem precedentes, e dedicar parte da agenda à aprendizagem disciplinada é imperativo. Estudar deve ser uma parte essencial de nossas vidas profissionais, tornando a jornada mais interessante e valiosa. 

Além disso, a humanização da trajetória profissional é um ponto-chave. Criar relacionamentos reais e genuínos no ambiente de trabalho é crucial. Não devemos construir muros intransponíveis entre nossa vida pessoal e profissional. A construção de amizades no trabalho é uma abordagem que promove a felicidade na jornada profissional, reconhecimento de mérito e valor humano no ambiente corporativo. 

Em resumo, os dois conselhos que considero essenciais para uma jornada profissional bem-sucedida são o aprendizado obsessivo e a construção de laços verdadeiros com os colegas de trabalho. Essas lições me guiaram ao longo dos anos e continuam a ser fundamentais para o meu sucesso.