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O sonho olímpico do Cricket no Brasil

Uma conversa com um gestor e uma atleta para entender o retrato atual da modalidade no país

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Vinicius Lordello — Esporte Executivo

Publicado em 28 de setembro de 2020 às, 07h06.

Há pouco mais de cem anos, o cricket já foi considerado um esporte olímpico. Os jogos de 1900, realizados em Paris, foram os únicos a contemplar o cricket. E como já é de costume das Olimpíadas, frequentemente as modalidades são revistas, adicionadas ou retiradas dos eventos, de forma a melhor representarem a diversidade de atividades praticadas ao redor do mundo, o cricket acabou saindo do rol olímpico em poucos anos.

Mas essa decisão em nada afetou a popularidade do cricket nas nações em que o esporte já faz parte da cultura local, como o Reino Unido, Índia, Paquistão e Austrália, por exemplo. Conhecido por ser um elemento importante de integração social, trabalho em equipe e senso de responsabilidade, o cricket foi praticado no Brasil nos séculos anteriores, com a chegada de imigrantes europeus no século XIX. Porém, acabou perdendo o espaço para o futebol.

Em 2001, foi fundada a Associação Brasileira de Críquete (ABC), associada do Conselho Internacional de Cricket

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(ICC), marcando uma guinada em prol do esporte no país. Mais recentemente, em 2015, fincou raízes no Brasil através da criação do projeto Cricket Brasil em Poços de Caldas (MG). O objetivo é, desde 2011, levar o esporte para escolas públicas e projetos sociais infantis, permitindo uma melhor integração social e desenvolvimento para crianças e adolescentes.

De volta às Olimpíadas

O processo de trazer o cricket de volta aos Jogos Olímpicos está em andamento há alguns anos. Essa inclusão deve ser votada pela diretoria do ICC, pois o esporte já é reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional. Após essa primeira aprovação, todos os países associados ao ICC devem se adequar aos Requerimentos do Comitê Olímpico, por exemplo: todos devem ser estruturados nacionalmente como órgão representante do esporte no próprio país, tornando-se Confederações ao invés de Associações.

Mesmo com esta aprovação, não haveria tempo hábil para resolver os trâmites burocráticos a tempo de participar das Olimpíadas de 2024 em Paris. Neste cenário, os jogos de Los Angeles, em 2028, parecem mais próximos da realidade.

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Enquanto isso, o cricket brasileiro já faz parte do Campeonato Sul-Americano da modalidade e dos Commonwealth Games, que têm condições e estrutura parecidos com os Jogos Pan Americanos. O esporte também fará parte do calendário oficial do Pan quando for aprovado para as olimpíadas, uma vez que ambos exigem as mesmas estruturas. O Brasil já possui seleção feminina e masculina preparadas para disputar uma vaga nestas competições.

Contudo, por mais que os representantes brasileiros foquem no desenvolvimento de equipes da modalidade através do projeto, também é preciso oferecer centros para a prática do esporte nos mais diferentes níveis. Com o apoio financeiro, será possível levar o cricket para mais cidades Brasil dentro, com investimento em infraestrutura, bons equipamentos, professores, jogos e logística para competições.

O Esporte Executivo conversou com Matthew Featherstone, diretor do projeto Cricket Poços de Caldas e com Roberta Moretti, capitã do time de Cricket feminino do Brasil para entender o contexto da modalidade: 

Como é trabalhar uma modalidade que é nova no país em um contexto esportivo em que o futebol chama para si muitos dos holofotes?

Roberta Moretti: O Brasil tem uma situação distinta em esportes. Para um país de 200 milhões de habitantes, somos muito pobres em diversidade esportiva. Isso faz com que o futebol seja um grande centro de atenções, sem muitos concorrentes. Isso também reflete nas Olimpíadas - um país com todo nosso potencial de atletas deveria estar sempre batalhando por um número incrível de medalhas, mas ainda não é nossa realidade.

Isso vem desde a estrutura esportiva infantil e juvenil - nas aulas de educação física de grande parte das escolas, nós temos o futebol, as vezes vôlei, handebol, basquete, atletismo. Mas vemos que a estrutura nem sempre está ali: a quadra pode não ter redes, a iniciação do basquete é em cestas altíssimas para crianças, as bolas nem sempre são adequadas... Em quantas escolas não temos o básico de equipamentos para a educação pré-esportiva?

Levando o cricket para as escolas, a realidade muda, pois levamos os equipamentos adequados para a idade, professores qualificados e projeção de crescimento se a criança gostar do esporte. Isso faz uma grande diferença e nos dá muito potencial de expansão.

O olhar para a prática esportiva nas escolas é um acerto. Como tem sido a receptividade das escolas? 

Matthew Featherstone: A receptividade nas escolas é ótima. Temos bom relacionamento com todas as escolas que ensinamos o cricket, e hoje, na nossa região, as próprias escolas entram com contato conosco para ter o cricket nas aulas de educação física, principalmente porque o cricket já está bastante conhecido na nossa cidade. No início do projeto, nós tínhamos que apresentar o cricket e poderia gerar uma certa dúvida quando não conheciam o esporte, mas hoje a realidade é de muita abertura pelas escolas e alunos.

Vocês se espelham no crescimento que o Rugby conquistou no Brasil recentemente? 

Roberta Moretti: Com certeza. Há 10 anos, o rugby tinha poucos praticantes e pouquíssimos clubes no país - hoje eles são um esporte olímpico, potência, com orçamento substancial. E o rugby não é um esporte tradicional brasileiro, então olhamos para o crescimento deles como um grande aprendizado e inspiração. 

Qual a projeção para todos os países associados ao ICC se adequarem aos Requerimentos do Comitê Olímpico no Brasil? 

Matthew Featherstone: O Cricket Brasil está na fase final de adequação aos requerimentos do Comitê Olímpico e finalizaremos as documentações necessárias em janeiro/2021. Nas Américas, outros países estão fazendo as mesmas adequações em preparações para as Olimpíadas, assim como os outros continentes. 

Ser atleta no Brasil já é difícil. Como trabalhar por si e pela modalidade em um país que não tem como histórico apoiar o desenvolvimento do esporte?

Roberta Moretti: A cada ano, parece que a ajuda governamental melhora um pouco, mas ainda pode melhorar muito. O esporte não é o foco principal dos investimentos e deveria ser. A prática esportiva e desenvolvimento motor deveriam ser estratégias para a melhoria da saúde da população desde a fase infantil escolar. Uma criança que pratica atividades regulares tem menos chance de ser um adulto sedentário e com problemas de saúde.

Além disso, o atleta ainda não tem muitas oportunidades no país, principalmente no esporte feminino. São poucos os esportes estruturados para desenvolvimento e depois alto rendimento que permitam que você trabalhe com isso. Falta investimento, profissionais capacitados para ensino e estruturas para treino e competições. Precisamos trabalhar desde a base, nas escolas, investimentos em professores, criar um caminho de desenvolvimento para os atletas, feminino e masculino, e apoiar esse crescimento em todas essas áreas. Estamos vendo os resultados com esse pequeno apoio no cricket e tenho certeza de que os benefícios irão crescer com mais investimentos.

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