Futebol brasileiro: O teto e o poço
Como as coisas estavam, como serão após a pandemia e o que pode ser feito para a volta do melhor futebol do Mundo
Vinicius Lordello
Publicado em 23 de abril de 2020 às 07h48.
Última atualização em 23 de abril de 2020 às 07h48.
* Por José Francisco C. Manssur
Muito antes da pandemia, a capacidade de obter receitas dos grandes clubes de futebol do Brasil – aqueles que concentram o maior número de torcedores - já estava próxima do teto. Considerado o modelo associativo atual, não há perspectivas de crescimento relevante para os próximos anos. A pandemia precipitou o esgotamento da capacidade de obtenção de novas receitas pelos clubes brasileiros, que já estava próximo mesmo antes dela, em face da forma de organização dos nossos times. A análise individualizada da situação atual de cada uma das receitas principais dos maiores clubes brasileiros, conforme reproduzida abaixo, traz clareza a essa afirmação.
A venda dos direitos de transmissão dos jogos representa a maior fonte de receita para os clubes grandes. Sem dúvida, há uma lógica econômica que embasa as propostas formuladas pelas empresas de mídia para compra de tais direitos. As ofertas são feitas em proporção com o que o mercado está disposto a pagar para veicular suas marcas antes, nos intervalos, durante e depois dos jogos. O mercado, de seu turno, paga de acordo com o número de pessoas – audiência – que irá assistir o evento. Audiência se dá pela qualidade do evento, pela importância de determinado jogo, pela presença dos grandes ídolos do esporte naquela partida.
O fator concorrência, fundamental para quantificação das ofertas de compra dos direitos de TV, influenciou no aumento dos valores pagos, possivelmente com alguma – mesmo que pouca - dissonância com relação ao efetivo retorno obtido com venda de cotas de publicidade. Assim, é possível concluir que nas próximas renovações, com base na cadeia econômica acima mencionada, não se deve ter expectativa relevante de aumento nos valores oferecidos aos clubes.
Sobre as receitas de patrocínios e publicidade, hoje as empresas já conseguem quantificar em valores o retorno da exposição de suas marcas nos uniformes - e outras propriedades - dos clubes. Portanto, no estágio atual, essas receitas já estavam próximas do máximo a ser pago, salvo exceções. Com a crise, a experiência anterior nos mostram desde antes da pandemia, as primeiras vítimas dos cortes são os orçamentos destinados às ações de marketing, como o patrocínio de equipes esportivas. Com efeito, não há, infelizmente, nada que indique que os clubes terão aumento nas receitas de patrocínio nos próximos anos, muito pelo contrário.
Os valores obtidos com receitas e bilheteria e ações do clube social – este último, para os clubes que tem a parte social ativa – também são absolutamente sensíveis às crises e seus reflexos nas finanças pessoais. Existe um balanço elástico entre o interesse no jogo específico, as condições de segurança e conforto para ir ao estádio – considerando que quanto mais confortáveis as arenas, mais caro é o ingresso – e quanto o torcedor tem no “bolso” para comprar um ingresso de futebol – ou para pagar a mensalidade dos clubes sociais.
As receitas de bilheteria do futebol brasileiro já eram pequenas em relação ao todo, se comparadas com outros centros importantes do futebol no mundo, antes da pandemia. O distanciamento social e todos os efeitos gravíssimos do momento que estamos passando tende a agravar o quadro.
Posto isso, é sabido que a maioria dos nossos clubes são absolutamente dependentes dos valores das transferências dos atletas para “fechar o ano”, ou seja, fazer frente às despesas no período. O mercado de transferências de atletas brasileiros pelo Mundo já vinha sofrendo mudanças importantes nos últimos anos e agora parece as modificações serão ainda mais impactantes.
Em tempos de reprises de grandes jogos na TV, vale mencionar que em 1983, quando foram jogar na Itália, os gênios Zico e Sócrates tinham 30 anos. Cerezo tinha 28. Falcão, já tinha ido em 1980, com 27 anos. Hoje, as grandes propostas de transferência de jogadores brasileiros são feitas aos atletas entre 18 e 20 anos, no máximo.
Os grandes clubes da Europa dificilmente contratam, e pagam os maiores valores, em jogadores brasileiros mais velhos. Rodrigo do Santos, Vinícius Jr. e Lucas Paquetá do Flamengo, Gabriel Jesus do Palmeiras, Antony e Deivid Neres do São Paulo e Paulinho do Vasco confirmam tal constatação. Certamente, haverá espaço para jogadores de outras idades e níveis técnicos nos mercados secundários – mundo Árabe e Oriente – mas dificilmente essas “vendas” isoladamente irão causar o impacto para os cofres dos clubes que a transferência de um jovem para um grande europeu representaria.
Ou seja, os clubes brasileiros, para fecharem a conta, devem revelar e vender jogadores cada vez mais jovens, sem tempo para dar qualquer retorno técnico ao investimento feito nas categorias de base e sem criar vínculo afetivo com seus torcedores. Sobre esse aspecto, muito interessante estudo produzido pela consultoria Roland Berger que aponta que, apesar da relevância essencial das receitas com a transferências de atletas jovens, os clubes investem muito menos do que deveriam em suas categorias de base.
Trata-se, portanto, de uma “loteria”, na qual os clubes endividados apostam, sem investir o suficiente, todas as fichas no surgimento de um jovem adolescente que será transferido e salvará as finanças combalidas naquele ano, para que tudo isso aconteça exatamente assim, de novo, no ano seguinte...
E o pior ainda pode estar por vir.
Em matéria publicada hoje – 17 de abril de 2020 – com o título “ Pandemia de coronavírus pode mudar mercado do futebol mundial ” especialistas com experiência no mercado de atletas de futebol, apontam para retração nos valores obtidos com as transferências.
Se o futebol brasileiro já estava perto de bater no teto com sua capacidade de receitas antes da pandemia, parece seguir rumo ao poço diante da grave crise mundial. Dourar a pílula só serve para acelerar e ampliar os efeitos da crise.
A mudança estrutural que já se justificava, e muito, antes da pandemia, se torna imperativa agora.
Os clubes precisam mudar a forma societária para buscar receitas novas. A forma associativa, que remonta ao início do século XX, com a escolha dos dirigentes por processos políticos esgotou-se. É a causa principal das dificuldades financeiras que já eram ruins e tendem a piorar, conforme tudo que foi dito acima.
É preciso mudar de clube-associação para clube-empresa, para permitir que novos investidores encontrem ambiente seguro para aportar dinheiro novo em nossos clubes.
Esses novos investidores não precisam, necessariamente, “comprar” nossos clubes, como alardeiam alguns, especialmente os interessados na manutenção do status quo. Mesmo que assim seja, esses novos investidores não poderão, jamais, deixar de lado a camisa, as cores, as tradições que representam o vínculo afetivo entre o torcedor e o clube, senão perderão todo o dinheiro investido. O futebol vende emoção e o vínculo afetivo do torcedor é o ativo principal do negócio.
Isso sim, o investidor deverá apenas exigir que os nossos clubes adotem uma forma de gestão que demonstre, na “ponta do lápis”, que investir dinheiro num grande clube de futebol do Brasil poderá render retorno maior ao investimento do que uma aplicação em banco. Basta isso e o dinheiro virá.
Para que aconteça, então, a gestão do clube que pretender receber investimentos deverá adotar os melhores e mais modernos padrões de governança. É óbvio que o investidor irá exigir tais padrões antes de realizar o investimento. Mas, no final do dia, um clube melhor gerido não dará mais alegrias ao seu torcedor?
E, no final do caminho virtuoso, estaremos todos nós, não só os grandes investidores. Hoje há centenas de milhares de pessoas que investem na bolsa de valores sem sair de casa, utilizando plataformas que estão disponíveis na tela do seu celular. O mercado está hoje aberto para pessoas que não tinha acesso num passado recente. Pessoas que investem R$ 10 ou 20 mil reais na bolsa em busca de um retorno que complemente ou que faça seus rendimentos mensais. Os valores investidos por todo esse pessoal, somado, chega a números que são mencionados em TRILHÃO (isso mesmo, você leu bem) de reais.
Esses pequenos investidores – apelidados de “sardinhas” pelos “tubarões” – juntos aportam valores astronômicos, investem em ações de empresas de siderurgia, captação de energia, papel e celulose, setores produtivos que desconhecem, mas que lhes são aconselhados por sites especializados. Imagina se estiver diante de uma atividade que todo brasileiro acredita conhecer a fundo, como o futebol, com retorno comprovado mês a mês?
Essa é a mudança de que o futebol brasileiro precisa. E pode ser imposta pelo amor do torcedor pelo seu clube, para desespero daqueles que acreditam que o clube-empresa é antagônico ao amor do torcedor. Muito pelo contrário. Será o amor de milhões de torcedores que pressionará pela mudança essencial e necessária. O amor de centenas de milhões de torcedores exigirá de todos nós que encontremos soluções e saídas para sobrevivência dos nossos grandes clubes.
E assim, o futebol brasileiro vai fugir do poço, furar o teto, vencer a crise e voltar a ter a importância que já teve e que parece não mais acreditar que ainda pode ter.
* Manssur é advogado e co-autor dos livros Futebol Mercado e Estado e Sociedade Anônima do Futebol
* Por José Francisco C. Manssur
Muito antes da pandemia, a capacidade de obter receitas dos grandes clubes de futebol do Brasil – aqueles que concentram o maior número de torcedores - já estava próxima do teto. Considerado o modelo associativo atual, não há perspectivas de crescimento relevante para os próximos anos. A pandemia precipitou o esgotamento da capacidade de obtenção de novas receitas pelos clubes brasileiros, que já estava próximo mesmo antes dela, em face da forma de organização dos nossos times. A análise individualizada da situação atual de cada uma das receitas principais dos maiores clubes brasileiros, conforme reproduzida abaixo, traz clareza a essa afirmação.
A venda dos direitos de transmissão dos jogos representa a maior fonte de receita para os clubes grandes. Sem dúvida, há uma lógica econômica que embasa as propostas formuladas pelas empresas de mídia para compra de tais direitos. As ofertas são feitas em proporção com o que o mercado está disposto a pagar para veicular suas marcas antes, nos intervalos, durante e depois dos jogos. O mercado, de seu turno, paga de acordo com o número de pessoas – audiência – que irá assistir o evento. Audiência se dá pela qualidade do evento, pela importância de determinado jogo, pela presença dos grandes ídolos do esporte naquela partida.
O fator concorrência, fundamental para quantificação das ofertas de compra dos direitos de TV, influenciou no aumento dos valores pagos, possivelmente com alguma – mesmo que pouca - dissonância com relação ao efetivo retorno obtido com venda de cotas de publicidade. Assim, é possível concluir que nas próximas renovações, com base na cadeia econômica acima mencionada, não se deve ter expectativa relevante de aumento nos valores oferecidos aos clubes.
Sobre as receitas de patrocínios e publicidade, hoje as empresas já conseguem quantificar em valores o retorno da exposição de suas marcas nos uniformes - e outras propriedades - dos clubes. Portanto, no estágio atual, essas receitas já estavam próximas do máximo a ser pago, salvo exceções. Com a crise, a experiência anterior nos mostram desde antes da pandemia, as primeiras vítimas dos cortes são os orçamentos destinados às ações de marketing, como o patrocínio de equipes esportivas. Com efeito, não há, infelizmente, nada que indique que os clubes terão aumento nas receitas de patrocínio nos próximos anos, muito pelo contrário.
Os valores obtidos com receitas e bilheteria e ações do clube social – este último, para os clubes que tem a parte social ativa – também são absolutamente sensíveis às crises e seus reflexos nas finanças pessoais. Existe um balanço elástico entre o interesse no jogo específico, as condições de segurança e conforto para ir ao estádio – considerando que quanto mais confortáveis as arenas, mais caro é o ingresso – e quanto o torcedor tem no “bolso” para comprar um ingresso de futebol – ou para pagar a mensalidade dos clubes sociais.
As receitas de bilheteria do futebol brasileiro já eram pequenas em relação ao todo, se comparadas com outros centros importantes do futebol no mundo, antes da pandemia. O distanciamento social e todos os efeitos gravíssimos do momento que estamos passando tende a agravar o quadro.
Posto isso, é sabido que a maioria dos nossos clubes são absolutamente dependentes dos valores das transferências dos atletas para “fechar o ano”, ou seja, fazer frente às despesas no período. O mercado de transferências de atletas brasileiros pelo Mundo já vinha sofrendo mudanças importantes nos últimos anos e agora parece as modificações serão ainda mais impactantes.
Em tempos de reprises de grandes jogos na TV, vale mencionar que em 1983, quando foram jogar na Itália, os gênios Zico e Sócrates tinham 30 anos. Cerezo tinha 28. Falcão, já tinha ido em 1980, com 27 anos. Hoje, as grandes propostas de transferência de jogadores brasileiros são feitas aos atletas entre 18 e 20 anos, no máximo.
Os grandes clubes da Europa dificilmente contratam, e pagam os maiores valores, em jogadores brasileiros mais velhos. Rodrigo do Santos, Vinícius Jr. e Lucas Paquetá do Flamengo, Gabriel Jesus do Palmeiras, Antony e Deivid Neres do São Paulo e Paulinho do Vasco confirmam tal constatação. Certamente, haverá espaço para jogadores de outras idades e níveis técnicos nos mercados secundários – mundo Árabe e Oriente – mas dificilmente essas “vendas” isoladamente irão causar o impacto para os cofres dos clubes que a transferência de um jovem para um grande europeu representaria.
Ou seja, os clubes brasileiros, para fecharem a conta, devem revelar e vender jogadores cada vez mais jovens, sem tempo para dar qualquer retorno técnico ao investimento feito nas categorias de base e sem criar vínculo afetivo com seus torcedores. Sobre esse aspecto, muito interessante estudo produzido pela consultoria Roland Berger que aponta que, apesar da relevância essencial das receitas com a transferências de atletas jovens, os clubes investem muito menos do que deveriam em suas categorias de base.
Trata-se, portanto, de uma “loteria”, na qual os clubes endividados apostam, sem investir o suficiente, todas as fichas no surgimento de um jovem adolescente que será transferido e salvará as finanças combalidas naquele ano, para que tudo isso aconteça exatamente assim, de novo, no ano seguinte...
E o pior ainda pode estar por vir.
Em matéria publicada hoje – 17 de abril de 2020 – com o título “ Pandemia de coronavírus pode mudar mercado do futebol mundial ” especialistas com experiência no mercado de atletas de futebol, apontam para retração nos valores obtidos com as transferências.
Se o futebol brasileiro já estava perto de bater no teto com sua capacidade de receitas antes da pandemia, parece seguir rumo ao poço diante da grave crise mundial. Dourar a pílula só serve para acelerar e ampliar os efeitos da crise.
A mudança estrutural que já se justificava, e muito, antes da pandemia, se torna imperativa agora.
Os clubes precisam mudar a forma societária para buscar receitas novas. A forma associativa, que remonta ao início do século XX, com a escolha dos dirigentes por processos políticos esgotou-se. É a causa principal das dificuldades financeiras que já eram ruins e tendem a piorar, conforme tudo que foi dito acima.
É preciso mudar de clube-associação para clube-empresa, para permitir que novos investidores encontrem ambiente seguro para aportar dinheiro novo em nossos clubes.
Esses novos investidores não precisam, necessariamente, “comprar” nossos clubes, como alardeiam alguns, especialmente os interessados na manutenção do status quo. Mesmo que assim seja, esses novos investidores não poderão, jamais, deixar de lado a camisa, as cores, as tradições que representam o vínculo afetivo entre o torcedor e o clube, senão perderão todo o dinheiro investido. O futebol vende emoção e o vínculo afetivo do torcedor é o ativo principal do negócio.
Isso sim, o investidor deverá apenas exigir que os nossos clubes adotem uma forma de gestão que demonstre, na “ponta do lápis”, que investir dinheiro num grande clube de futebol do Brasil poderá render retorno maior ao investimento do que uma aplicação em banco. Basta isso e o dinheiro virá.
Para que aconteça, então, a gestão do clube que pretender receber investimentos deverá adotar os melhores e mais modernos padrões de governança. É óbvio que o investidor irá exigir tais padrões antes de realizar o investimento. Mas, no final do dia, um clube melhor gerido não dará mais alegrias ao seu torcedor?
E, no final do caminho virtuoso, estaremos todos nós, não só os grandes investidores. Hoje há centenas de milhares de pessoas que investem na bolsa de valores sem sair de casa, utilizando plataformas que estão disponíveis na tela do seu celular. O mercado está hoje aberto para pessoas que não tinha acesso num passado recente. Pessoas que investem R$ 10 ou 20 mil reais na bolsa em busca de um retorno que complemente ou que faça seus rendimentos mensais. Os valores investidos por todo esse pessoal, somado, chega a números que são mencionados em TRILHÃO (isso mesmo, você leu bem) de reais.
Esses pequenos investidores – apelidados de “sardinhas” pelos “tubarões” – juntos aportam valores astronômicos, investem em ações de empresas de siderurgia, captação de energia, papel e celulose, setores produtivos que desconhecem, mas que lhes são aconselhados por sites especializados. Imagina se estiver diante de uma atividade que todo brasileiro acredita conhecer a fundo, como o futebol, com retorno comprovado mês a mês?
Essa é a mudança de que o futebol brasileiro precisa. E pode ser imposta pelo amor do torcedor pelo seu clube, para desespero daqueles que acreditam que o clube-empresa é antagônico ao amor do torcedor. Muito pelo contrário. Será o amor de milhões de torcedores que pressionará pela mudança essencial e necessária. O amor de centenas de milhões de torcedores exigirá de todos nós que encontremos soluções e saídas para sobrevivência dos nossos grandes clubes.
E assim, o futebol brasileiro vai fugir do poço, furar o teto, vencer a crise e voltar a ter a importância que já teve e que parece não mais acreditar que ainda pode ter.
* Manssur é advogado e co-autor dos livros Futebol Mercado e Estado e Sociedade Anônima do Futebol