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Facundo Guerra - O nerd que mudou o mercado de Entretenimento em São Paulo

Facundo Guerra já acumulou vivências em 23 negócios na área de entretenimento - ou 25. Ele nunca parou para contabilizar

Facundo Guerra (Julia Rodrigues/Reprodução)
Facundo Guerra (Julia Rodrigues/Reprodução)

Nosso convidado dessa semana, que está aqui na Coluna Exame e também no Podcast Papo de Tubarões é Facundo Guerra,  já acumulou vivências em 23 negócios na área de entretenimento - ou 25. Ele nunca parou para contabilizar. Isso depois de deixar para trás uma carreira corporativa que incluiu passagens por Tetra Pak, American Express e AOL.  Ele é um empreendedor destemido, criativo, serial, que gosta de desbravar e de transformar negócios comuns em experiências memoráveis.

Vamos começar com você: quem é Facundo, como você se vê?

Antes de mais nada sou pai, tenho uma filha que vai fazer 11 anos e é o centro da minha vida. Por ser empreendedor, tenho a sorte de controlar minha agenda, porque o centro dela é minha filha, ela me define. O tempo que sobra fica para meus negócios e, em último, para mim. Até porque cuidar dos outros é cuidar de mim, o que fazemos pelo outro acaba retornando para nós. Isso serve para o empreendedorismo: a maneira como você se relaciona com seu sócio, seu cliente, seus fornecedores, colaboradores,  todos estão dentro de uma comunidade para o negócio crescer. Não acredito em qualquer tipo de liderança que não seja pelo exemplo, de fazer com os outros o que quero que façam comigo.

Você tem uma história de múltiplos empreendimentos e até passagem pelo mundo corporativo. Quais foram ou são esses empreendimentos?

Cursei engenharia na Escola Mauá de Tecnologia, mas acabei me formando em Jornalismo e, ao mesmo tempo, assistia aulas do curso de Antropologia e fiz todas as matérias de Ciências Sociais. Também fiz História da Arte no MASP e no MAM e cursos de cinema do Inácio Araújo. Passei uma época no mundo corporativo, em empresas como Tetra Pak, American Express, morei em Miami e na Suécia. A carreira corporativa terminou na AOL, quando a empresa faliu. Os salários em tecnologia naquela época eram nababescos e quando tentei voltar ao mercado de trabalho, não conseguia me reposicionar. Uma das recrutadoras me aconselhou a montar um negócio, porque ela tinha certeza que não iria dar certo e depois eu conseguiria retornar ao mercado. Foi o que fiz e acabou dando certo, até porque, naquela época tínhamos mais chance de errar. Hoje a velocidade é tamanha que se um empreendedor faz uma start up e não consegue vender em dois anos, já acha que não deu certo. Hoje também se começam negócios para vender, não para ajudar outros. Mas se o único objetivo é só ganhar dinheiro, não dá certo mesmo.

Sobre meus negócios, tem o Vegas, o Cine Jóia, a reabertura do famoso Riviera, o Bar dos Arcos, o Blue Note, que acabou de ganhar um prêmio como a melhor casa de shows de São Paulo, o Mirante 9 de Julho, o Altar, que montei durante a pandemia com casinhas flutuantes em nível de hotel 5 estrelas em lugares isolados, já fiz cinema, ajudei a montar o Farol Santander, fiz bares, boates, restaurantes, casas de show, cinema, espaço cultural,  teatro. O curioso é que nunca bebi uma gota de álcool na minha vida e montei dois bares que ficaram entre os 100 melhores do mundo. Mas sou assim, sou um nerd, nunca saio muito e quando saio, é com a milha filha e bebo drinques sem álcool.

Seu propósito é transformar mercados?

Não tenho a pretensão de transformar nada, só de me transformar. Se essa transformação acontece por consequência, não está sob meu controle. Minha vontade é exprimir uma visão incômoda, algo que eu já imaginei dentro de mim. O que eu faço é uma coisa pequena em termos de tamanho, mas acaba transformando a vida de muitas pessoas. Eu monto palcos e gosto de montar para artistas, cozinheiros, barmen, cantor, DJ, um filme, cinema, agora estou montando um teatro. Só é preciso entender que existem dois palcos: aquele onde o artista se apresenta e o outro, onde as relações humanas acontecem e é o que vai servir para o gatilho de memória das pessoas que vão continuar no empreendimento.

O Vegas, por exemplo, era uma boate super conhecida nos anos 2000 e lançou o que hoje chamamos de Baixo Augusta, pois girou o  entretenimento da Vila Madalena e da Vila Olímpia para o Centro.  Muita gente diz que tem saudade do Vegas e me pede para trazer a casa de volta. Eu respondo para as pessoas que elas não têm saudade do Vegas, têm saudade da fase em que tinham 20 anos, de estarem descalças, às quatro da madrugada, com a cabeça sabe lá onde, não dá para voltar no tempo. Por isso digo que produzo um gatilho de memória para as pessoas se encontrarem e criarem boas lembranças de si mesmas. Por exemplo, eu conheço, pelo nome, pelo menos 10 bebês que nasceram porque os pais se conheceram na pista do Vegas.

Monto lugares que mexem com as dinâmicas de desejos das pessoas que os frequentam, até porque São Paulo é voltada para dentro, a paisagem é interna, não tem referências externas, mal tem um pôr do sol decente.  Por isso, o que São Paulo tem de mais bacana é a paisagem humana. Os paulistanos de origem ou os que foram adotados pela cidade são as pessoas mais legais do Brasil.

Todo mundo que vem para cá tem o desejo de crescer, de se desenvolver, ou de ficar rico, de querer mais. É uma gente focada, ligada, antenada. Conheço gente cuja sexualidade ou identidade de gênero eram constrangedoras numa cidade pequena, onde não podiam exprimir quem realmente são e São Paulo possibilita um anonimato. Uma pessoa ambiciosa, às vezes não consegue dar asas à sua ambição no lugar onde nasceu. E São Paulo acolhe todos esses sonhos, mas também pode ser um cemitério de sonhos, como Los Angeles. Muito sonho chega, muito sonho morre e as pessoas voltam para suas cidades de origem sem conseguir realizá-los.

Mas esses sonhos perdidos não acontecem só em São Paulo, isso é Brasil. A mortalidade das empresas é de 50% e as femininas é 66%. Você acha que um dos motivos é que as pessoas começam a empreender sem conhecimento técnico?

A questão é que as pessoas confundem empreendedorismo com administração de empresas e esses são dois saberes distintos. Ser um bom administrador de empresas é imprescindível quando a empresa está aberta, mas o processo de abertura pode começar errado na origem, se o negócio não for bem estruturado pelo empreendedor. E dificilmente encontramos essas duas competências diferentes no mesmo ser humano. Eu mesmo sou bom empreendedor, mas péssimo administrador.  Já abri negócios que foram tão mal administrados que perdi rios de dinheiro, mas ao mesmo tempo ficavam no positivo de tão bons que eram. Porque não há como um negócio mal projetado ser consertado pelo melhor administrador que existe.

O interessante é que as pessoas aprendem Administração na faculdade. Mas o empreendedorismo é horizontal: pede que a pessoa entenda de Humanas, Comunicação, Exatas, tem que saber vender. Muitos empreendedores começam sem recursos, nem sabem o que estão fazendo, vão pelo empírico, pela tentativa e erro. Acho que esta é a causa da mortandade das empresas, porque quando o empreendedor erra, isso o machuca pelo resto da vida. Usando meus negócios como exemplo: uns 10 ou 15%, dos mais de 20 que lancei, fracassaram e me machucaram por muitos anos. Mas ao mesmo tempo, tive sorte de ser bem sucedido no meu primeiro negócio. Quando você é pequeno, às vezes não tem nem a segunda chance, porque se erra no começo, perde o crédito, perde a confiança. Muita gente quer empreender, pede dinheiro para amigos, familiares, cria dependências, não forma um capital de giro para tocar o negócio, não sabe a diferença entre competência e caixa, mistura finanças de pessoa física com a jurídica, não precifica e fracassa. Não se prepara, queima pontes, se machuca, porque não fez um planejamento estratégico, não tem um business plan, não verificou a marca.

Daqui a alguns anos não vai mais haver CLT, uma multidão de pessoas vai perder emprego e grande parte delas vão empreender sem estar preparadas. Hoje a maioria acha que está confortável no seu emprego e não têm um plano B, um plano C. Ninguém precisa estar desempregado para começar a empreender, pode investir ou, eventualmente, começar a construir uma ideia de produto, fazer um planejamento estratégico, fazer um MVP, prototipar, montar uma conta, identificar o que sabe fazer de melhor. Me dá taquicardia a maneira que as pessoas empreendem no Brasil.

Hoje tudo gira em torno de expectativa de retorno, de maximizar o retorno a partir do custo. Eu não vendo commodities, porque isso é jogo de gente grande. Não tenho caixa, capacidade de negociação, nada que um grande tem para vender commodities.  O que eu vendo é experiência e se vendo uma experiência que é intermediada por um produto, cobro o preço que eu quiser.  Hoje tenho o melhor bar do Brasil, o Bar dos Arcos. Poderia cobrar mais caro, mas acho chique cobrar o justo.  Eu vendo luxo acessível. A pauta mais importante para mim, como empresário, é a redução da desigualdade social e o que vai resolver isso é o empreendedorismo, como uma terceira via para reduzir essa desigualdade.

Qual o seu sonho hoje?

A gente vive sempre numa progressão, muitas vezes projetamos sonhos no futuro e esquecemos de viver o sonho no presente. Minha vida, hoje, é a que sonhei há 5 anos e não preciso mais. Sou um homem satisfeito. Na verdade, tenho um tipo de preconceito social com pessoas que são muito ricas e expansionistas, que sempre querem  conquistar mais mercados. Mas eu tenho uma coisa que nenhum bilionário vai ter: sou satisfeito com o que tenho, em todos os quesitos, até financeiro. Estou vivendo meu sonho agora, tenho uma filha linda, meus negócios vão bem e estou montando um novo negócio, o Love Cabaret, onde funcionou o antigo Love Story na região da República, que terá show de drags, pole dance, burlesco, manifestações artísticas marginais, que muitas vezes são confundidas com pornografia.

Eu queria fazer um último negócio que ninguém teria coragem de mexer: juntar o desejo com um cuidado estético. Durante a pandemia houve um redimensionamento do desejo. Veja como surgiram negócios gigantescos, com vibradores, por exemplo, a partir de um reposicionamento da pornografia para a saúde mental. Tivemos um deslocamento do prazer, da pornografia, daquilo que é  um pouco proibido, que a moral não permite falar, para o campo do desejo, que é transformador no mundo. Eu gosto de despertar o desejo, mas o que as pessoas vão fazer com seu próprio desejo pouco me importa, cada um que cuide do seu próprio prazer. E é isso o que o Love Cabaret fará: falar sobre desejos.

Você sabe qual é o público alvo dessa nova casa, fez alguma pesquisa para saber quem vai frequentar o Love Cabaret?

Não sei quem é esse público. Eu monto meus negócios para mim, nunca fiz pesquisa sobre demanda. Com tanto tempo de experiência em entretenimento, tenho sensibilidade com a cultura, me informo muito, fico procurando sinais e amplifico. E, neste caso, percebi que existe alguma coisa efervescente, que quer sair. Estamos criando um lugar com uma gastronomia sensacional, a melhor carta de drinks, um time artístico maravilhoso e construindo um espetáculo que pode incomodar ou despertar curiosidade. Digo que é uma plataforma de educação para práticas de desejo, que pode despertar nas pessoas algo que elas nem conheciam.

Sei que corremos um grande risco, mas também sei o quanto posso perder, minha intuição é afiada depois de 25 anos.  Fui a primeira empresa a fazer uma Equity Crowdfunding no Brasil e usei meu stories no Instagram, procurando sócios efetivos do negócio, com bônus para amortizar o investimento. Vendi 10% da empresa em 28 minutos. Se tivesse deixado a captação aberta teria conseguido o valor total do investimento feito.  E com isso consegui um marketing de rede: tenho 70 sócios que estão participando de uma história de construção de negócio, numa relação horizontal que reúne colaboradores, clientes, fornecedores.  Acho que esse é o futuro dos negócios: ter uma comunidade para ser respeitada. Com essa ação, fomos falados até na imprensa internacional e daí muitas empresas do setor quiseram entrar na história por meio de patrocínio. Com isso, já amortizei o investimento total.

Não começo um negócio pensando em quanto dinheiro vai dar. Eu me expresso pelos meus negócios e acabo tendo a recompensa do risco que corro. Não quero fazer o que fazia há 20 anos. Já montei negócios que figuraram entre os 100 melhores do mundo. O Love Cabaret é totalmente novo. Vamos começar abrindo a bilheteria sem anunciar os shows porque  o segredo, neste momento,  é seduzir.

E fora essa grande novidade, quais são seus planos?

Participei do Shark Tank e acabei de gravar a primeira temporada de um programa chamado Shake in the Bar no canal Sony, que tem mais duas temporadas fechadas. É um programa muito legal, que tem um prêmio de meio milhão de reais e pode ajudar a realizar o sonho de um dos participantes. A coquetelaria é uma arte líquida, que inclui estética, gastronomia, mixologia, história da arte. Os profissionais são pessoas muito refinadas e pouco valorizadas no Brasil, porque o mercado de alta coquetelaria é pequeno, tem no máximo 20 bares, enquanto  no exterior são milhares. E de onde vem o dinheiro para quem quer abrir um bar de alta coquetelaria? No programa, os concorrentes fazem seus pitchs, passam por provas e são avaliados por jurados da área de gastronomia, donos de restaurantes, donos de agências, personalidades muito conhecidas com operações no campo da hospitalidade ou empreendedores renomados e bem sucedidos, que funcionam como mentores para que eles abram seus negócios.

E para terminar, como o que você pode dizer para empreendedores, a partir desta fase de transição que estamos vivendo, que deve mudar o mundo em 5 anos?

Enquanto se fala em tecnologia, Inteligência Artificial, cripto, metaverso, penso em sinestesia, em como eu posso encharcar os sentidos das pessoas com estímulos. Meus maiores inimigos são o celular, a Netflix, o I Food, o Tinder, todas essas plataformas. Eu sou do corpo, do presencial, da sensação física, sou o disco de vinil. Acredito que qualquer empreendedor merece uma estátua em praça pública, mesmo aquela mulher que faz bolo para vender na rua. É nas periferias que está a grande inovação, é o social, como você se comunica, como transforma as pessoas.

Por isso digo a quem quer empreender: estude, se prepare. Se está empregado e confortável, planeje seu negócio, inclusive a morte dele, porque tudo tem um fim. Também acho que o empreendedorismo do ponto de vista de uma mulher pode nos salvar da tragédia. O expansionismo masculino, a energia masculina, a testosterona nos levaram a um limite histórico. As empreendedoras são mais reais, têm mais consistência. O homem quer fazer uma fintech e ser um cosplay de Elon Musk.