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Que Ventos Contrários o Levem

Um banho de mar e de gestão.

 (Shutterstock/ LumineImages/Corall Consultoria)
(Shutterstock/ LumineImages/Corall Consultoria)
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Gestão Fora da Caixa

Publicado em 25 de abril de 2018 às, 13h21.

Última atualização em 25 de abril de 2018 às, 13h34.

Ontem acordei bem cedo e resolvi fazer uma longa remada. Em pé na prancha, buscando um movimento ritmado, percebi claramente o quanto ele não poderia, jamais, tornar-se apenas um movimento mecânico. Uma repetição sequencial invariável. Em pouco mais de uma hora é incrível o volume de diferentes momentos que podem acabar confundindo-se apenas com um marasmo e repetição, se não estivermos disponíveis a uma observação livre e curiosa. Sim, a remada tende a tornar-se o mais homogênea possível. Uma cadência entorpecente que permite seguir uma longa jornada. Mas poucos elementos do contexto seguem iguais. Ousaria dizer até mesmo que nenhum deles o faz. Na ida comecei contra a correnteza, como rege a norma de uma navegação segura. Afinal, na volta, cansado, poderia retornar com ela me favorecendo. Comecei cheio de energia, e logo fui brindado pela visita de uma imensa tartaruga a me espiar com curiosidade. Aquela presença me encheu de energia. Segui remando pensando como era abençoada de iniciar assim uma segunda feira. Mas a correnteza seguia correndo contra a minha direção e agora eu tomava consciência de que o vento estava forte, e ia também na direção contrária. O movimento repetitivo não permitia ao meu corpo um ritmo mecânico, afinal, a água nada tem de estável e as ondas diagonais me obrigavam a constantemente manter meu corpo em um alerta relaxado, constantemente me reequilibrando a cada onda. Mas este reequilibrar dependia de um corpo atento, mas flexível e entregue. Tentar olhar para cada onda que se aproximava não parecia uma boa alternativa. Olhando para a onda eu invariavelmente perdia o equilíbrio. Assim eu ia remando, mantendo um ritmo forte e agradável. Logo o cansaço começou a se fazer presente, e comecei a perceber que uma parte importante da minha sensação de velocidade era apenas a corrente correndo no sentido inverso. A ilha que eu havia definido como destino começava a me parecer muito distante, e objetivos menos ousados começaram a passar em minha cabeça. Ao mesmo tempo percebi que a corrente sutilmente me levava para longe da terra, e eu agora estava distante. Percebi também que linda vista eu tinha dali, e estar ali, tão distante, de encheu com uma pequenez e uma completude que estranhamente, juntas, me deram uma sensação emocionante e vida. Pensei em dar um mergulho, mas temi que perder o ritmo abalaria a minha motivação. Abaixei um pouco para buscar o equilíbrio em uma onda mais forte provocada por um barco que passara em velocidade, e percebi que aquela posição diminuía o efeito contrário do vento. Segui mais abaixado e motivado pela minha nova descoberta. Meus braços começavam a cansar e comecei a tentar colocar mais força das costas. Foi uma investigação agradável que me distraiu por algum tempo. Logo os desenhos mais detalhados da ilha começavam a se mostrar e eu pensava como, na empolgação pela minha idéia de remar logo pela manhã, esquecera de comer algo ou mesmo de hidratar adequadamente pra atividade que resolvi abraçar. Mais consciente disto resolvi que se sentisse o cansaço excessivo eu retornaria. Quantas vezes, na empolgada ansiedade, esquecemos de cuidar da preparação, e acabamos falhando por isso.

Por fim, a ilha chegou, e me ofereceu uma sombra agradável e um pequeno espaço sem correnteza escondido atrás dela. Fui remando um arredondado retorno e logo encontrei uma brisa nas costas. A correnteza, agora, me empurrava gentilmente na minha direção. As ondas ainda vinham laterais e percebi que precisaria seguir atento e relaxado. Logo percebi também que teria de seguir remando e que chegar ao primeiro objetivo não era tudo. Também o retorno demandaria trabalho e energia. Mas segui. Segui para após quase duas horas chegar feliz e avistar meu filho tomando um gostoso café da manhã na varanda. De longe ele me avistou e acenou, enquanto gritava uma longa frase que, obviamente, não escutei. Dei meu mergulho, enfim.

Hoje amanheci pensando o quanto, no dia a dia da gestão, é perdido devido a um legado mecanicista preponderante. Quantas vezes, na ilusão de que um processo mecânico dará conta de conduzir a empresa, deixamos de observar forças do entorno que ora nos atrapalham e ora nos alavancam. Na ilusão de que um processo em algum momento, quando perfeito, dará conta da jornada, quanto desgaste emocional vivemos lidando com o que nos tira do rumo e tratando isto tudo como problemas ou imprevistos, dado que nada é mais natural do que forças que nos tiram constantemente do rumo. Seria mais rico talvez, buscar apenas o estado atento e relaxado, sabendo que há ventos contra e correntes favoráveis. Mais que isto, sabendo que todos este elementos mudam. Vez por outra, uma tartaruga chegará pra dar alguma alegria, desde estejamos livres e disponíveis para vê-la. Se estivermos tão atentos ao remo a ponto de nem mesmo ver o bicho, estaremos perdendo uma bela injeção de energia que por um momento se fez ali disponível. E, sim, a corrente contraria tem seu momento e é necessária por vezes para que se chegue à hora de usá-la a favor. E é nela que descobrimos nossas forças, aperfeiçoamos nossa técnica. E é ela que torna o alvo ainda mais atraente e o prazer da vitória ainda mais saboroso.

Há duas semanas estivemos navegando com o Projeto Argonautas e levamos um grupo de executivos e profissionais para uma bela travessia de veleiro. Foram dois dias intensos e maravilhosos e a mudança me tocou fortemente. No primeiro dia todos pareciam inconformado pelo fato de termos definido um destino e encontrado a direção exata. Mas na hora de navegar, olhávamos o vento e, em muitos momentos, seguíamos em direções distintas ao nosso destino. Defina o rumo, mas navegue o vento; foi a frase que mais escutaram de nós. Escutaram para no segundo dia, após pernoitar com o barco ancorado no escuro pleno, iluminado somente pelas estrelas; sozinhos, conduzirem uma navegação maravilhosa, cheia de elementos da natureza fazendo o seu papel, e uma tripulação aberta para percebê-los e usá-los a seu favor.

Precisamos estar mais conscientes do legado mecânico em nossos modelos de gestão. Pois somente conscientes poderemos abrir mão dele em maior nível e, aí sim, usar as forças disponíveis para construir uma experiência orgânica e intensa com empresas que irão ainda mais longe, com grande prazer e aprendizagem na jornada. Bons ventos!