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Entrevista exclusiva com Marcelo Paz, presidente do Fortaleza

O dirigente aponta caminhos para o equilíbrio administrativo, menciona a relevância de Rogério Ceni para o crescimento atual e projeta futuro com serenidade

 (Divulgação/Divulgação)
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Vinicius Lordello — Esporte Executivo

Publicado em 4 de outubro de 2019 às, 07h20.

Última atualização em 4 de outubro de 2019 às, 07h20.

O futebol brasileiro, atualmente, é tomado por elogios ao que o Flamengo fez nos últimos anos, austero, para chegar administrativamente onde chegou. Os elogios são merecidos e o caminho de organizar a vida financeira de um clube nem sempre é popular aos torcedores. Por isso, sempre que possível, fazemos questão enaltecer quem leva esse trabalho a sério. O Fortaleza tem dados largos passos nesse sentido.

O Nordeste não tem o direito de não ser protagonista na modalidade mais popular do país. E o Fortaleza vem, com louvor, fazendo usa parte. Conversamos com Marcelo Paz, presidente do clube, sobre a boa fase vivida pelo Fortaleza além das quatro linhas.

O Fortaleza tem se apresentado como importante parâmetro de administração ajustada. Qual foi a grande mudança trazida por sua gestão?

A profissionalização do clube, em que a diretoria passou a ser remunerada. Passamos a estabelecer metas por uma consultaria contratada, com visão empresarial, para determinar resultados em diversas áreas de atuação. Independente da bola ‘entrar’, os diversos segmentos do clube têm que estar trabalhando e gerando resultados. A busca por novas receitas, através do torcedor, é outro ponto a ser destacado. O torcedor como ponto central, entendendo que o interior do estado também tem consumo. Fomos atrás de novos modelos para o sócio-torcedor do clube, de produtos oficiais licenciados, camisas, trabalhamos na distribuição desse material para os pontos de venda. Foram muitas atitudes, mas esses fatores que citei devem ser destacados.

O clube não tem condições de competir financeiramente com outros com as maiores receitas do futebol. Como é passar ao torcedor essas limitações, inclusive competitivas, e que em nada diminui a história do Fortaleza? Como explicar que não é demérito, nesse momento, ter como primeira disputa se manter na primeira divisão?

Temos que trabalhar com a verdade, desde o começo deixar claro nossos objetivos, para não gerar falsas expectativas, como também mostrar nossos números previstos para o orçamento. Não podemos iludir o torcedor, e nem vender uma falsa ideia. A transparência é um caminho que pode mostrar aonde podemos chegar, e com a gestão, buscar evoluir ano após ano para alcançar um patamar elevado.

Há uma indústria no futebol que estimula a desgovernança financeira. A maior pressão para diminuir a austeridade vem da torcida ou às vezes até a política dentro do clube atrapalha nesse sentido?

O futebol possui um componente público enorme. Todo mundo acompanha, acha que entende de formação de elenco, de jogadores que devem ser contratados. A torcida pode ser estimulada com concorrente contratando tal jogador, e acaba gerando uma pressão muito grande por parte da torcida. Uma massa que incentiva muito, mas exige também, e se o gestor não tiver muito equilíbrio para tomar as decisões de contratar ou tirar alguém do elenco, pode causar um elenco inchado, uma folha incontrolável e até débitos trabalhistas para o clube no futuro.

O Fortaleza tem potencial e trabalha para ser, e já é, das principais forças do Nordeste. Como enxerga o futebol da região no âmbito nacional?

O futebol nordestino cresceu muito, desde o advento da Copa do Nordeste que passou a ter um calendário melhor, com renda vantajosa e direitos de transmissão. Atualmente temos clubes do Nordeste com estruturas bem avançadas, com gestões em alto nível, arriscando mais no perfil de contratações e vendas de jogadores. O Fortaleza, E.C Bahia, nosso rival Ceará, são clubes bem citados como exemplo de gestões duradouras, por muito tempo, o Sport foi um clube que chamava atenção pelo rigor no pagamento dos salários, nas contratações, honrando seus compromissos. Acho que hoje o futebol nordestino é visto com força crescente no cenário nacional, mas ainda necessitando obter mais espaço, para conquistar títulos mais expressivos.

Como o clube entende o potencial do Futebol Feminino para o desenvolvimento da marca e conquista de novos públicos?

O futebol feminino está em um momento positivo no cenário mundial, a Copa do Mundo foi um sucesso de público. Estive na França faz duas semanas, e eles estão tratando o futebol feminino com uma política nacional de desenvolvimento para o esporte. Sempre em conjunto com o masculino, com condições iguais para ambos. Com certeza, com uma audiência maior do futebol feminino, vai ser atraído um público maior, com a presença de mulheres crescendo nos estádios, nos jogos do masculino. Aqui no Fortaleza, este crescimento é enorme, elas vão para os jogos, compram produtos, demandam materiais exclusivos do layout feminino, isso é bem interessante. Sem dúvida, se ocorrer um desenvolvimento maior do futebol feminino, vai atrair um público diferente, faz parte de um processo natural e que não deve ser imposto. Diversas ações podem ser criadas para que o esse esporte passe a ser mais visto.

Ceni voltou ao Fortaleza. Embora não se possa dizer que tudo foi assim planejado, parece que o desfecho, nesse momento, encaixa com o que desejava o clube. Como foi ter um planejado afetado por uma decisão que não partiu da Diretoria (ida do profissional ao Cruzeiro) e como foi replanejar a partir dessa oportunidade de mercado?

A ida do Rogério para o Cruzeiro não foi planejada, eu acreditava que isso não iria acontecer, até porque ele já tinha recusado vários convites anteriores. Apesar da conversa que eu tive com ele, não esperava. Tivemos que nos readequar, a equipe estava moldada com jogadores para o estilo de jogo do Ceni, fomos no mercado buscar um técnico com as mesmas características, mas não conseguimos. Por mais que Zé Ricardo seja um cara sensacional, um entendedor do futebol, o modelo de jogo não encaixou. Tivemos uma baixa pontuação, e entendemos que era preciso mudar a comissão técnica e calhou de ser no momento que o Ceni deixou o Cruzeiro, e não podíamos jamais deixar de tentar trazê-lo. No nosso entendimento, a pessoa mais habilitada para fazer um bom trabalho com esse grupo de jogadores é o Rogério. Foi um grupo montado com ele, com as características de jogo que ele entende ser o ideal para um bom futebol, e ele já conhece todos no clube, tivemos que agir rápido para não deixar passar essa oportunidade.

Ceni parece já ter alcançado um patamar de idolatria junto aos torcedores, o que é cada vez mais difícil no futebol. Como trabalhar a imagem do profissional tanto no aspecto de comunicação com os torcedores coo de marketing? Treinador ídolo não é comum...

O Rogério sabe trabalhar muito bem a imagem dele, conviveu boa parte da carreira como ídolo máximo do São Paulo, jogador de seleção brasileira, com prestígio internacional. Fazemos a condução dessa imagem, em conjunto com ele, não é um cara que gosta muito de se expor, não faz questão. O Rogério gosta muito de trabalhar, estar no campo, projetar treinos, jogo e vitórias. Sabemos do tamanho da imagem que ele tem, e com isso buscamos trabalhar da melhor maneira possível, gerando dividendos para o clube com planos de sócio torcedor, ações promocionais. Tudo feito dentro de um limite para não atrapalhar a parte técnica, o planejamento dele, sempre seguindo uma linha em conjunto com o staff dele. As coisas estão dando certo, o clube conhece muito bem ele, respeita todas as demandas, e isso vem gerando resultados positivos.

A manutenção na Série A permite ao clube um planejamento ainda mais assertivo e potente para 2020? O que já passa pela cabeça para a sequência do trabalho no aspecto estrutural do clube?

A permanência na Série A vai nos garantir receitas melhores, e seguiremos com o projeto estrutural do clube, que está pronto. As obras já estão em execução, entregamos os campos e esperamos os módulos de vestiários, academia e piscina de recuperação até o fim do ano. Em 2020 entramos em auditório, hotel, refeitório e outras salas de apoio. Seguindo na Série A, essas obras andarão mais rapidamente e poderemos ter o quanto antes, o Centro de Excelência do Futebol Profissional. Além disso, queremos realizar algumas melhorias no CT de Maracanaú, para deixar tanto a base como o profissional com estrutura de alto nível.