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Perspectivas do projeto de lei em tramitação para clube-empresa no Brasil

"Poucos clubes buscaram alteração para o novo regime empresarial, o que pode ser atribuído ao fato de que se beneficiam de vantagens, como isenções fiscais"

Futebol: 12 clubes entre os 30 mais ricos do mundo são ingleses.  (Lucas Figueiredo/CBF/Agência Brasil)
Futebol: 12 clubes entre os 30 mais ricos do mundo são ingleses. (Lucas Figueiredo/CBF/Agência Brasil)
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Vinicius Lordello — Esporte Executivo

Publicado em 27 de maio de 2021 às, 14h59.

* Por Fernando Drummond

No cenário dos clubes de futebol, logo se associa o amor da torcida pelo time e o calor de um gol. Porém, é fora dos gramados que tem se debatido os novos rumos da grande paixão nacional. Há em tramitação um projeto de Lei que busca a criação do clube-empresa, o qual permite que os clubes possam optar por seu regime jurídico, deixando de serem uma associação e tornando-se empresas. 

Tal projeto busca trazer atualizações há muito tempo pedidas pelas entidades desportivas de futebol e agora tem sua votação prevista para maio. Essas novidades incluem desde a criação de regras tributárias especiais e a renegociação de dívidas até a possibilidade de recuperação judicial.  

Em meio a muitos outros projetos que já circularam, o mais próximo de avançar é o Projeto de Lei nº 5.516/19, de redação do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e de relatoria do senador Carlos Portilho. O texto aprovado não cria uma obrigação aos clubes para aderirem ao modelo empresarial. Na realidade, o projeto busca seduzir os clubes a se adequarem às novas demandas e solucionar problemas crônicos, como a falta de transparência e as dívidas cada vez maiores com a União e credores. 

Atualmente prevalece o modelo associativo. Esse formato decorre dos primeiros dispositivos legais que trataram da demanda da década de 40, que impediam as entidades desportivas de terem fins lucrativos. O assunto clube-empresa é discutido no Brasil desde o fim da década de 1990 e encontra agora um amparo mais concreto para que possa ser aplicado. 

No demorado processo de renovação dos clubes, somente em 1993 com a edição da Lei nº 8.672, conhecida como Lei Zico, permitiu a possibilidade das entidades desportivas terem fins lucrativos, criando a primeira abertura para que os clubes pudessem se tornar empresas - embora, na prática, o modelo não tenha sido adotado no Brasil até hoje. 

A maioria das entidades desportivas ainda atuam como associações sem fins lucrativos e ainda são administradas por diretores e conselheiros. Isso significa que não há um dono, embora exista a figura do presidente. Mesmo que algumas alterações legislativas já tenham possibilitado aos clubes associativos se transformarem em clubes empresas, poucos no Brasil buscaram a alteração para o novo regime empresarial, o que pode ser atribuído ao fato de que os clubes se beneficiam de vantagens, como isenções fiscais. Os inúmeros projetos que estão em trâmite, inclusive o Projeto de Lei nº 5.516/19 é o mais próximo de avançar , buscam a modernização das entidades do futebol, mirando nos mecanismos necessários para melhorar a gestão dessas entidades e trazer mais eficiência e transparência.  

Porém, há diferenças entre projetos anteriores e este, tais como, por exemplo, o Projeto de Lei nº 5.082/16, de autoria do ex-deputado Otavio Leite (RJ) e do deputado Domingos Sávio (PSDB-MG). A principal delas é que o último texto criava contrapartidas em termos de negociação de dívidas, opção de recuperação judicial e simplificação do sistema judicial, tendo como intuito, em um segundo momento, partir para outro nível de regulação. Esse outro projeto propunha a criação de um marco regulatório para suprir a necessidade de segurança jurídica aos investidores e após tal adequação, possa ser aplicada a adoção ao novo tipo societário. 

Nesse contexto, incentivaria os clubes a adotarem identidades jurídicas conhecidas no mercado, como a sociedade anônima (S/A) e a limitada (Ltda). Dessa forma, os clubes que optarem pelo modelo S/A poderão se inscrever na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e, uma vez cumpridas as exigências legais, poderão obter o título de capital aberto e fazer emissão de ações na bolsa (IPO). 

Isso significa que os clubes-empresas poderiam abrir seu capital na bolsa de valores e captar investidores, ampliando suas fontes de renda para contratar jogadores de reforço para a nova temporada, melhorar a liquidez do caixa e lançar mão de equipamentos de treino de alta performance. 

Já o texto originado no Senado, do senador Pacheco, que é o mais próximo de avançar, com votação no Senado prevista ainda para maio, busca criar uma estrutura societária específica, a Sociedade Anônima do Futebol. O projeto prevê a criação de um modelo específico, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), ao gerar um controle acionário composto por duas ações ordinárias, A e B. Isso significa que os clubes-empresas poderão ter donos ou sócios investidores. O modelo associativo no qual o clube não tem um dono dá lugar a um modelo em que há um representante dono que dita o ritmo a ser seguido, mudando o esquema de gestão dos times atuais. 

Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 5.516/19 visa oferecer um novo modelo de normas de governança, controle e transparência próprias. Essa nova proposta de escalação modifica o tipo de jogo ao permitir, por exemplo, que os clubes tenham um foco maior em competições profissionais ao gerar novos meios de financiamento e estabelecer um regime especial de apuração de tributos federais para essas entidades. 

O fato é que desde a década de 90 muita bola já rolou e que ainda há muita bola para rolar. O mais importante é esperar que essas mudanças venham para agregar ainda mais ao futebol como paixão nacional.

*Fernando Drummond, sócio, VP e COO do Escritório Marcelo Tostes