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Saber lidar com as dificuldades também é descobrir oportunidades

Neste Papo de Tubarões apresentamos Ana Oliva Bologna, que participou da transformação de um negócio pequeno num negócio milionário

Ana Oliva participou da transformação de um negócio pequeno num negócio milionário
Ana Oliva participou da transformação de um negócio pequeno num negócio milionário

Hoje nosso Papo de Tubarões é com uma mulher incrível, que participou da transformação de um negócio pequeno num negócio milionário. Ana Oliva é presidente do conselho da Astra, que foi fundada há 66 anos, e diretora da Japi, que tem 30 anos, sócia da F A Oliva e  presidente do conselho consultivo da Finamax, empresas criadas por seu avô, em Jundiaí. Hoje o grupo tem um total de 3 mil funcionários e mais de 8 mil produtos no portfólio, com faturamento de 1 bilhão.

Adoro ver histórias de transformações como a dela e de outros CEOs e founders que começaram com negócios pequenininhos, comeram o pão que o diabo amassou e de repente seus negócios estouram.

Conte um pouco da sua história

Meu avô foi o fundador das duas empresas: a Astra era uma marcenaria que fazia armários de banheiro e assentos sanitários, banquetas e roupeiros de madeira, praticamente sem dinheiro; emprestavam no banco para pintar os armários e poder entregar. Ele sempre foi uma pessoa brilhante: foi professor da Escola Politécnica, um dos fundadores do curso de Engenharia de Produção e tinha uma mente inquieta, que é uma característica dos grandes empreendedores.

A primeira experiência com o plástico foi a substituição das dobradiças de latão dos assentos de madeira por nylon de alta resistência, em 1961. Mas o que tirou a Astra do vermelho foi o assento soprado (oco por dentro), que meu avô se inspirou em uma boia de criança. O produto foi patenteado em 1970 e isso rendeu royalties por muito tempo. No final da década de 1980, inspirado num banco de bicicleta, lançou o assento almofadado. Por isso, inovar é tão necessário: nossa história foi baseada em inovação e invenção.

Quem é a Ana?

Sou de Jundiaí, vim fazer faculdade em São Paulo, sou mãe de dois filhos, casada, empresária, fui triatleta e recordista do Ironman Brasil, tenho várias facetas. Trabalhei em mercado financeiro e acabei voltando para Jundiaí para ajudar meu avô a dar continuidade às empresas. Pulamos uma geração na sucessão, numa organização que foi um momento extremamente delicado e desafiador na minha vida, porque não foi um processo planejado.

De toda a família, só eu e meu irmão trabalhamos no grupo: ele cuida das empresas do grupo da área imobiliária, incluindo a parte de administração, construção e incorporação de imóveis. Fora isso, nossas empresas são extremamente profissionalizadas.

E você transformou as empresas nesse negócio gigantesco

Ou a gente cresce ou é engolido, os tubarões nos pegam. Eu sou do tipo inquieto: se o negócio vai bem, tem que ir melhor. Sou uma eterna insatisfeita, o tempo todo quero fazer mais e melhor em tudo na minha vida. Nas nossas empresas estamos o tempo inteiro nos reinventando, olhando para o mercado, para o mundo e tentando fazer algo diferente, ser melhor a cada dia em todos os aspectos

Muito dessa inquietude, dessa inovação, vem do esporte. Você concorda?

Na minha época de esporte, as pessoas faziam um tipo de analogia entre a minha vida empresarial e a minha vida atlética, mas a forma como eu lidava com o esporte é a mesma com que eu lido com tudo na minha vida. Uso palavras básicas: foco, determinação, resiliência, planejamento. No Ironman, por exemplo, tem que ter estratégia, saber lidar com variáveis incontroláveis, tomar decisões na hora. O esporte é imbatível nisso.

Mas a gente não aprende isso na escola, aprende no esporte e leva para a vida, para o trabalho, para a alta performance

O esporte ensina o que é competição: a ganhar, perder, trabalhar em equipe, saber que você não é ninguém sozinho, tem que ter apoio sempre. Obviamente o esporte também ensina meritocracia, porque é justo. O resultado é diretamente proporcional ao seu esforço, ao treino e à disciplina, saber ganhar e perder, saber que vai ter dias bons e ruins.

O esporte também ensina alta performance, que a gente pratica no dia a dia do trabalho, até porque treinar dói e empreender também dói.

Sim, porque o cérebro aprende a lidar com a dor. Já fiz uma prova de Ironman no Havaí com o pé quebrado sem saber, achava que era uma tendinite. O poder da mente, o poder de enxergar o copo meio cheio, faz uma analogia com a vida para sabermos lidar com as dificuldades e enxergar as oportunidades.

E sobre as empresas que você lidera: o que elas fazem hoje?

Nós atuamos basicamente em acabamento de material de construção. A Astra faz acessórios para banheiros, assentos sanitários, itens hidráulicos, armários, espelhos, UD, banheiras e spas, entre outros. A Japi trabalha com cubas e metais sanitários, vasos para jardinagem e ferramentas . Hoje, possuem cerca de 8 mil produtos, 35 mil pontos de vendas ativos no Brasil inteiro e exportam para mais de 30 países.

Recentemente inauguramos uma fábrica da Japi na República Dominicana como estratégia de exportação, basicamente para atender os mercados norte-americano, europeu e da América Central. Essa é uma alternativa melhor para exportar, porque nossos produtos são volumosos, têm questão de frete, livre comércio com Estados Unidos e Europa, com tarifas bem melhores que as do Brasil. Começamos a produzir este ano e as expectativas até agora têm sido bastante positivas. Também temos operações em vários países da América Latina.

Qual é a área que você mais gosta?

Eu gosto de tudo, sou um perigo para a governança, porque participo bastante de tudo e adoro o que faço e para estar onde estou, passei por todas as áreas, como desenvolvimento de produto, marketing, por exemplo. Hoje estou mais focada numa visão estratégica, de governança, coordenando Comitês de Estratégia, Investimentos, Sustentabilidade e Inovação e de ESG. Fizemos uma reestruturação de diretoria em 2021 com a sucessão do CEO, unifiquei as diretorias das duas empresas, agora tenho três diretores, num modelo de negócios diferenciado, que não existe igual no mercado.

Gostar do que faz é muito divertido. Me parece que você encara assim o trabalho

Eu adoro uma frase que tenho num imã de geladeira desde minha fase de Ironman, que diz “o mundo será dos amadores: daqueles que amam o que fazem”.

Que dicas você pode dar para mulheres que querem empreender?

A mulher é multifacetada, cuida de filhos, treina, trabalha, consegue conciliar tudo. Mas para empreender, tem que primeiro escolher algo que ame, saber o que realmente quer. Quando você faz com amor é fácil, não é um sacrifício. Quando se tem um propósito, nada fica difícil, encaramos os obstáculos de forma diferente. As coisas não são fáceis na vida e temos que praticar o exercício contínuo de fazer dar certo. Isso é fundamental, aprendi com meu avô: tijolinho por tijolinho, degrau por degrau, não dar passo maior que a perna. Nós temos um planejamento, não alavanco nem na construção civil, nem na indústria; se o mercado está muito bom, não saímos surfando na onda, porque um dia vai cair.

No Brasil tudo tem muitos altos e baixos. Nem tudo são flores, as coisas demoram: a Japi, por exemplo, nasceu como importadora e tivemos que a reinventar milhões de vezes. Foram 20 anos até a empresa virar um super exportador, que hoje é um dos maiores produtores mundiais de vasos de rotomoldagens de plástico que imitam cerâmica, cimento e outros materiais com perfeição. Temos pelo menos 30% do mercado mundial e inclusive linhas maravilhosas de design.

A Astra era uma pequena marcenaria que hoje tem 120 mil metros quadrados de área construída de fábrica. O grupo todo com Astra, Japi, a empresa de construção e incorporação que meu irmão cuida, mais uma financeira que é Crédito, Financiamento e Investimento soma uns 3 mil funcionários. Eu era CEO da Financeira e depois de fazer minha sucessão há 2 anos, para uma mulher inclusive, estou no conselho consultivo.

Você gosta mais de estar nos conselhos ou do operacional?

De operacional. Acho que nunca serei feliz só em conselhos, embora saiba que eles são fundamentais para definir estratégias, planejamento, legado, ESG. Nossa empresa é basicamente masculina, porque é de construção. Hoje em dia temos 27% de mulheres em cargos de liderança e 30% na fábrica. Acredito que as mulheres têm total competência para estar na liderança e as nossas estão lá porque merecem.

Como empresa, temos que dar condições para as mulheres serem o que quiserem, desde que queiram crescer e se dedicar. Temos um projeto chamado Renascer, que dá todo apoio para pais e mães em orientação parental, durante a gestação, suporte psicológico no pós-natal para retorno ao emprego.

Também temos salas de amamentação dentro das fábricas e suporte médico. Ou seja, oferecemos muitas coisas para que elas possam estar onde quiserem. Como empresária meu papel é dar suporte, o que é muito marcante e reconhecido por elas. E se dermos suporte para a família, todos vão trabalhar mais tranquilos, inclusive os pais.

É muito importante essa relação complementar de homens e mulheres, na vida e no trabalho, e esses papéis não vão mudar, não vão inverter. Concorda?

O mundo sempre foi matriarcal. As mulheres têm total condição e competência de estar onde quiserem, mas não precisam de cotas: elas precisam de estrutura e de conhecimento, para conseguirem chegar onde quiserem. Não basta gostar, tem que ter conhecimento, tem que entender. Não dá para ser empreendedora sem conhecer o básico sobre gestão. O que te trouxe até aqui não vai te levar para a frente se não estiver o tempo todo estudando, se reinventando. Eu, por exemplo, sou uma eterna aprendiz: aprendo com meus diretores, com minha equipe, com meu marido, com meus filhos, com todo mundo o tempo todo, busco cursos, me especializo, porque o mundo muda muito e rápido. E temos que acompanhar.

E sua mensagem para as mulheres: o que é mais importante de tudo o que você aprendeu?

O mais importante é ser você mesma e fazer com amor. Saber quem é, onde quer chegar é tudo o que a mulher precisa para chegar onde quer. Acredite em você. Você é capaz. Mas tenha em mente sempre que é um por cento de inspiração e 99% de transpiração. Nada acontece por milagre, nada cai no seu colo, você tem que realmente correr atrás: ser um Ironman na vida.