Equidade racial e a COP26
A justiça climática surge exatamente a partir da percepção de que os impactos das mudanças atingem de forma diferente grupos sociais distintos
Publicado em 23 de novembro de 2021 às, 19h09.
Por: Lara Martins, ativista e Head de Relacionamentos e Redes do Sistema B Brasil - @alaramartins
No mês em que celebramos a consciência negra, eu, Lara Martins, Head de Relacionamentos e Redes do Sistema B Brasil, ocupo a coluna da Francine Lemos na Exame para falar sobre crise climática na perspectiva de uma jovem liderança negra.
Começamos esse mês de novembro com a COP26 e os olhos do mundo inteiro voltados para a Escócia. Lá, líderes mundiais se uniram em busca de soluções conjuntas para o desafio do clima. Terminado esse evento, no qual estive presente, a pergunta que fica é: será mesmo que estamos desenhando soluções heterogêneas e múltiplas para o futuro do clima e do planeta?
Primeiro de tudo, precisamos ter a real noção de que fazemos parte de um sistema natural. A crise climática afeta todo esse sistema, mesmo que a raça humana insista em se ver como centro dessa questão, esquecendo de olhar ao seu redor. Falta a compreensão de que o ser humano é somente uma das peças dessa enorme engrenagem que é a Terra.
O que estamos fazendo hoje não é mais evitar a crise climática. É buscar soluções colaborativas para frear os seus impactos e tentar reduzir as nossas emissões, contendo assim, o aquecimento global. Já temos casos de temperaturas extremas no inverno e no verão e já sentimos os diversos efeitos que esse fenômeno, causado pelo ser humano, pode trazer para as nossas vidas. Somente neste ano, registramos também incêndios florestais, enchentes e secas severas em diferentes países do mundo, para agravar o cenário desafiador que estamos vivendo em função da pandemia. Basta ver que, no Brasil, grandes inundações afetam gravemente comunidades ribeirinhas no norte do país, enquanto estamos enfrentando uma crise hídrica sem precedentes no centro-sul, que impacta o nosso sistema de geração de energia hidrelétrica, encarece o custo da conta e afeta, principalmente, o bolso dos mais pobres.
Só esses fatores já mostram que não estamos numa posição de igualdade perante à crise e nos traz ao tema desse texto: justiça climática. Qual a relação da crise climática e os vários impactados pelas suas consequências, quem são os considerados socialmente mais vulneráveis? São as pessoas mais pobres, as mulheres, as pessoas negras (os pretos e pardos), que enfrentam condições desfavoráveis há bastante tempo para sobreviverem em uma sociedade tão desigual, que já estão sendo os mais afetados. Isso porque eles não têm acesso a recursos para combater e enfrentar as consequências dos eventos climáticos extremos.
Por fatores históricos e estruturais, as pessoas negras não tiveram acesso a lugares de tomada de decisões. Somos menos presentes nesses espaços — tanto os negros, quanto as mulheres, mas, somos a maioria quando olhamos para as pessoas mais vulneráveis, ambientalmente e socialmente, aos efeitos da crise climática. Na COP26, vimos um forte movimento da sociedade civil de trazer mais vozes diversas para esse discurso. Tínhamos muitas pessoas jovens (que são as que irão lidar com o real impacto do clima no futuro), vimos indígenas, pessoas negras, pessoas periféricas… Porém, nas salas de negociações, a presença de homens mais velhos (e brancos) ainda era significativa.
A justiça climática surge exatamente a partir da percepção de que os impactos das mudanças climáticas atingem de forma e intensidade diferentes grupos sociais distintos. Não parece um tanto quanto injusto que as populações negras ou de países do sul global sejam os grandes afetados por uma situação que não foi provocada por eles — mas pelos países mais ricos, responsáveis pela intensa queima de combustíveis fósseis — não esteja presente numa mesa de decisões para colocarem seus pontos de vista do que pode e deve mudar daqui em diante?
Justamente por buscar trazer para o debate a crise climática dentro de um recorte racial, o Sistema B Brasil lançou neste mês a campanha “O Clima também é Preto!”. Mais do que falar sobre termos como “racismo ambiental” e “justiça climática”, a campanha tem o objetivo de dar mais espaço a essas vozes, aprender e colaborar com nomes nacionais que já vêm abrindo caminhos para essa discussão, como o Instituto Perifa Sustentável (@perifasustentavel), a Coalizão Negra por Direitos (@coalizaonegrapordireitos), a Favela e ODS (@favelaeods), a Perifa Connection (@perifaconnection) e a Greve pelo Clima Brasil (@fridaysforfuturebrasil), entre outros protagonistas da questão socioambiental, nas mídias digitais do Sistema B Brasil (@sistemabbrasil).
Antes disso, em outubro deste ano, o Sistema B Brasil e o Instituto Preta Hub — hub de pesquisa, mapeamento e aceleração do empreendedorismo e consumo negro do Brasil, que pensa a relação com a cultura, a economia e o empreendedorismo —, se uniram para transformar a Rua Oscar Freire, em São Paulo, em uma “Rua B”. O objetivo da ação foi promover diferentes reflexões, por meio de processos criativos e intervenções, sobre consumo consciente em um dos espaços mais privilegiados da capital paulistana.
Para além da representatividade, estamos pedindo para que essas populações tenham ainda mais acesso a conhecimento sobre o tema e ampliar a sua participação em espaços de tomada de decisões em condições para que esse não seja um desejo de futuro unilateral. As pequenas ações individuais ainda são extremamente necessárias, mas, chegamos ao ponto em que precisamos agir coletivamente — governos, empresas, terceiro setor e cidadãos — para garantir a nossa sobrevivência! Ainda acredito que a educação em suas mais amplas aplicações para o Desenvolvimento Sustentável seja a resposta para superarmos a crise climática. Mas, percorrer esse caminho leva tempo e temos urgência. É preciso agir agora!
É por esse movimento que faz tanto sentido o envolvimento das Empresas B: porque elas estão mudando as regras do jogo, movimentando e influenciando as novas economias, como atores relevantes, e trazendo para a real aplicação da pauta ESG – lidando com o social, o ambiental e com o consumo. A partir do momento em que a gente conseguir demonstrar para governos e demais empresas que é possível gerar lucro, mas também gerar impacto positivo no meio ambiente e na sociedade, por meio da operação lucrativa empresarial, vamos conseguir fechar essa conta!
É importante dizer que a voz que ecoa neste artigo não é apenas a minha: fui ouvir minhas companheiras e companheiros, pessoas negras do Sistema B Brasil, para ajudar a desenhar esses caminhos e tomo a liberdade de incluir aqui o que eles me disseram sobre possibilidades de futuro — pois acreditamos que é assim que precisamos trabalhar sempre daqui em diante, juntos. Nós somos a natureza e, se passarmos a nos enxergar como protagonistas desse ecossistema, vamos começar, finalmente, a agir diferente. O planeta clama por uma integração de todos para que ações focadas em cuidar dele trabalhem de forma regenerativa para o futuro que se chama hoje.
Estamos todas e todos de acordo que um dos nossos maiores objetivos, quanto sociedade, é construir um amanhã mais próspero. Para que isso aconteça, obrigatoriamente vamos precisar voltar algumas casas desse jogo, entender o passado e ressignificar a importância e o peso da população negra no Brasil e no mundo para criar um agora mais equitativo — socialmente, ambientalmente e economicamente. O sonho mais ousado dos nossos ancestrais era que estivéssemos vivos e vivas (e também felizes!) no futuro. Futuro esse que foi desenhado para nos apagar e invisibilizar. Hoje, estamos aqui para deixar uma mensagem muito escura: o futuro é feminino e é preto. Logo, o clima também é preto!
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Este artigo foi elaborado com a participação de pessoas negras do Sistema B Brasil— Gabriela Bahia, Comunicação, Conteúdo e Gestão de PR; Lygia Anthero, Comunicação, Digital e UX; e Rodrigo Gaspar, Programas do Sistema B Brasil. “Porque eu sou, porque nós somos”, Ubuntu!