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OTT e Apostas: o “Black Mirror” das transmissões de esporte

Como estas duas tendências vão alterar definitivamente a maneira como consumimos esportes ao vivo. E ainda tem o blockchain...

Black Mirror: realidade ainda está longe da ficção científica (Black Mirror/Reprodução)
Black Mirror: realidade ainda está longe da ficção científica (Black Mirror/Reprodução)
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Vinicius Lordello — Esporte Executivo

Publicado em 27 de julho de 2019 às, 07h05.

Última atualização em 28 de julho de 2019 às, 14h47.

*Por Bruno Maia

O OTT e as apostas em torno de eventos ao vivo serão irmãs siamesas, diretamente conectadas, e se você trabalha com entretenimento já deveria estar atento. Apoiadas no block chain, elas vão mudar o esporte na próxima década.

Chama a atenção que a expressão “OTT” seja pronunciada sem tanto aprofundamento quanto deva ter por quem trabalha no mercado. Para quem a sigla ainda é nova, grosso modo, estamos falando de um modelo de negócio que liga as duas principais pontas de uma cadeia de transmissão de direitos esportivos, até então longa e cheia de players.

No OTT , ela está reduzida ao consumidor e o dono do conteúdo - que pode ser alguém que comprou o direito de explorá-lo (como a Globo o faz no Campeonato Brasileiro, a DAZN com diversas ligas) ou o próprio criador (como a NBA e NFL, que se tornaram broadcaster de si mesmas).

Operadora, Tv a cabo, satélite, ficarão pelo caminho do OTT e a transmissão será exclusivamente por dados, especialmente se conseguirmos manter a necessária neutralidade da internet.

Com esta transmissão totalmente digital dos dados, abre-se um campo infinito para interações hiperlinkadas com outros tipos de atividade de segunda tela, seja através da audiência de plataformas como as redes sociais, seja pelo consumo de fantasy games ou outras atividades.

Os fantasies, por sinal, estão fazendo a introdução da grande mudança na audiência. Estamos saindo da experiência passiva para a mista, nos engajando com mais momentos durante uma transmissão.

Para ajudar na percepção de como isso muda tudo, tradicionalmente, durante uma transmissão de futebol, pergunto: o que a audiência comemora? Basicamente, os gols - o grande momento do futebol, já diria aquele saudoso programa da Band. Na transmissão do futuro, também comemoraremos os dados. Pense em como alguém que participa, por exemplo, do CARTOLA F.C, tem quantidade de variáveis muito maiores para gerar comemoração ou lástima ao longo de uma transmissão: se o jogador levou ou não cartão amarelo, ganha-se pontos, assim como ao estipular se e a jogadora correu tantos quilomêtros, ou prever quem acertou mais passes… As estatística são os novos motivos de celebração e não só o gol do seu time de coração.

Além disso, já há observações sobre como as estatísticas são capazes de colaborar na retenção do consumidor por mais tempo ao longo da transmissão e também iniciar novos adeptos a uma modalidade.

E é aí que a coisa tende a acelerar, com o cruzamento dessa nova era de estatísticas associadas ao entretenimento, mais o reforço da linguagem gamificada, permitindo a audiência cada vez mais interação e benefícios ao longo da experiência de acompanhar um evento ao vivo.

Há quem ache que o resultado do jogo em si pode até ir para segundo plano - não estou entre esses. Mas, sem dúvidas, as gerações de consumidores futuras - pra pegar leve, sem falar de muita gente da que já está aí - vão viver uma nova lógica customizada dentro da experiência de acompanhamento de eventos ao vivo, sobretudo esportes. Tudo terá mais graça com as estatísticas acopladas estimulando a endorfina em cada um de nós.

Nesse ponto voltamos ao início do texto e a força do OTT como modelo de transmissão customizável para cada usuário, que poderá viver o entretenimento ao vivo com os dados que quiser às mãos, gerando todo o tipo de interação possível, e tendo acesso a ferramentas para competir (ou só apostar) em grupo a respeito disso tudo. E não pense que as apostas estão associadas ao resultado esportivo. Isso é só uma pequena parte. Elas estão cada vez mais ligadas à experiência de acompanhar o evento ao vivo e se tornam importantes elementos, tais quais as estatísticas, pra retenção de audiência.

Recentemente um amigo testemunhava como conseguiu convencer a namorada a assistir o Superbowl com ele, sem reclamar e ainda engajada: convidou-a para uma aposta de R$ 5 em um site, em que a quantidade de vezes que Gisele Bündchen seria enquadrada pela transmissão era motivo de aposta. A menina ficou ligada o jogo inteiro, esperando as aparições da modelo, e em uma experiência particular durante todo aquele super evento. Pra ela, Tom Brady era detalhe, o que importava era Gisele.

Um universo muito possante se aproxima, até porque estamos falando de indústrias já fortemente capitalizadas e estruturadas, prontas para agir e potencializar as tecnologias nesta direção. Por ora, este texto não está incluindo o quanto o block chain e a nova lógica de fluxo de capital também ajuda nisso, trazendo transparência e controle para acelerar todas essas frente. O potencial de geração de renda existente neste novo modelo irá carregar a indústria nos próximos anos.

É fácil prever a criação de joint ventures entre grupos de apostas e empresas de broadcast e ligas esportivas. Mais do que o exercício “Black Mirror” da experiência de acompanhar esportes ao vivo, essa rápida reflexão quer convidar a pensarmos que todas essas cartas de um suposto “futurismo” já estão postas na mesa.

A questão é quanto tempo levará pra que elas encontrem esse novo arranjo e não acredito que demore. O desafio da nossa geração de profissionais é que precisamos entender o novo esporte com a cabeça que temos, de quem cresceu no modelo antigo e não é nativo desta nova realidade. Não é fácil criar essa antevisão e se aprofundar em oportunidades e conflitos. Exigirá dos profissionais de comunicação e negócios, um exercício profundo e dedicado. O tempo não vai esperar nenhum de nós pra impor suas mudanças, mas tende a ser generoso com quem ajudá-lo a fazê-las mais rápidas.

* Bruno Maia comanda a Agência de conteúdo 14, no Rio de Janeiro e, atualmente, é vice-presidente de Marketing do Vasco da Gama.