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"O que nos move é a vontade e o propósito, o dinheiro é consequência", afirma Cláudia Martinez

A colunista traz para o "papo de tubarões" a empreendedora Cláudia Martinez

Cláudia Martinez: "O que nos move é a vontade e o propósito, o dinheiro é consequência" (Divulgação)
Cláudia Martinez: "O que nos move é a vontade e o propósito, o dinheiro é consequência" (Divulgação)

Este Papo de Tubarões traz uma tubaroa de verdade, uma pessoa especial, inquieta como toda empreendedora, inovadora, sempre cuidando de todo mundo. Agora que estamos trabalhando juntas, aprendo com ela todos os dias. Claudia Martinez se define como intensa: põe todo mundo na linha.

Vamos começar: quem é a Cláudia Martinez?

Eu me definiria como uma pessoa perseverante, muito persistente, uma highlander que adquiriu resiliência por um aprendizado que vem com a vida. Sem ela ninguém tem sucesso: se as portas fecharem num primeiro ou num segundo não e você desistir, nunca vai chegar ao final, tanto nos negócios como na vida privada. A vida é sobre persistir, buscar caminhos e lugares. A Cláudia é essa pessoa, é uma highlander.

Tive que me reinventar algumas vezes na vida e a principal ruptura foi em 2018: depois de ficar 26 anos no mercado financeiro, de repente rompi e ter que me reinventar acabou sendo um processo muito bom.  Eu me perguntei: o que você sabe fazer, o que gosta de fazer, o que aprendeu até aqui?

Eu gosto de solucionar crises, de empreendedorismo feminino, de mercado financeiro. Tudo isso tem a ver com a minha história, nada é aleatório. As coisas têm que se completar. É aprendizado de vida que também direciona os negócios. Não adianta entrar em nada sem usar aquilo que você viveu. Muitas empresas quebram ou deixam de existir rapidamente em função dessas escolhas, que têm a ver com pegar o que é o seu melhor, seu potencial e aplicar

Solucionar crises, que você faz muito bem, é um talento incrível, porque normalmente as pessoas fogem de problemas. Ter alguém com esse olhar estratégico, com networking e conexões capazes de ajudar a resolver crises de todas as áreas é um talento muito raro.

É fruto do que vivi.  Muita gente faz discursos eloquentes, mas o maior aprendizado de toda minha busca, também acadêmica, é a vida, as etapas, as coisas que passei e como aplico isso no meu trabalho. É a aplicabilidade que dá resultados.

Em todas as instituições financeiras por onde passei sempre fui vista como a pessoa que resolvia problemas, mesmo ocupando cargos específicos, em de áreas específicas. Essa característica tem a ver com a minha disponibilidade, minha vontade de aprender, em ser generalista, enxergar o problema do outro, ser uma intraempreendedora dentro das organizações. Eu mudava as casinhas de lugar, no sentido de fazer as pessoas se ajudarem para que suas metas e objetivos fossem cumpridos da mesma forma que o acionista faria. Essa questão de comunicação é essencial e, por ter passado por várias situações de crise, conheço o mercado, como as coisas se comportam e o que é preciso fazer.

Para isso a pessoa precisa ser estratégica, empática, conciliatória, ter muitas habilidades para fazer bem feito. O que mais?

Ter humildade. Para poder fazer grandes articulações, você precisa ter tido resultados na própria vida, ter credibilidade para emprestar quando ajuda alguém, explica uma situação ou media um conflito. Muitas vezes grandes empresários e companhias perdem credibilidade por ações bobas, porque coisas pequenas podem se tornar muito grandes, principalmente a manutenção da palavra, da coerência e da ética, que estão acima de tudo. Essas são questões inegociáveis.

A ESG e a situação que vivemos com a Covid trouxeram uma luz para o mundo em termos da necessidade de que as pessoas tenham uma postura diferente em relação à vida. Questões éticas foram testadas ao máximo, o tempo todo, em tempo real, para todo mundo ver.

A pauta ESG é muito importante apesar do conflito, porque as pessoas querem saber o que fazer para melhorar como, por exemplo, o ambiente empresarial em questões éticas. Esses valores vêm da educação, mas infelizmente não há um padrão e temos que conviver com pessoas que têm uma cabeça diferente, são capazes de tudo por tudo, principalmente quando se fala sobre dinheiro.

Dinheiro é importante, mas é uma consequência do que se constrói na vida. Você acredita que se fazemos alguma coisa com propósito, o dinheiro vem como consequência?

Esse é um ponto importante: o dinheiro pelo dinheiro não significa propósito. A grande diferença é o estado de felicidade e de vida das pessoas. Aquelas que querem transformar, impactar, deixar legado, têm uma energia muito forte. Dinheiro é algo muito volátil e vulnerável e depende das decisões de impacto que se toma.

A prosperidade de um empresário ou de uma empresa tem que estar ligada ao propósito e a valores. Porque podemos ter muito, ter menos ou nada de dinheiro; é uma coisa pontual, depende de uma série de questões. Prosperidade é se manter no mercado em momentos difíceis ou mais abundantes, ter credibilidade e uma história que faça com que as pessoas confiem no seu produto, no seu negócio e em você. Essas são as questões perenes, que mantêm a companhia e criam negócios sustentáveis.

Hoje muitas pessoas não têm preocupação com a longevidade de seus negócios, de suas marcas, da sua imagem, querem ganhar dinheiro agora. Isso está cada vez mais exposto, tão à luz, que chegamos a ter vergonha alheia.

Mas é uma realidade. São escolhas. Acredito que a questão material e a ambição são super importantes. Mas o que estamos falando aqui é: o que a pessoa está disposta a fazer para ter aquilo, qual o caminho escolhido? Eu estudei, trabalhei, galguei minha carreira para conseguir isso. Vejo o dinheiro como meio, como propósito para fazer e ter o melhor para você, para quem você ama, para a sociedade. Um depende do outro; se as pessoas que trabalham conosco não estiverem bem, não vamos ficar bem. É a interdependência humana, a condição humana. Essa coisa do tudo por dinheiro me incomoda e prefiro fazer escolhas para dormir melhor, continuar a luta, ter um propósito. E quando se tem propósito, o dinheiro é consequência.

E sobre os seus negócios: o que você está fazendo, para onde está indo, qual o seu sonho, quais os próximos passos?

Depois que saí do mercado financeiro enfrentei as dificuldades de uma mulher sozinha se encaixar, iniciar um negócio. Empreender é muito difícil. Então criei uma plataforma financeira chamada She Invest, que começou como uma startup com propósito de dar acesso às mulheres ao mercado de capitais. Esse negócio se desmembrou e virou um ecossistema: temos também a She Educa, uma plataforma de educação financeira que é das mais promissoras do grupo, pois extrapolou a questão da mulher e tem projetos extremamente inovadores e de grande impacto, desenvolvidos por um grupo de acadêmicos.

É uma plataforma de investimentos ou de educação?

A She Invest é uma plataforma financeira com foco no público feminino, mas não somos preconceituosos, homens também podem participar. A plataforma tem FIDC, fomenta capital de giro para empresas e empreendedores, oferece capital para empresárias. Também contamos com participação de grandes bancos na operação e fazemos quase que uma curadoria dos produtos que oferecem. Esse é o nosso carro-chefe: estruturação de negócios e conselho.

Também entendemos que a educação financeira é fundamental: não é a mulher que não sabe tomar dinheiro em banco, fazer empréstimos, montar uma sociedade, é o brasileiro. As pessoas não conhecem nada de finanças. Na hora de ir a um banco e determinar qual o crédito mais adequado para suas empresas não sabem nem a regra básica de conhecer seu caixa e sua estrutura. Esse é o tipo de aprendizado que o empresário precisa e o que tentamos ensinar. Assim criamos a She Educa. O conhecimento, que antes ficava restrito a “tribos”, está aí: basta a pessoa querer acessar e se interessar. Agora vamos entrar em treinamentos mais disruptivos na questão de gênero e na questão humana.

No caso da Sisak, que é a nossa empresa de reputação profissional, começamos atuando em crises e hoje somos uma assessoria de imprensa boutique que cuida de reputação, mas não lida com publicidade e marketing. É uma assessoria de imprensa especializada, focada em estratégia, compliance e riscos, com uma vertente de tecnologia. Grandes empresas internacionais que vêm para o Brasil querem alguém que entenda do todo, da legislação, de como se posicionar para comunicar o que quer falar.

Experiência é tudo?

Ter uma estrutura personalizada e multidisciplinar tem a ver com minha experiência de empreender: tudo o que faço está baseado no meu conhecimento, no que consigo entregar. Se fizer algo inovador, mas não tiver capacidade ou conhecimento, equipe, capital, vai dar errado, por mais brilhante que a ideia seja. O simples do sucesso é fazer, entregar e criar reputação, porque assim as coisas vão dando certo; não adianta só reclamar ou ficar com suas ideias na sua sala. Vamos para a prática, ver o que podemos fazer para ajudar

Essa postura vem contaminando as pessoas de bem. É fácil identificar os imediatistas financeiros que querem o dinheiro hoje e as pessoas prósperas, que querem ter as coisas, realizar, mas têm propósito. É o capitalismo novo, ser democrático ao ponto de deixar as pessoas terem suas próprias escolhas sobre o que querem ser, o que fazer e como, mas ao mesmo tempo com um propósito.

Estamos todos no mesmo barco. Precisamos de um mundo que seja de fato sustentável. Ninguém entendia que a sustentabilidade nos negócios passa além do financeiro, da gestão de caixa, de recursos. É gestão de pessoas. Temos que olhar o humano acima disso e quem faz isso não perde dinheiro, ganha.  A visão de gestão que pensa no ser sustentável, passa pelo S de sustentabilidade social.