Da disrupção à abundância num mundo repleto de máquinas
O convidado deste Papo de Tubarões é Eduardo Ibrahim, CEO da Exonomics e beta tester do Chat GPT no Brasil
Publicado em 22 de fevereiro de 2024 às, 12h35.
O convidado deste Papo de Tubarões é Eduardo Ibrahim, CEO da Exonomics, beta tester do Chat GPT no Brasil e especialista da Singularity University, no Brasil e nos Estados Unidos um centro muito interessante de inovação para o mundo. Vamos aprender um pouco mis sobre isso.
Quem é o Eduardo Ibrahim?
Essa é uma pergunta difícil. Resumindo: comecei a atuar em tecnologia aos 16 anos como programador, trabalhei em muitas empresas com consultoria estratégica, até fazer um concurso público, no qual passei em primeiro lugar e meu pai tinha uma expectativa gigante – e errada – de que eu fosse presidente dessa empresa. Eu já trabalhava com IA nos bastidores, na área financeira, fazendo date analytics, acompanhei o crescimento e a redescoberta da IA pelas empresas, mas só fui empreender mesmo quando saí dessa empresa pública e montei uma empresa de Inteligência Artificial no Vale do Silício. Lá frequentei a Singularty University, uma instituição de inovação global que nasceu dentro do centro de pesquisa da Nasa e também tive uma experiência no festival Burning Man, que é muito transformador e acabou me inspirando a seguir nesse caminho de empreendedor serial. Vendi minha empresa e voltei para o Brasil. Quando a Singularity veio para cá, fui selecionado como um dos especialistas e foi assim que me engajei e, inclusive, acabei escrevendo meu livro “Economia Exponencial”.
O que é exatamente a Singularity University?
A palavra exponencial é usada para tudo hoje em dia e vem de uma teoria sobre computadores, criada por Gordon Earl Moore, um dos fundadores da Intel, chamada Lei de Moore, que mostrou que a cada 18 meses ou dois anos, a capacidade de processamento dos computadores dobrava. Percebemos assim que já havia um crescimento exponencial na indústria de tecnologia e de tudo o que era digitalizado.
A Singularity University nasceu em 2008 com a missão de mostrar como isso impactaria o mundo, aplicando a Lei de Moore na sociedade como um todo. Eles fizeram diversos programas gratuitos dentro do centro da Nasa, inclusive com astronautas e empreendedores e tinham um convênio com o Google, que era sediado em Mountain View, para ampliar essa mentalidade exponencial de como o mundo iria mudar muito rápido devido aos movimentos de digitalização. Assim, a Singularity se tornou uma das maiores instituições de inovação no mundo.
O que as pessoas aprendem e o que saem fazendo?
Funciona com ciclos de palestras de um programa executivo, não existe uma matéria específica. O meu tema de palestra é Economia Exponencial, onde mostro como a economia está mudando devido aos movimentos de digitalização. Temos um frame chamado Seis Ds, com seis palavras que mostram isso; as mais comuns são digitalização, disrupção, democratização e desmonetização. Procuro mostrar como o mundo e a sociedade estão mudando devido à tecnologia, criando um ciclo de crescimento na geração de riqueza no mundo, que passa pelo impacto de modelos de negócios e chega na distribuição de renda, no mercado de trabalho. A palestra, normalmente para 50 a 100 CEOs e C-Levels de empresas, é um resumo de mais ou menos uma hora daquilo que apresento no livro, que tem como subtítulo “da disrupção à abundância num mundo repleto de máquinas”.
Estamos vivendo o impacto da convergência da IA com outras tecnologias em tudo o que fazemos, criando o que chamo de efeitos de autoprodução, ou seja, a implantação de uma tecnologia que não precisa de investimentos posteriores ou de trabalho para continuar produzindo.
A economia exponencial como um todo faz com que se produza cada vez mais, se gere cada vez mais riqueza com o mesmo esforço, que é cumulativo: vai acumulando riqueza de um ano para o outro. Com o auxílio da IA nos trabalhos cognitivos, ou com o uso de robôs nas fábricas, isso acontece sem a necessidade de aumentar investimento ou a quantidade de pessoas. O ponto é encontrar, dentro de qualquer cadeia produtiva ou modelo de negócios que gere esse efeito de autoprodução, que vai produzir acúmulo de riqueza, maior crescimento das empresas, com países e pessoas mais prósperas.
Os estudiosos de futurismo dizem que entre 2023 e 2028, mais ou menos, vamos passar por um impacto muito grande na forma com que fazemos as coisas, com o uso do Chat GPT e da IA, por exemplo.
Um dos fundadores da Singularity, o Ray Kurzwell, escreveu o livro Singularity is Near, e diz que a partir de 2045 vai nascer o primeiro humano que não vai morrer. O que chamamos de Inteligência Artificial Geral, ou AGI em inglês, é uma grande discussão sobre a possível substituição pela IA de tudo o que fazemos pela cognição. Desde 2015 Ray já mostrava que, a partir de 2030, já teríamos no mundo mais inteligência não biológica do que biológica.
Eu acredito que por trás do Chat GPT, por exemplo, é preciso ter uma pessoa inteligente que faça uma boa pergunta ou organize o que ele precisa fazer, porque ele reproduz o que você pensa. Portanto, precisamos de pessoas inteligentes, preparadas, técnicas para fazer as perguntas certas, pedir os projetos certos e desenvolver as estratégias certas para podermos usar essas máquinas maravilhosas a nosso favor.
Exatamente o que o Ray fala. Existem funções de gestores, médicos, advogados, engenheiros, pessoal de finanças, que têm alguma construção cognitiva específica com conhecimento técnico e a não cognitiva, que é uma capacidade humana de crítica, de sentir e intuir coisas que a máquina não tem. Isso a máquina não vai substituir.
Mas o que é puramente cognitivo, que é o que o Chat GPT planeja inserir, quebra a forma na qual os empregos foram estruturados. Na Revolução Industrial, por exemplo, o ser humano que apertava um parafuso era substituído por um robô mecânico e estava tudo bem: ele encontrava outro emprego que não era necessariamente de trabalho manual. Agora estamos indo para a substituição dos trabalhos intelectuais, muitas vezes criativos, pelo Chat GPT.
Recentemente fiz uma palestra no Sebrae para um público grande de pequenas e médias empresas e a grande pergunta foi sobre como o empreendedor e o micro empreendedor se beneficiam com isso. Minha resposta foi: normalmente o pequeno empreendedor não tem recursos para contratar uma equipe grande. Ele pode pedir ao Chat GPT agentes de IA como um CMO ou um CEO para resolver um determinado problema e, inclusive, passar a consultar de graça esses agentes de IA como se fossem diretores da empresa, como se fossem uma equipe própria. Imagine o poder disso! Incluir a tecnologia é acompanhar a riqueza do mundo. É distribuir mais essa riqueza para haver mais prosperidade nos países.
É uma mentalidade diferente e disruptiva com relação à forma como os empregos foram criados. Acredito que vamos ter que pensar em como criar novos tipos de empregos daqui para a frente.
Nós sempre pensamos na automatização como uma forma de matar os empregos, mas na verdade destruímos empregos antigos e criamos novos. Esse é um fenômeno muito estudado na Economia; inclusive sabemos que países que têm mais automatização, têm menos desemprego. Para chegar lá existe um gap entre a estrutura atual e a dos novos empregos, que chamamos de desemprego estrutural e depende de políticas públicas. Por exemplo: nos Estados Unidos já existem muitos caminhões autônomos e o governo está investindo em estradas para facilitar o escoamento deles. Essas medidas vão fazer com que um número gigante de motoristas percam seu emprego atual, mas eles poderão ser aproveitados na sala de operação desses caminhões, por exemplo, ou encontrar um outro emprego de base tecnológica.
Estamos vivendo uma disrupção da Economia, que é a base, a plataforma social de tudo que fazemos. Quando mudamos a Economia, muda a sociedade, mudam os empregos, a distribuição de renda e esse novo lugar requer uma nova mentalidade, de reaprendizado e recapacitação. Mas vejo também que esse motorista, por exemplo, pode acabar trabalhando três dias da semana, em vez de cinco. O Bill Gates defende que a IA vai possibilitar uma semana de trabalho de três dias a médio e longo prazos. Esse motorista pode ir para a sala de monitoramento e ter mais qualidade de vida com uma carga menor de trabalho e possibilidade de buscar o que gosta de fazer nas horas vagas.
Ter a saúde mental em dia ajuda a produzir muito melhor. Eu costumo dizer que já perdemos o monopólio do pensamento cognitivo para a IA. Sobra para a gente o sentir. A máquina nunca vai fazer tudo aquilo que o humano faz relacionado com o sentir, como desafios, esporte, relacionamento com as pessoas. Estamos vivendo um momento de hiper automatização, de uso de IA para tudo e temos que aceitar que a máquina consegue combinar a cognição melhor do que nós. Perdemos esse monopólio, mas temos um que é só nosso: o humano, o sentir. Por isso, quero que pessoas que trabalhem comigo consigam distinguir essa questão, que usem o que a máquina oferece e IA para produzir 10 vezes mais. Só que a IA não vai incentivar aquele sentimento de levar a equipe para um lugar, para um propósito comum, tratar o cliente de maneira humana, ter o contato físico, o olho no olho. Tem coisas que só acontecem pessoalmente, na interação entre as pessoas.
É importante ter uma troca, estar com a pessoa, interagir. Não tem máquina que substitua esse contato, esse aprendizado com pessoas.
Sou dessa mesma filosofia e falo isso nas minhas palestras. Uso o Burning Man como um pano de fundo para explicar a Economia e a Tecnologia. O meu livro é o primeiro sobre Economia escrito no Burning Man, em 2018, quando participei do festival. Interessante que esse não é só um evento de música eletrônica, onde as pessoas tomam psicodélicos e ficam pelados. É um lugar que recebe famílias, empreendedores do Vale do Silício, pessoas que querem pensar um mundo diferente do que estamos vivendo agora, onde as empresas de tecnologia enxergam para onde estamos indo. Ele inspira para a disrupção constante da economia, como a desmonetização ou a tokenização, que é a desmonetização na prática.
Tokenizar não é a troca alguma coisa por uma moeda oficial do governo?
Na ponta, o token pode se tornar uma moeda do governo. Mas quando se fala de Economia, se fala de transações de valor que podem ser tokenizadas. Um produtor do agro, por exemplo, cuja cadeia demora anos para produzir, pode trocar tokens com outros fornecedores e só vai precisar trocar por dinheiro no final da safra, quando a colheita vai para o mercado. Só que nesse meio tempo, o governo, que mede a circulação do capital para estipular o crescimento do PIB, perde completamente o controle desse cálculo. Todo economista sabe que o PIB é um indicador que não representa exatamente a economia e quando você tokeniza as relações econômicas, perde-se a noção do que está acontecendo na economia real, porque os analistas só conseguem avaliar o que está acontecendo no mundo das finanças, o de moeda de capital circulante. A grande mudança é que o que acontece na Economia, não vai necessariamente acontecer no mercado financeiro. Muitas vezes o regulador econômico tem com uma visão muito restrita.
E a Web3? Ela vai dar espaço para fazermos algo independente desses quatro ou cinco grandes que determinam tudo o que fazemos, como Google, Facebook, Microsoft, Apple?
A Web3 vem para fazer com que isso se torne mainstream, dependendo de duas coisas: uma é a adoção da tecnologia do block chain, com a qual trabalho no B2B, pois é um sistema com uma estrutura pronta de segurança, rastreabilidade, transparência, muito melhor do que já fazemos há 20 ou 30 anos. Num segundo momento, quando essa tecnologia de Web 3 estiver sendo usada por todos, ela permitirá que a centralização do poder dessas grandes empresas seja diluída. É a internet descentralizada.
Isso não depende só da tecnologia, mas de uma mudança cultural. O ser humano confia nas pessoas, nos governos, nas empresas, em seus líderes e culturalmente não estamos preparados para delegar essa confiança para a máquina. Mas acredito que com o tempo vamos escolher líderes que saibam lidar melhor com a tecnologia e que entendam a máquina como um fator para encontrarmos os vieses humanos, enxergar e até mesmo corrigir determinado viés.
Não existe problema na Economia que não possa ser resolvido com a combinação block chain e IA. Nós temos tecnologia para resolver todos os problemas, todas as ineficiências da Economia. A questão é querer fazer, encontrar empreendedores, explicar para eles e para os reguladores políticos qual o poder dessa tecnologia, ver vontade de todos os lados em atravessar esse momento de disrupção que engloba a sociedade como um todo, para sair melhor do outro lado.
E esses óculos da Apple e do Google que fazem tudo? As pessoas vão usar?
Acho que sim. Muitas coisas estão acontecendo dentro dessas empresas e nós só veremos quando forem lançadas. As big techs trabalham com uma captação de dados chamada de economia comportamental: a máquina consegue captar o comportamento humano para fazer com que se tomem melhores decisões na Economia. Ferramentas como Siri e Alexa, por exemplo, usam uma área de IA chamada de captação sentimental para nos ouvir e captar nossa entonação de voz e os sentimentos humanos. Vai chegar uma hora em que a máquina vai saber mais da gente do que nós mesmos, vai nos ajudar no autoconhecimento, dando um feed back sentimental.
Por exemplo, o Instagram, que é bem básico: quando você para um tempinho numa imagem ou numa notícia, logo depois aparece algo parecido na sua timeline. Essa parada, esse olhar, já é uma captura do seu comportamento e de onde está sua atenção. Existe uma startup israelense que analisa mais de 150 tipos de gestos que fazemos na tela do celular, para avaliar se estamos interessados ou não em alguma coisa, se seu toque ou seu olhar estão interessados no que você está vendo ou não.
Muita gente acha que o celular é o ultimate device, o device que vai ficar para sempre, mas tem quem acredite que um óculos, uma lente de contato, um relógio, vão substituí-lo. A empresa que mais aposta nisso é a Meta, do Facebook, que fez um reposicionamento do metaverso, agora em mainstream.
A IA já existe há uns 50 anos e só agora virou mainstream, porque a barreira para acesso das pessoas diminuiu. Eu já usava IA há 20 anos, mas quem não é da área, quem não está num laboratório, precisava de uma entrada fácil para interagir com a IA, como o Chat GPT. O Google e a IBM, que tinham muitos avanços de laboratório em IA, acabaram vendo a Open IA, do Chat GPT, sair na frente justamente por facilitar esse acesso.
Por isso acredito que o metaverso está ligado à diminuição da barreira de uso. Eu tenho o óculos da meta, o Metaquest, mas é muito grande, incômodo, é bom para quem gosta de games. As empresas estão procurando smart glasses alternativos, como o Apple Glass; a Meta lançou um com a Ray Ban, que junta a câmera com análise de IA no dia a dia, uma funcionalidade mais interessante para o mundo real do que estar dentro de um ambiente de metaverso. A Microsoft tem o dela, o HoloLens que tenta fazer com que essa barreira de acesso entre mundo real e mundo virtual seja diminuída e, quando isso acontecer, o que hoje chamamos de geração metaverso, pode ganhar um pico de uso como aconteceu com a IA.
Eu, pessoalmente, não acredito muito no metaverso, viver num outro ambiente com um avatar. Não consigo entender o que pode motivar alguém a fazer isso.
O metaverso, como é hoje, não ganha o mainstream em curto prazo, porque tem problemas de ergonomia, é chato. Será que a interação humana vai estar nesse ambiente? O Mark Zuckerberg aposta nisso: tudo o que ele faz tem como objetivo levar o que vivemos nas redes sociais para o metaverso. Mas existem funcionalidades a mais: no metaverso conseguimos criar ambientes simulados para economias inteiras, sem as restrições do mundo analógico e para que o negócio seja mais barato que no mundo real, poupando tempo e dinheiro. Imagine colocar avatares humanos que se comportam como o ser humano, com estímulo e resposta, interagindo com esses ambientes.
E no Agro?
O Agro já inova no campo, por exemplo, com a Internet das Coisas, sensores, drones com visão computacional para atuar de maneira mais assertiva. Quando se coloca todos esses dados com IA, é possível melhorar a produção. Isso sem contar toda a parte de biotecnologia da qual o agro se beneficia. Na Holanda, por exemplo, existem fazendas verticais, nas quais há uma irrigação melhor, oxigênio mais bem distribuído e biotecnologia para fazer a produção mais rápida e melhor.
O que mais me impressiona é o avanço da Medicina, principalmente na prevenção.Por isso o Ray Kurzwell acredita no ser humano imortal a partir de 2045. Já estamos vendo um aumento na qualidade de vida e na longevidade. Recentemente dei uma palestra para uma universidade de Medicina, que juntou vários C-Levels de hospitais e de planos de saúde. Foi muito interessante ver que existem desafios básicos como um possível open health, que é urgente, mas o mercado ainda não conseguiu se organizar para isso. Por exemplo, fazemos um exame num hospital e se formos fazer o tratamento em outro, ele não tem acesso aos nossos dados, o que na verdade é uma proteção de mercado. Mas o valor do open health é grande para o paciente, inclusive permitindo uma colaboração maior na economia, onde todo mundo sai ganhando, por exemplo, com um block chain por trás, que permitiria maior eficiência nessas redes da indústria de saúde. Alguns empresários, inclusive, já estão trazendo robôs para cirurgias automatizadas, que são mais precisas a partir de um ambiente virtualizado pois não dependem do humor ou das condições físicas ou mentais do cirurgião naquele momento, embora não se possa prescindir da sua presença física.