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Esporte e empreendedorismo se conectam em disciplina, resiliência, mindset e numa construção de vida

Além de ser um grande empreendedor, Gustavo Borges é um dos maiores nadadores do Brasil; leia entrevista

 (Cris Arcangeli/Divulgação)
(Cris Arcangeli/Divulgação)

Nosso convidado deste Papo de Tubarões é um tubarão de verdade, que na verdade mora na água. Gustavo Borges, além de ser um grande empreendedor, é um dos maiores nadadores do Brasil, um cara que deixou  muitas lições e continua se destacando, porque incentiva milhares de alunos em todo o País a aprenderem a nadar, fez disso seu trabalho, seu empreendimento e diz que o esporte tem muita relação com o empreendedorismo. Quer saber mais? Leia a entrevista.

Quem é  Gustavo Borges?

Sou um homem casado, tenho família, sou filho e aprendi com meus pais os maiores valores em relação a construir um negócio, ao esporte e performance. Quando você traz a família para dentro da sua vida profissional, que é a base de tudo, o negócio não tem como dar errado. Tenho muita gratidão pela estrutura familiar que tive desde o início  da minha carreira, que começou praticamente desde que nasci, em Ribeirão Preto. Quando temos exemplo dentro de casa e sabemos que funciona, seguimos esse exemplo. Agora também sou pai e entendo o que é ser filho, pensar, viver dentro de determinados valores e crenças, tenho uma esposa maravilhosa e uma construção de vida no empreendedorismo depois das piscinas, onde nadava às vezes com tubarões, às vezes com outros tipos de peixes. Morei 10 anos nos Estados Unidos, sou formado pela Universidade de Michigan e treinei lá boa parte da minha vida.

Depois de ser um grande nadador você se transformou num grande empreendedor. Conte um pouco sobre esse trabalho.

O esporte tem muita relação com o empreendedorismo. O atleta tem seu objetivo, planeja, constrói um trabalho e um processo que o permitam fazer um índice olímpico, ir para uma olimpíada, ou fazer algum tipo de construção e colher o resultado, que pode ser positivo ou negativo. Essa é construção da jornada empreendedora do atleta, que é empreender o próprio corpo fisicamente e, principalmente, o mindset, o modelo mental. Quando usamos esses elementos e colocamos esse tipo de energia em qualquer outro tipo de negócio, as chances de aquilo dar resultado são muito boas. Não significa, necessariamente, que colocar todo o esforço e toda a atenção em alguma coisa, ela vai ser do jeito que você gostaria que fosse, mas é um grande propulsor. Hoje aplico em meus negócios essa relação do empreendedorismo do corpo, que aprendi dentro da piscina, afinal, já estou empreendendo há mais tempo do que eu nadei. Então, já sei uma coisa ou outra sobre empreendedorismo, sobre negócios e isso é muito bom, porque a experiência da construção de um negócio de vida é muito importante.

Para ser um  bom empreendedor é preciso treinar. Como se faz para ter resiliência, disciplina, constância?  Isso não se aprende nas aulas teóricas da escola, mas na Educação Física, errando, tentando de novo, aprendendo. Quem não faz esporte, não consegue entender  o que precisa realmente para seu mindset ter força, resiliência, disciplina, fazer estratégias para vencer o jogo.

O esporte também vem da Biologia, do ser humano, da formação, da nossa carenagem, de como funcionamos. No trabalho as pessoas querem mais produtividade, mais consistência, mais foco, uma série de outras coisas e acabam buscando isso em cima da mesa de trabalho e do número de horas gastas num esforço descomunal feito em atividades que desenvolvem habilidades e competências. Claro que pode até ser esse o caso eventualmente, mas uma boa parcela está na qualidade do sono, na atividade física, na hidratação do corpo, na forma com que se cuida do corpo e nisso o esporte traz uma maestria incrível.

Um atleta precisa de disciplina e consistência para ter resultado, que é um funil no final. No empreendedorismo é a mesma coisa. Depois que fui um bom nadador, tive 4 medalhas olímpicas, dizem que nasci para nadar. Claro, os resultados estão aí. Mas também sou muito reconhecido como jogador de vôlei, porque sou alto. Será que não  nasci para jogar vôlei, basquete? Sim, mas faltam os títulos, porque não tive nenhum. Se você não trabalha, não usa o treinamento que trouxe, não coloca toda atenção naquilo que quer, na sua construção de maneira estruturada, pode se confundir, usar muita energia numa determinada coisa e acabar indo na direção errada, ou mesmo indo para trás. Essa conexão é muito forte com o empreendedorismo.

As vezes as pessoas querem trabalhar mais, buscar mais resultados, mas se fizerem intervalos estruturados no trabalho, se a atividade física e o sono forem incentivados,  a produtividade do negócio cresce e certamente haverá mais resultados financeiros. Temos um relógio biológico que funciona de uma certa forma  e precisa se potencializar para a produção. Isso é o ciclo circadiano. Tem um livro muito interessante, do neurocientista Matt Walker, chamado “Por que dormimos”, que é um dos melhores livros sobre a importância do sono. Não temos como fugir do ciclo circadiano, porque fomos formatados desse jeito. Quando se fala de performance, se não colocarmos o sono e saúde nesse ciclo, estaremos trabalhando abaixo da performance possível, por mais bem sucedidos que sejamos.

A potência está em trabalhar o corpo da melhor forma possível, de acordo com que ele foi construído para performar.  O atleta faz isso e também dá certo para o empreendedor.  É só saber que existe o ciclo, com três etapas de oito horas por dia, aquelas em que o corpo performa melhor, seja em termos de desenvolvimento, performance cognitiva ou analítica, brainstorming, reuniões mais criativas, o que fazer em cada momento. O sono é a última etapa. Quando se quer evoluir a performance, é essencial saber isso.

Se você quiser ser um  grande nadador olímpico tem que estar na piscina às 5 da manhã, independente do dia, tem que abrir mão de várias coisas. Daí, ganha a medalha olímpica e dizem que é sorte. E o tempo todo que passou nadando, se aprimorando?  Se quiser fazer o negócio dar certo, tem que treinar, dar o tempo necessário, abrir mão de outras coisas para dar certo. Concorda?

A rotina do atleta é uma sequência: acorda, come, treina, come, treina, come e dorme. Se uma pessoa quer ter sucesso na vida, tem que acordar, ir para o trabalho, pensar, treinar e deixar outras coisas de lado. E aí é difícil entender: por que abrir mão de algo que gostamos? Vivemos num mundo em que a pessoa tem que ser feliz, tem que ter prazer, seguir sua paixão, sempre querendo buscar algo que não tem, baseando-se no sentir bem. Chega  a ser irritante ter um ponto final e não uma vírgula nas coisas. O atleta é o contrário, ele está acostumado e busca o desconforto para ter resultados. Os americanos são muito  categóricos com isso e posso resumir  numa frase que eu adoro: faça o seu melhor. Do your best. Isso nos direciona para evoluir porque sempre podemos ser melhores. Não estou falando de ganhar mais dinheiro, de ter mais negócios, mas de ser melhor naquilo que já fazemos. E isso acontece pela prática, por aquilo que fazemos. Mas muitas pessoas não estão dispostas ao que chamam de sacrifício, porque é muito duro  sacrificar algo que gostam, não ter desejo de fazer algo que não podem, para fazer outra coisa com que se comprometeram e que é seu objetivo. Essa é a conexão forte do esporte com os negócios: fazer bons contatos, ter horas dedicadas ao trabalho, definir os objetivos em termos de performance.

E tem o propósito. O atleta se dedica porque quer ganhar a medalha olímpica. O dinheiro, se vier, é uma consequência.

A questão financeira acontece como recompensa da medalha, por mais que ela em si seja uma grande recompensa do esforço. Por uma questão de semântica, o propósito é algo inatingível, que está lá na frente e que podemos querer e buscar. A  medalha olímpica é uma missão muito bem detalhada e um objetivo muito forte do atleta, é uma montanha que ele precisa transpor. Gosto muito do escritor Jim Collins, que tem vários livros sobre negócios, e que trouxe um conceito: a montanha é a missão e a visão é uma estrela guia que está lá na frente e você precisa atingir. Esse é o propósito.  O meu, que vou buscar a vida toda, é impactar pessoas  para trabalhar com alta performance e plantar uma semente do sonho possível, que pode acontecer. A medalha olímpica é uma missão possível, apesar de ser gigantesca e muito difícil. O grande problema dos atletas é que depois de desse grande objetivo, que acontece numa medalha ou numa participação olímpica, o próximo pode não ser tão grandioso ou não impacte tanto a sua vida. Ele pode ter tido toda a recompensa de um esporte, da sua construção, mas o próximo passo desanima. E agora?

Se não tiver um próximo passo depois de usar tanta energia numa conquista, que seria uma medalha olímpica por exemplo, as chances de estagnar ou ficar triste e entrar numa depressão são grandes,. A recompensa pode vir na forma de dinheiro, de status, mas não adianta se não houver um próximo objetivo, se ele não souber para onde está indo, qual é o seu caminhar. O que é mais grandioso do que ganhar medalha olímpica? Eu fui a quatro olimpíadas, ganhei quatro medalhas. Cada uma teve uma história diferente, cada uma tinha uma missão diferente e um aprendizado diferente. Hoje tenho outras olimpíadas dentro do empreendedorismo, de vida pessoal, com a família. Muitas vezes buscamos um estímulo tão grande que talvez não aconteça e muitas vezes esquecemos das coisas mais básicas, da construção do dia a dia.

Muita gente não tem propósito, paixão, quer inovar, mas não sabe o que gosta, qual é o propósito. Vai conforme a vida leva. Mas acredito que todo mundo é empreendedor.

A questão de seguir a paixão tem uma vírgula, não um ponto final e pode ser muito difícil de a pessoa entender que a frase continua. Hoje vemos jovens de 20 e poucos anos, que passaram por várias empresas em poucos anos e dizem que estão seguindo sua paixão de ganhar dinheiro. Se fazem algo que não gostam, mudam de área porque não sabem como construir algo estruturado para exercer sua paixão. O esporte talvez seja uma grande referência: eu gostava de nadar, era apaixonante, mas no trabalho a vida é dura, é competitiva. A competição tem dois lados: um é o rendimento, que é comparativo com outras pessoas e atrapalha muito, porque não ensinamos nossos jovens a serem competitivos, criamos crianças e jovens mimados que não estão acostumados  à competição. Se não treinam a competitividade, se não souberem ganhar e perder e, se perderem, saberem por quê e aprender, saber que não podemos ter tudo o que queremos não têm uma construção de vida. Outro lado da competição é a performance, que é individual, proporciona crescimento, faz a pessoa dar o seu melhor.

O atleta e o empreendedor têm que saber que esses níveis de competição existem e que a vida é dura. Tem um livro muito bom, chamado “Bom demais para ser ignorado”, do Carl Newport, que traz como regra número um “não siga sua paixão”. A mensagem que os jovens têm é que devem buscar diversas experiências, em múltiplos mercados ou múltiplas ações, dando cabeçada e tentando outra coisa. Mas na hora do desconforto, sempre podemos parar antes de seguir algo pelo que somos apaixonados e tentar encontra a paixão no que fazemos.

O jovem hoje não sabe o que gosta, tem que procurar um mercado com o qual tenha afinidade para trabalhar.

Esse jovem tem que procurar uma faculdade como um primeiro direcionamento. Mas ele não se dá o tempo para esse desenvolvimento, o que é o grande problema, porque se desse, poderia ser um grande empreendedor. É preciso formar empreendedores. A pessoa não precisa entender de gestão por exemplo, mas precisa ser exposta a isso.  Tem que ter uma noção de negócios para fazer uma contratação importante de alguém que tenha essas habilidades. O empreendedor não precisa saber tudo: tem que entender do negócio, tem que saber liderar, contratar, desenvolver e, mais que tudo, ter uma visão estratégica.

A visão estratégica tem tudo a ver com esportes, porque o atleta tem que ter uma estratégia para poder vencer.

O atleta tem uma visão em termos de  treinamento, de esforço com o treinador, que está ao seu lado para ajudar. É muito importante essa sinergia entre um e outro, uma conexão muito forte para o atleta poder executar uma estratégia que foi desenhada e treinada. Quanto mais velho você fica dentro do esporte, como em qualquer outra profissão, maior a sua participação e comprometimento e visão de equipe. Quando mais você participa, maior é seu compromisso com o que está fazendo.  A construção de uma estratégia no negócio, ou mesmo no esporte, tem que ter uma conexão muito forte entre o líder e o liderado, porque quanto mais forte ela for, melhor.

Tudo tem que ter um aprendizado, não é?

Eu não gosto de uma frase que  diz que a gente aprende mais com os erros do que com os acertos. Tudo bem que ela é uma frase simpática, traz em si resiliência, superação, força para aguentar, mas o grande lance dessa frase é que não nos esforçamos o suficiente para aprender com os acertos, que nos fazem prosperar muito mais. Quem comete os mesmos erros múltiplas vezes está com algum problema, mas o erro vai acontecer e a pessoa vai crescer. Mas quando acertamos, não nos aprofundamos no acerto, no que fizemos, em como potencializar isso. Temos como exemplo grandes empresas que não existem mais porque não potencializaram as coisas que eram boas.  E não aprenderam nem com o erro.  No esporte, por exemplo, se ganhei uma medalha, tenho que trabalhar meu acerto e ganhar outra, tenho que ter muito foco no acerto. Normalmente uma vida de sucesso tem muito mais acertos do que erros. Nós aprendemos muito com os erros, concordo, mas aprendemos mais com os acertos e não os valorizamos tanto, porque quando caímos tem todo aquele esforço para levantar. Imagine colocar todo esse esforço quando temos resultados positivos! Mesmo com as dificuldades do dia a dia, as pessoas têm histórias bonitas de dedicação.  Por isso tanto a vitória quanto a derrota têm seu aprendizado.

Quando você não ganha o primeiro lugar, é uma vitória ou derrota?

Vitória. O sentimento  de vitória pertence a você, se construiu aquele resultado. Se fui vice, fui bronze, todos os resultados  acompanham minha performance individual e, independente do ranking, sei que fiz um resultado muito bom.  Às vezes as pessoas  confundem isso. Querem muito o ouro, mas se não  conseguem o que queriam, não dão valor ao segundo lugar.

Por exemplo, se você é líder do negócio, vende muito, mas não atinge a meta, tem que ter alguns parâmetros para o desenvolvimento individual. Se você for o melhor, está em primeiro lugar. Mas isso é ranking, tem uma comparação. Uma pessoa pode ser muito boa no que faz e está tudo bem, porque esse sentimento pertence a nós. O problema é que o ser humano é competitivo.

Conte um pouco dos seus negócios.

Hoje estou mais focado no licenciamento. Tenho duas unidades da Academia Gustavo Borges de Natação e Fitness em Curitiba, uma rede de 400 licenciados no Brasil e no Chile. É B2B com gestores de empresas, de clubes, de mantenedores de escolas e até do poder público. Nós estruturamos toda a parte pedagógica com nosso método de educação aquática, capacitamos os gestores, os profissionais e temos um material pedagógico de comunicação com os pais. Toda essa cadeia dentro do negócio me dá uma base para me comunicar com os clientes, tanto na área comercial, como na prospecção e retenção de clientes. Também fazemos muitos cursos e eventos relacionados à área de capacitação profissional  e, inclusive, temos o  maior evento de natação do mundo, que está na quarta edição e acontece todos os anos em outubro, muito focado na educação e para o qual trazemos professores internacionais.

Para finalizar, qual a mensagem que você deixa?

Gosto bastante de três palavras que impactam minha vida empreendedora: uma é protagonismo, tomar iniciativa, fazer o que precisa ser feito, assumir a responsabilidade, liderar a própria vida. O esportista e pessoas de sucesso são protagonistas da sua própria vida. Outra palavra que  também tem uma relação muito forte com esporte e empreendedorismo é ousadia, que é assumir riscos, fazer diferente, gostar de desafios. E a terceira é persistência, que tem a ver com a jornada do atleta e a jornada empreendedora.  Tem relação muito grande com planejamento,  com as coisas que você faz, que gosta, que constrói, executa, com os resultados e o progresso. Essas três palavras completam o DNA do atleta, de fazer, de continuar,  de arriscar para que a coisa aconteça e também têm uma conexão forte com o DNA do empreendedor, em termos de negócio, de performance e resultados no dia a dia. E termino com uma frase de um treinador meu, com quem tive duas medalhas na olimpíada de 1996, que foram meus melhores resultados esportivos. Ele dizia “se você sempre fizer o que sempre fez, estará onde sempre esteve”.  Isso nos coloca no próximo passo, nos faz sair da zona de conforto, que tem a ver com ousadia. Não é bom estar confortável onde se está.